A Lei nº 9.615/98, nos dispositivos que tratavam como "amador" o esporte praticado livremente sem qualquer remuneração, mesmo a título de incentivos materiais, sofreu modificações lhe introduzidas pela Lei nº 9.981/00, a qual veio a abolir definitivamente do ordenamento jurídico pátrio a expressão "amador", transformando o desporto de rendimento não-profissional, outrora subdivido em "semi-profissional" e "amador", em tão somente não-profissional.

Outrossim, o esporte "amador", outrora consignado no texto legal, fazia menção ao conceito que hoje se amolda ao denominado "desporto de participação", praticado voluntariamente sem efetivo vínculo entre atletas e clubes.

Nestas condições, importante destacar que a entidade praticante de desporto organizado e praticado de modo não-profissional, à luz das regras oficiais de determinada modalidade desportiva, aplicáveis nacional e internacionalmente com vistas à obtenção de resultados (campeonatos regionais, estaduais, etc.), caracterizado ainda pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, ainda que permitidos incentivos materiais de outra ordem, a teor da norma insculpida no art. 3º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.615/98, pratica, positivamente, desporto de rendimento.

Com base nestas considerações, pelas quais se busca estabelecer a condição jurídica da entidade praticante de desporto não-profissional, asseveramos e advogamos a tese pela qual os clubes não-profissionais, quando sujeitos à jurisdição da Justiça Desportiva, não fazem jus à "isenção" da pena de multa, com o devido respeito às posições divergentes.

Isto, destaca-se, pelo simples fato de que tanto a Constituição Federal, quanto a Lei nº 9.615/98, quanto a Resolução CNE nº 11/2006 (CBJD), trazem em seus textos normas que estabelecem o tratamento diferenciado a ser dado ao desporto praticado na forma não-profissional.

A propósito, o conteúdo das normas que assim determinam encontram-se redigidas nos termos normativos a seguir reproduzidos:
Constituição Federal:  "Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional."
Lei nº 9.615/98: "Art. 2o O desporto, como direito individual, tem como base os princípios:  VI - da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não-profissional."

CBJD: "Art. 182. As penas previstas neste Código serão reduzidas pela metade quando a infração for cometida por atleta não-profissional ou por entidade partícipe de competição que congregue exclusivamente atletas não-profissionais." [grifos nossos.]


Conforme se depreende da análise dos textos normativos acima transcritos, o tratamento diferenciado dado às entidades de prática desportiva não-profissionais encontra-se amplamente amparado por normas que vão da Constituição ao regramento infralegal.

Neste sentido, o legislador constituinte originário, ao atribuir competência à Justiça Desportiva para as lides envolvendo a disciplina desportiva, esteve a conferir aptidão ao legislador infraconstitucional para instituir os aludidos critérios diferenciadores.

Assim o fez o legislador infralegal, posto que ao editar o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, inseriu dispositivo que torna menos gravosa a pena de multa imposta a entidade não-profissional, o que fez no art. 182 do codex.

Por seu turno, a chamada "Lei Pelé", em plena vigência, impõe a inaplicabilidade da pena de multa única e tão-somente ao atleta não-profissional, a teor do disposto na norma do art. 50, § 3º, da Lei nº 9.615/98, de forma que ampliar o leque de possibilidades delimitado pela legislação importa em escancarada contrariedade à lei.

Assim sendo, resta evidente que a intenção do legislador não era, jamais foi e jamais será a de eximir de pena pecuniária a entidade partícipe de competição que congrega atletas não-profissionais, posto que se este fosse o seu objetivo, teria necessariamente inserido dispositivo pelo qual consignaria a "isenção" da pena de multa às entidades que assim se caracterizassem. Pelo contrário: subsumiu-as à incidência da pena de multa, tão-somente conferindo-lhes um benefício, encontrado no art. 182 do CBJD, imposto por lei ordinária federal e pelo texto constitucional.

Assim sendo e tendo em vista que o poder jurisdicional atribuído aos Tribunais de Justiça Desportiva, consoante o disposto no art. 217, § 1º, da Constituição Federal, importa a instituição de Cortes Jurídicas eminentemente técnicas, às quais incumbe analisar se as infrações disciplinares levadas a julgamento são típicas, antijurídicas e culpáveis, descabe, pois, quando do julgamento dos processos disciplinares, a adoção de qualquer critério político ou mesmo "benevolente" para se deixar de aplicar penalidade estabelecida como cogente pelo legislador infralegal. As decisões devem, sim, pautar pela técnica e pela coerência.

Cumpre asseverar que o legislador do CBJD, ao inserir na cominação da pena do art. 213 do codex o conectivo aditivo "e" ao invés do conectivo alternativo "ou", esteve a consignar de forma expressa e inequívoca que o julgador, ao considerar procedente a denúncia, deve necessariamente aplicar as duas modalidades de pena, não lhe sendo dada a oportunidade de optar pela inaplicação desta ou daquela.

A jurisprudência pátria é absolutamente remançosa nesse sentido. Considera-se que o Juiz de Direito, ao impor condenação por crime cuja pena comine a pena de reclusão "e" dias-multa, não pode segregar as penas e abdicar de uma delas, sob pena de legislar e assim ferir o princípio da separação dos poderes.

E se é nesse sentido que caminha a melhor exegese do direito, encontrada tanto no âmbito dos Tribunais de Justiça quanto do Superior Tribunal de Justiça, motivo não há para que, em sede de Direito Desportivo e Justiça Desportiva, confira-se entendimento distinto.

Neste sentido, confira-se a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

PENA. MULTA. ISENÇÃO NO PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE.  A imposição da pena de multa é decorrência de dispositivo legal penal e, portanto, obrigatória.  Quando o réu é condenado por crime, no qual há dupla cominação, prisão e multa, tem-se que aplicar as duas necessariamente.  As questões relativas à isenção, forma de pagamento, ou outras possíveis, devem ser discutidas no juízo da execução penal.  Do mesmo modo com relação às custas do processo. (...) Apelo ministerial provido.  Unânime.
(APC n. 70012776688, Sétima Câmara Criminal, TJ/RS, rel. Des. Sylvio Baptista, j. em 24.11.2005)
[grifos nossos.]


Desta forma, ao admitir-se decisões de modo contrário, estar-se-ia diante de corriqueiras injustiças, posto que para determinada situação, aplicam-se as penas de perda de mando "e" multa, quando para outras situações, idênticas ou correlatas, segrega-se parte da pena prevista em lei, para beneficiar o acusado sem qualquer base legal ou fundamento jurídico plausível, pelo só fato de considerá-lo enquadrado ao conceito de não-profissinal, ou "amador", como muitos ainda insistem.

Questões relativas à redução da pena de multa, a forma de seu pagamento a sua conversão em prestação alternativa, dentre outras, devem ser argüidas quando oportuno, mas, destaca-se, não guardam correlação com a ampla legalidade da imposição da pena pecuniária.