A Aplicação da Lei 8.212/91 e o SIMPLES NACIONAL

 

A Constituição Federal de 1988 inaugurou a nova ordem jurídica do país, formalizando uma realidade jurídica diversa daquela adotada pelas constituições anteriores. Nenhuma outra Constituição abordou com tanta primazia o tratamento diferenciado às Microempresas – ME, e às Empresas de Pequenas Empresas - EPP.

Dispõe o texto Constitucional que haverá tratamento favorecido às ME, e às EPP, em obediência ao princípio da Isonomia material, que consiste em “tratar os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades”.

 

Nesse quadro, por meio de Lei Complementar, conforme inteligência do art. 146, inciso III, alínea “d”, da Constituição Federal, a União legislará trazendo definição de tratamento peculiar para as ME e para as EPP, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso das contribuições sociais. Vejamos:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

O Texto Maior procurou incentivar e desenvolver aquele empreendedor que está iniciando suas atividades, assim como, desestimular a informalidade. Impende que, a ME e a EPP, quando iniciam as suas atividades, necessitam de um incentivo maior, pois, ainda estão se firmando economicamente, equilibrando suas contas e se situando no mercado.

Manter a mesma disciplina jurídica das grandes empresas e dos Grandes Grupos empresariais às ME e às EPP é, evidentemente, desestimular o pequeno empreendedor. Vejamos a máxime Constitucional:

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

O Estado tem o dever de incentivar e estimular o empreendedorismo dando condições jurídicas e econômicas para que as ME e as EPP possam se firmar economicamente. Trata-se de um incentivo para tornar estas novas pessoas aptas ao competitivo mercado. Este é o espírito Constitucional.

É nesse sentido que a União, no exercício de sua Competência editou a Lei Complementar nº 123/06 – LC 123/06, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às ME e EPP no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias; ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias; ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.

Por conseguinte, conforme expõe professor Renaldo Limiro da Silva, a respectiva Lei instituiu um “único regime arrecadatório dos principais tributos que cercam as atividades das microempresas e empresas de pequeno porte, em todos os âmbitos de governo, o que, sem dúvida, além de facilitar o exercício da atividade empresarial, proporcionará a redução de custos e recolhimento de impostos em menor quantia, é claro, analisando-se, especificamente, caso a caso”.

É importante frisar que a lei, a que nos referimos, trata de instituir o SUPERSIMPLES que abrange mais do que o SIMPLES, pois tem um alcance maior do que a Lei n. 9.317/96, esta, segundo a doutrina, com alcance limitado, e aquela abarca todos os níveis da Federação Brasileira – o nível federal, estadual e municipal, bem como o Distrito Federal.

Nestes termos, o Simples Nacional trouxe a inovação a partir do momento que unificou a arrecadação de tributos dos diversos entes políticos. São alíquotas diferenciadas de todos os tributos que englobam a competência do Simples Nacional, a saber, nos termos do art. 13, o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ; Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL; a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS; Contribuição para o PIS/PASEP; a Contribuição Patronal Previdenciária – CPP; Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS; e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.

A arrecadação deverá ocorrer por meio de documento único, observando os anexos da LC 123/06. A política de arrecadação do Simples Nacional visa, exclusivamente, facilitar o recolhimento dos impostos e Contribuições expressos no art. 13.

Por esse motivo, qualquer outra regra ou política de arrecadação que prejudique a aplicação da Lei Complementar 116/06 é incompatível com a Constituição Federal, pois, o texto maior não reservou à nenhuma outra lei a disciplina da política tributária dispensado às ME e EPP.

Deveras, há situações na qual a Lei 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências, submete as ME e EPP à retenção na fonte, conforme o seu art. 31. Melhor dito, na inteligência do dispositivo citado, a empresa que prestar serviço mediante cessão de mão de obra, terá retido 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher. Vejamos:

Art. 31.  A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5o do art. 33 desta Lei.

Não há, evidentemente, como sustentar a tese de que a ME e EPP, optante pelo Simples Nacional, terá que suportar política de arrecadação diversa daquela que trata a LC 123/06.

Vale o registro que o art. 31 da Lei 8.212/91 é meramente uma política de arrecadação, i.e., é um meio pelo qual a Administração Previdenciária, por  pura conveniência fiscal,  buscou para recolher suas Contribuições. Trata-se de um mecanismo de arrecadação inovador. Todavia, em se tratando de política de arrecadação, não é pertinente sustentar que a inovação previdenciária se sobreponha à regra do Simples Nacional.

