A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA[1]

Darla de Medeiros Gonçalves Gaspar[2]

Laysa Ribeiro Soares[3]

Christian Barros[4]

 

Sumário: Introdução; 1. Noções em relação à Tutela Antecipada; 2. Fazenda Pública: lei e conceito; 3. A Possibilidade Jurídica do Pedido de Antecipação de Tutela contra a Fazenda Pública; Considerações Finais e Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade principal, compreender o instituto da Tutela Antecipatória contra a Fazenda Pública. Para isso, procura-se primeiramente analisar os conceitos e noções acerca do instituto da tutela antecipada, como acontece o procedimento antecipatório e sua relação com o caso da Fazenda Pública na situação de ré do processo. Como há correntes divergentes que defendem e outras que se opõem à possibilidade jurídica do pedido de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, busca-se compreender as bases argumentativas de cada corrente.

Palavras-chave: Antecipação de Tutela. Fazenda Pública. Possibilidade Jurídica do Pedido.

Introdução

O Código de Processo Civil conta com o instituto da Antecipação de Tutela como forma de garantir a concessão de direitos requeridos pelo autor e esperados pela sentença com julgamento do pedido. É importante ressaltar que a celeridade processual não é pressuposto para o pedido de concessão de Tutela Antecipada, pois todo processo tem um tempo razoável de conclusão. Tempo suficiente para que o magistrado possa analisar o pedido e em contrapartida as defesas e contestações da parte oposta. Há um período próprio, decorrente das diversas fases pelas quais passam o processo, seja ele de rito ordinário ou sumário.

Inicialmente, o instituto da Tutela Antecipatória deve ser analisado separadamente em seu conceito, verificando os casos e requisitos em que se pode aplicá-lo. No caso de concessão de Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública, deve-se analisar a especificidade dos procedimentos, amparados na legislação (Lei nº 6.830/80). Para isso, é necessário compreender o que é a Fazenda Pública e como se dá o processo quando esta for polo passivo em processos. Nota-se que se trata antes de tudo, de polos pertencentes a diferentes âmbitos: um privado e outro público e que, por conta disso, diferem a amplitude dos direitos abarcados.

De um lado, direitos individuais e de outro, direitos coletivos. Poder-se-á verificar posteriormente, que este é um dos argumentos utilizados pela corrente que defende a não concessão da antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, alegando-se que esta defende interesses coletivos, razão decorrente do Princípio da Supremacia do Interesse Público.

Busca-se, dessa forma, compreender em que casos, entendidos os requisitos, pode ser concedida a antecipação de tutela, analisando as diferentes correntes que defendem ou rejeitam a possibilidade jurídica do pedido de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública.

Tendo em vista as diversidades de opiniões defendidas pela doutrina e jurisprudência, o objetivo deste trabalho consiste em compreender as variadas posições adotadas. Para melhor entendimento, serão explicitadas primeiramente as noções acerca do instituto da Tutela Antecipada e posteriormente, sobre a Fazenda Pública, conceitos e legislação relacionada.

Finalmente, será explanada a possibilidade jurídica do pedido de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, assim como as divergências acerca do referido assunto, ou seja, os argumentos que defendem e os que refutam tal possibilidade.

Ademais, vale lembrar que por ser um assunto divergente, não se chega a um consenso, embora atualmente prevaleça o entendimento da doutrina e jurisprudência.

 

1. Noções em relação à Tutela Antecipada

Levando-se em consideração alguns fatores preponderantes, sabe-se que o processo é um meio pelo qual o Estado utiliza para promover a garantia de uma solução para os conflitos oriundos das relações entre os cidadãos. Para tanto, o Estado funda-se na Constituição Federal, mais precisamente no art. 5o, inciso XXXV, que dispõe o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, o qual afirma que o Estado não poderá afastar-se de possibilitar o acesso aos órgãos judiciais à população, já que este princípio envolve o direito a celeridade no processo. De acordo com Alexandre Câmara (2007, p. 48):

Passamos agora à análise do princípio consagrado no art. 5o, XXXV, da Constituição Federal. Segundo este dispositivo, “a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual, como a própria denominação indica, fica assegurado a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos o acesso aos órgãos judiciais, não podendo a lei vedar esse acesso.

O direito que todo cidadão possui a celeridade processual não corresponde com o que ocorre de fato na realidade. A morosidade processual é um dos grandes problemas envolvendo o Poder Judiciário, que devido à burocracia e ao elevado número de processos, fica impossibilitado de defender-se dos males ocasionados pelo decurso do tempo.

