A APLICABILIDADE DA ALIENAÇÃO PARENTAL NAS RELAÇÕES SÓCIOAFETIVAS[1]

Bruno de Oliveira Dominici[2]

 

 

Sumário: Introdução; 1 A Filiação Socioafeiva; 2 Síndrome da alienação parental; 3 A aplicação da alienação parental nas relações socioafetivas; Considerações Finais.

RESUMO

Apresentar-se-á este trabalho com o intuito de analisar a aplicabilidade da alienação parental nas relações socioafetivas, identificando a alienação parental e a mudança da configuração da família atual. A abordagem se estenderá, por conseguinte, na possibilidade de cabimento dessa síndrome nas filiações socioafetivas e de sua respectiva regulamentação diante das mudanças do direito. Sob tal perspectiva, visa-se romper com uma visão individualista, que viole os valores tutelados por nosso ordenamento pátrio, assim como buscar a compreensão da salutar proteção do filho afetivo mediante os valores intrínsecos do âmbito social hodierno.

PALAVRAS-CHAVE

Alienação Parental; Filiação Socioafetiva; Família

 

 

INTRODUÇÃO

A importância da verdade afetiva frente à realidade biológica “impôs o alargamento do conceito de filiação”. Na atualidade, considera-se que paternidade, maternidade e filiação “não decorrem exclusivamente de informações biológicas ou genéticas”. Dás-se relevo a relação de afetividade, amor, carinho para o fim de estabelecer relações de parentesco (DIAS, 2010, p.340).

Ademais, mudou-se o conceito de família. O primado da afetividade na identificação das estruturas levou à valoração do que se chama filiação afetiva (DIAS, 2008). Traça-se um estudo, portanto, sobre a possibilidade de aplicabilidade da síndrome da alienação parental nessas relações familiares. Este tema que passou a despertar muita atenção com muitas rupturas da vida conjugal, visto que a criança neste cenário é programada a odiar um de seus pais sem qualquer justificativa. Assim, a síndrome da alienação parental corresponde a uma forma de contra-poder em face dos “novos direitos” da infância.

 

1 Filiação Sócioafetiva

Em se tratando de vínculo de filiação, se assim se considera, desfruta do estado de filho afetivo. A aparência faz com que todos acreditem existir situação não verdadeira (relação paterno-filial), fato que não pode ser desprezado pelo direito. Mas, infelizmente, o sistema jurídico não contempla a noção de posse de estado de filho, “expressão forte e real do nascimento psicológico, a caracterizar a filiação afetiva” (DIAS, 2010, p.366).

A filiação socioafetiva aplica-se no reconhecimento da posse do estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto (CC 1593), logo, é uma verdade aparente e decorrente do direito à filiação. “Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico” ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. A necessidade de manter estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica (DIAS, 2010, p.366-367).

O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo da filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil. Se menor, com fundamento no principio do melhor interesse da criança e do adolescente; se maior, por força do principio da dignidade da pessoa humana, que não admite um parentesco restrito ou de segunda classe. O principio da solidariedade se aplica a ambos os casos (DIAS, 2010, p. 368).

Segundo Maria Berenice Dias (2010, p.128) surgiu um novo conceito, tanto de conjugalidade como de filiação, em resposta ao “novo referencial que identifica os vínculos interpessoais e parentais mais pela identificação do afeto do que pela verdade registral ou biológica”. Não é mais o casamento que identifica a família. Também não é a identidade genética que marca a relação de parentesco. Todos os vínculos extrapatrimoniais como a filiação socioafetiva conquistaram espaço no âmbito jurídico.

Assim, cada vez mais surge a busca do reconhecimento do vinculo da afetividade. Outro não foi o motivo que levou o legislador a admitir ao enteado agregar o nome do padrasto ou da madrasta ainda que tal não se reflita na relação de filiação (art.57, §8º da Lei 11.924/09).

2 Síndrome da Alienação Parental

Também conhecido como implantação de falsas memórias. Essa síndrome acontece quando chega ao fim a vida conjugal, quando um dos cônjuges não consegue lidar com a separação e o sentimento de rejeição, de traição, surgindo um desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais é do que uma “lavagem cerebral” feita pelo guardião, de modo a comprometer a imagem do outro genitor (a designação somente ao genitor é sujeita a criticas), contando fatos que não ocorreram ou que não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador. Assim, “o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram”. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho. Restando órfão de genitor alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado (DIAS, 2010, p.456).