Ora, a Constituição Federal, expressamente, reservou à União editar Lei Complementar com o escopo de instituir tratamento favorecido às ME e EPP, inclusive no recolhimento dos impostos e contribuições abrangidas pela LC 123/06.

Por conta do princípio da especificidade, lei ordinária Federal não poderá sobrepor as regras próprias e exclusivas do Simples Nacional, pois é tema reservado à Lei Complementar.

Inclusive, o STJ decidiu no sentido de que a regra do art. 31 da Lei 8.212/91 não se enquadra às ME e EPP, optantes pelo Simples Nacional, pois, trata-se de política de arrecadação própria o que invadiria o caráter específico da LC 123/06 que tem, dentre outras atribuições, escopo de simplificar e conceder tratamento diferenciado, na política de recolhimento de impostos e contribuições, conforme art. 13 da LC 123/06, combinados com o art. 146 da Constituição Federal.

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO OPTANTES PELO SIMPLES. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS. ILEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA .

1. A Lei 9.317/96 institui tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, simplificando o cumprimento de suas obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias mediante opção pelo SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições. Por este regime de arrecadação é efetuado um pagamento único relativo a vários tributos federais, cuja base de cálculo é o faturamento, sobre o qual incide uma alíquota única, ficando a empresa optante dispensada do pagamento das demais contribuições instituídas pela União (art. 3°, § 4°).

2. O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui ‘nova sistemática de recolhimento’ daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e percentual de 11%, implica supressão do beneficio de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas.

3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, visto que há incompatibilidade técnica entre a sistemática de arrecadação da contribuição previdenciária instituída pela Lei 9.711/98, que elegeu as empresas tomadoras de serviço como responsáveis tributários pela retenção de 11 % sobre o valor bruto da nota fiscal, e o regime de unificação de tributos do simples, adotado pelas pequenas e microempresas (Lei 9.317/96).

4. Embargos de divergências a que se nega provimento”

(STJ, 1ª Seção, EREsp n° 511001/MG, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 9.3.2005, unânime, DJU de 11.4.2005, p. 175).

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 31 DA LEI N° 8.212/91, COM REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N° 9711/98. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESAS OPTANTES PELO SIMPLES. IMPOSSIBILIDADE. PRECENDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO.

1. A Primeira Seção, no julgamento dos Embargos de Divergências n° 511.001/MG, Relator o Ministro Teori Zavaski, DJU de 11.04.05, concluiu que as empresas prestadoras de serviço optantes pelo SIMPLES não estão sujeitas à retenção do percentual de 11% prevista no art. 31 da Lei n° 8.212/91, com redação conferida pela Lei n° 9.711/98.

2. O sistema de arrecadação destinado às empresas optantes pelo SIMPLES é incompatível com o regime de substituição tributária previsto no art. 31 da Lei 8.212/91. A retenção, pelo tomador de serviços, do percentual de 11% sobre o valor da fatura, implica supressão do beneficio de pagamento unificado destinado às microempresas e empresas de pequeno porte.

3. Embargos de divergência providos”

(STJ, 1ª Seção, EREsp n° 570657/SC, rel. Min. Castro Meira, j. em 11.5.2005, p. 309).

Frise-se, outrossim, o que dispõe o art. 1º da Lei Complementar 123/06,  in verbis:

 

Art. 1o  Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

I – à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;

(...)

Vale trazer à baila, inclusive, que o legislador incluiu, na política tributária diferenciada, dispensada às ME E EPP, ademais, tratamento diferenciado quanto às Obrigações Acessórias.

Há, portanto, uma flagrante incompatibilidade do art. 31, caput, da Lei 8.212/91 com a Lei Complementar 123/06, e uma inconstitucionalidade, pois, o dispositivo da lei previdenciária coíbe as regras fundadas no princípio da isonomia material.

Dessa forma, convém concluir que este mecanismo de arrecadação, inaugurado pelo art. 31 da Lei 8.212/91 não goza de constitucionalidade por confrontar com o princípio da isonomia material, consagrado no art. 5º da Constituição Federal, bem como colide com as regras impostas pelo art. 179 também do Texto Maior em que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal dispensarão tratamento jurídico diferenciado às ME e às EPP. Vejamos:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

Art. 146, parágrafo único, inciso III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;

Referencia Bibliográfica:

SILVA, Renaldo Limiro da; LIMIRO, Alexandre. Manual do Super Simples: Comentários à Lei Geral das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Lei Complementar 123/2006). Curitiba: Juruá, 2007.