A fim de buscar a satisfação e a solução para os conflitos proporcionados pelo tempo de duração do processo criou-se a tutela antecipada, após a reforma processual que ocorreu em 1994, ou seja, surge uma tutela com caráter de urgência capaz de antecipar os efeitos da sentença e assim assegurar um direito (CÂMARA, p. 91/92, 2007).

Disposta na Lei no 8. 952/ 94 e presente nos artigos 461 e 461-A e 273 do Código de Processo Civil, a tutela antecipada possibilita o juiz julgar por meio da probabilidade da dimensão do possível dano, de acordo com as lições de Alexandre Câmara Freitas (p.91/92, 2007) afirma:

É de se notar que tal tutela jurisdicional, consistente em permitir a produção dos efeitos (ou, ao menos, de alguns deles), da sentença de procedência do pedido do autor desde o início do processo (ou, desde o momento em que o juiz tenha se convencido da probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante), exige alguns requisitos para sua concessão. Não basta estar presente a probabilidade de existência do direito alegado, fazendo-se necessário que haja uma situação capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação, ou que tenha ocorrido abuso do direito de defesa por parte do demandado (art. 273, I e II, CPC).

Comumente as prestações jurisdicionais são realizadas mediante procedimentos comuns, podendo ser um procedimento ordinário ou sumário. O procedimento ordinário, presente no artigo 273 do CPC, é utilizado com maior frequência, porém, por se tratar de um procedimento cujos efeitos só são gerados com o tempo, ou seja, é naturalmente longo, surge um problema nos casos em que a antecipação dos efeitos é fundamental.

Já o procedimento sumário, disposto no artigo 275 do CPC, é utilizado quando não existir previsão especial para o caso determinado e quando não for citada a capacidade das pessoas, sendo, portanto, mais rápida. Contudo, não possibilita a permissão da tutela satisfativa, ou seja, “aquela que visa certificar e/ou efetivar o direito material discutido” (DIDIER JR., p. 461).

Para tanto, pelo surgimento de conflitos eclode à tutela antecipada em forma sumária para que o magistrado permita a tutela definitiva satisfativa ou não, pautada na probabilidade, com isso o juiz se certifica do direito da parte que demanda (CÂMARA, p.92). A tutela antecipada possui caráter provisório e possui duas especificações preponderantes na análise do direito material do demandante, que consiste na precariedade, que permite que a tutela seja “revogada ou modificada a qualquer tempo” (DIDIER JR., p. 466), ou seja, possui caráter temporário e antecipatório.

É pertinente diferenciar tutela antecipada e tutela cautelar, que devida à natureza jurídica de ambas poderá gerar confusão. Como já foi dito acima, a tutela antecipada possui como função dar efetividade à tutela definitiva satisfativa ou não, sendo um procedimento sumário que poderá ser temporária ou perpétua, geralmente é de caráter de urgência, possui natureza satisfativa ou cautelar e tem como pressuposto a prova inequívoca da verossimilhança do direito. Tomando-se por base Marinoni (2009, p. 44/45):

A "antecipação total dos efeitos" da sentença condenatória nada mais é do que a antecipação do efeito executivo (ou melhor, a produção antecipada do efeito executivo) da sentença de condenação, que torna viável a antecipação da realização do direito afirmado pelo autor. A "antecipação total dos efeitos" da sentença condenatória consiste na antecipação da realização do direito que o autor pretende ver realizado.

 Já a tutela cautelar também tem como fator o tempo, porém ela é somente temporária, definitiva e possui natureza cautelar (sempre se conserva). Em todos os casos possui o caráter de urgência, possibilita a eficácia de um direito no futuro e é exauriente (DIDIER JR., p. 472).

Existem alguns pressupostos para que a tutela antecipada seja concedida. Tais requisitos estão presentes no art. 273, CPC, entre eles: os legitimados, a prova inequívoca da verossimilhança, a irreparação do dano, o abuso do direito de defesa do réu ou manifesto propósito protelatório e a tutela de parcela incontroversa. Para que ocorra a concessão da tutela, não necessariamente precisa de todos esses pressupostos ao mesmo tempo, pois não são cumulativos (Santos, 2010, p. 16).