Pois bem, tal síndrome possui sua origem a partir das estruturas de convivência familiar, pois a mesma surge devido a uma maior aproximação dos pais com os filhos. Desta forma, quando ocorre a separação dos genitores ou representantes, surgi-se uma extrema “ganância” pela manutenção egoísta da guarda dos filhos, ressaltando que nas relações socioafetivas têm-se a “posse de estado de filho” quando caracterizada a afetividade (DIAS, 2008). Nesta esteira, o psiquiatra americano Richard Gardner (apud DIAS, 2008) assevera sob a real materialidade deste processo psíquico que visa “programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer justificativa. Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro”. Compreendido tal fútil motivação, resta óbvio que o mesmo pode ser aplicado nas alienações parentais ocorridas em filiações de espécie socioafetiva.

A partir de concretizada a presença da síndrome da alienação parental, é indispensável a responsabilização do genitor ou representante que age desta forma por ser conhecedor da dificuldade de aferir a veracidade dos fatos e usa o filho com finalidade vingativa. É importante que sinta que há o risco, por exemplo, de perda da guarda, caso reste evidenciada a falsidade da denuncia levada a efeito. Destarte a punição de atos que comprometem o desenvolvimento sadio do filho e colocam em risco o equilíbrio emocional do mesmo, certamente continuará aumentando denúncias levadas a tal efeito (DIAS, 2008).

Acompanhando toda a evolução da doutrina e da jurisprudência, foi promulgada a Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, conhecida como Lei da Alienação Parental. Nos termos do art. 2º da nova norma, “considera-se alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, de guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” (TARTUCE; SIMÃO, 2010, p.404). A lei ao elencar apenas o genitor desmerece a evolução do direito de família, o que não condiz com a realidade das estruturas familiares.

3 A Aplicabilidade da Alienação Parental nas Relações Sócioafetivas

 Como exposto acima, além da verdade registral e da verdade biológica, também merece alento a verdade socioafetiva, nos casos contemporâneos envolvendo filiação (TARTUCE; SIMÃO, 2010, p.357). A alienação parental pode incidir em qualquer um dos genitores e num sentido mais amplo, pode ser identificada até mesmo em outros cuidadores. Enfim, qualquer pessoa com quem a criança tem um vínculo de afeto (DIAS, 2010, p.456).

É salutar a ressalva acerca do princípio da dignidade da pessoa humana como incidente imprescindível nas relações de família, funcionando como cláusula geral principiológica, sendo assim, garantidora de real valor fundamental à existência humana, segundo as suas expectativas, patrimoniais e afetivas, e indispensáveis à sua realização pessoal em busca da felicidade na convivência familiar (LEITE; HEUSELER, 2012).

De tal forma sabe-se que a partir do momento em que se constitui a filiação fundada exclusivamente em laços afetivos, constituída também estará a identidade da prole. É incoerente que a relação envolvendo pais e filhos, independentemente do liame biológico, se rompa, uma vez que a relação parental na é o fator único-essencial no desenvolvimento do filho no que tange a formação de sua personalidade (OTONI, 2010). Sob tal certame, faz-se mister ressaltar que a alienação parental é sim possível nas relações socioafetivas, e cabe destacar que:

Identificar a alienação parental e evitar que esse maléfico processo afete a criança e se converta em síndrome são tarefas que se impõem ao Poder Judiciário. O advogado que milita na área do direito de família deve priorizar a defesa do menor, mesmo quando procurando pelo genitor alienante para a defesa de seus direitos, inclusive com a recusa ao patrocínio da causa do progenitor alienante (FONSECA, 2009, p.2).

Têm-se entendimento doutrinário que, antecipando-se ao que agora dispõe o artigo 16 do Decreto-Lei n. 3.200/41, queria-se aplicar, por analogia, aos casos de guarda de filhos naturais disposições da Lei n. 4.121, de 27-8-1962, que determinava, em relação aos desquitados, que os seus filhos menores ficassem com a mãe, salvo se houvesse contra-indicação. Diante do exposto o Supremo Tribunal Federal entendeu, todavia, que a interpretação extensiva era no caso descabida, continuando em rigor as disposições legais anteriores, que não teriam sido revogadas nem afetadas pela Lei n. 4.121, de 27-8-1962 (WALD, 2005, p. 266-267). O filho reconhecido, enquanto menor, ficava, portanto, em poder da mãe, mesmo que também reconhecido pelo pai, salvo se de tal solução advier prejuízo para ele. Atualmente, contudo, na esteira do quanto regulado para os filhos de separados judicialmente, estabelece a lei que deverá prevalecer, caso não haja acordo entre os pais, o interesse do menor e a sua guarda. Assim, tanto poderá ser deferida à mãe como ao pai ou a terceiro (Art. 1.612, Código Civil, 2002).

Hodiernamente têm-se entendido que o verdadeiro vínculo de paternidade é o afetivo e, portanto, os pais, necessariamente, não necessitam ser os que determinam o vínculo genético. Nesse contexto, o conceito de paternidade é dividido entre relações de aspectos biológicos, jurídicos e socioafetivos. Destarte a adoção do conceito de paternidade socioafetiva, não pretende-se excluir o direito do filho ver reconhecida a sua paternidade biológica, pois o direito ao reconhecimento da origem genética é um direito personalíssimo do filho, que, vale ressaltar, é garantido constitucionalmente, não sendo, de maneira nenhuma, passível de renúncia ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai (SANTOS; NEGRÃO; GUIMARÃES, 2008).

Acerca da Lei 12.318/10, assevera Maria Berenice Dias (2010):

Daí o significado da Lei 12.318/10, que define alienação parental como a interferência na formação psicológica para que o filho repudie o genitor ou cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com o mesmo. A lei elenca, de modo exemplificativo, diversas formas de sua ocorrência, como promover campanha de desqualificação; dificultar o exercício da autoridade parental; omitir informações pessoais relevantes; apresentar falsa denúncia para obstaculizar a convivência; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa. Havendo indícios de práticas alienadoras, cabível a instauração de procedimento, que terá tramitação prioritária, devendo a perícia psicológica ou biopsicossocial ser apresentada em 90 dias. Caracterizada a alienação parental ou conduta que dificulte a convivência paterno-filial, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal do alienador, pode o juiz advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; multar o alienador; inverter a guarda ou alterá-la para guarda compartilhada. Pode até suspender o poder familiar.

Acerca do exposto acima, verifica-se que o nosso ordenamento pátrio está “caminhando” para garantir a devida proteção dos menores em relações de âmbito familiar que estejam submetidas ao caótico liame da alienação parental, e ainda faz-se mister elencar que independentemente de qualquer situação, a filiação socioafetiva não se desconstituirá, uma vez que a família é a base para a formação do indivíduo. Contudo sabemos que ainda não existe um dispositivo que tutela, de forma expressa, essa nova espécie de filiação, porém não há que se discutir que as figuras paternas e maternas não devem se vincular somente à questão procriadora, mas sim aqueles que proporcionam ao filho sentimentos capazes de superar o próprio vínculo consanguíneo (OTONI, 2010).

É salutar que ressaltemos acerca de recente acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais (AC nº 408.550-5, de 01.04.2004), por sua 7ª Câmara Cível, que reconheceu ao filho o direito a ter reparados os danos morais decorrentes do abandono paterno, fixando indenização correspondente a 200 salários mínimos. A decisão ficou assim ementada:

“INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.”

 

Considerações Finais

Acerca do trabalho exposto podemos concluir que a dignidade do filho afetivo merece respeito de seus semelhantes e do próprio Estado, pois o ônus de proteção da dignidade humana, principalmente da criança e do adolescente, é do poder estatal, uma vez que este deve abduzir qualquer violação aos direitos daqueles.

Destarte não restam dúvidas de que a alienação parental é um fato corriqueiro em nossa sociedade e, infelizmente, afeta de forma extrema o desenvolvimento psicológico dos filhos, uma vez que trata-se da perda, pelos filhos, de todo um referencial obtido de seus pais, sejam eles de caráter afetivo ou biológico, já que as figuras do Pai ou da Mãe não devem se ater somente ao caráter de contribuição genética para que a prole seja gerada mas sim, da participação cotidiana do desenvolvimento e formação dos filhos com o intuito de tornar plena a afetividade familiar, pois trata-se de caráter essencial no âmbito de convivência familiar.

Para tanto, cabe a nós, operadores do direito, defendermos a importância primordial do elemento social e ético da instituição familiar socioafetiva, tendo em vista que vivemos em um realidade social revestida de diretrizes morais às quais devem ser munidas das devidas sanções quando forem frontalmente violadas.       

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, Maria Berenice. Alienação parental: Uma nova lei para um velho problema! 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=669>  Acesso em 19 de Maio de 2012.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? 2008. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=463>  Acesso em 20 de Maio de 2012.

FONSECA, Priscila M. P. Síndrome De Alienação Parental. Revista do CAO Cível nº 15, Ministério Público do Estado do Pará, 2009.

LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. Direito de Família e alienação parental. 2012. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=818> Acesso em 19 de Maio de 2012.

OTONI, Fernanda Aparecida Corrêa. A filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=680>  Acesso em 18 de Maio de 2012.

SANTOS, Silas Silva; NEGRÃO, Sônia Regina; GUIMARÃES, Angélica Bezerra Manzano. Paternidade x Paternidade socioafetiva. 2008. Disponível em: <http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Silas_Silva_Santos/Paternidade.pdf>  Acesso em 18 de Maio de 2012.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. São Paulo: MÉTODO, 2011.

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.



[1] Trabalho apresentado para obtenção da 2ª nota referente à disciplina Direito das Famílias e Sucessões, ministrada pela professora Anna Valéria Cabral.

[2] Graduando do 6º período vespertino do curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco –UNDB.