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

  • Legitimados: A tutela deverá ser requerida pelo autor que planeja anteceder o direito, podendo também o réu requerer a antecipação de tutela. Segundo José Roberto Bedaque, o réu também poderá pedir quando em face da contestação ou em ação dúplice, ou seja, quando o réu puder formular pedido seguindo-se com as condições impostas (Santos, 2010, p.17,).
  • Prova inequívoca da verossimilhança dos argumentos: é prova suficiente que convença o juiz do direito do autor, envolve a persuasão do magistrado. Ela não necessariamente precisa ser absoluta, segundo Fredie Didier Jr., p.498, 2011 apud Carlos Augusto Assis, p. 144, 2001 “é pura e simplesmente prova com boa dose de credibilidade que forneça ao juiz elementos robusta para formar sua convicção (provisória)”.
  • Receio de dano irreparável ou de difícil reparação: é aquele dano que dificilmente poderá ser regredido, seja por uma impossibilidade patrimonial do réu ou mesmo pela própria natureza (MARINONI, p. 185/186). O dano poderá ser concreto, aquele que é real, atual, que pode acontecer a qualquer momento e grave, prejudicando dessa forma um direito.
  • Abuso do direito de defesa do réu ou manifesto propósito protelatório: esse abuso é determinado pelo juiz, que deve prestar atenção aos atos do réu. Caso o réu gere impedimentos para o prosseguimento do processo ou cause dificuldades para que o processo corra rapidamente pode ser considerado um abuso, já o manifesto propósito  protelatório diz “respeito ao comportamento do réu, protelatórios, adotados fora do processo (ex: simulação de doença, ocultação de prova etc.)” segundo Fredie Didier, p.509, 2011, apud Teori Albino Zavascki, p. 77, 1999.
  • Da tutela de parcela incontroversa: Segundo artigo 273, inciso 6o, CPC “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Isto é, quando não houver dúvidas quanto à veracidade da alegação e admissão por parte do polo passivo acerca dos motivos alegados.

2. Fazenda Pública: lei e conceito

Por Fazenda Pública engloba-se a União, os Estados, os Municípios e as autarquias, sendo para tanto, o sujeito passivo uma pessoa jurídica de direito público. Por definição descrita no dicionário, Fazenda Pública é designada como erário público ou fisco, o que corresponde ao tesouro público ou finanças públicas federais, dos Estados e dos Municípios. Devidamente regulamentada pela Lei nº 6.830/80, goza de prerrogativas próprias do poder público, uma vez que como tal, defende interesses coletivos.

Porém, a Fazenda Pública não necessariamente se limita a designação de pessoa jurídica de direito público, já que existem as autarquias que são destinadas a função administrativa somente (SANTOS, p. 26, 2010 apud MACHADO, p. 1.037/1938, 2007). De acordo com Mariana Santos, p. 26, 2010 apud Samuel Monteiro (p. 10, 1998):

(...) alcança e abrange as entidades públicas (autarquias, Estados, União Federal, Distrito Federal e Municípios), que arrecadam diretamente com autonomia administrativa e financeira própria, ou recebem tributos e contribuições criados por leis tributárias ou previdenciárias, observada a competência impositiva constante expressamente da própria Constituição Federal.

Existem algumas sociedades que embora sejam financiadas por recursos públicos não constituem e, portanto, não adquirem os privilégios da Fazenda Pública como é o caso do Banco do Brasil (sociedade mista) e a Caixa Econômica Federal (empresa pública), pois se tratam de pessoas públicas de direito privado. A Fazenda Pública goza de certos privilégios e é tratada, quando parte em uma ação judicial, de forma diferenciada, pois seu patrimônio pertence a todos os cidadãos e isso requer certos cuidados (SANTOS, p.27, 2010).

Essas regalias estão pautadas em dois princípios presentes no Direito Constitucional e no Direito Administrativo: são eles o Princípio da Supremacia do Interesse Público e no Princípio da Isonomia. Por Princípio da Supremacia do Interesse Público, entende-se que o interesse da coletividade deve estar acima dos interesses individuais de cada cidadão, ou seja, deve imperar a supremacia do interesse público já que o Poder Público é o responsável por assegurar o bem estar comum, portanto, ele deve estar por assim dizer “acima” do individual pelo interesse geral da população.

Esse é o posicionamento adotado pela Ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, que acredita que o princípio da supremacia do interesse público deve ser adotado, porém ressalva que deve ser em proveito do interesse coletivo e que caso venha a ser adotado por outros motivos não deverá ser válido.

Já o Princípio da Isonomia permite que todo cidadão tenha acesso ao Poder Judiciário e que seja tratado pela lei da mesma maneira que todos os outros cidadãos, de acordo com a Constituição Federal.

O acesso à justiça, bem como o devido processo legal é assegurado pela Constituição Federal, no art. 5o, inciso XXXV e pelo Código de Processo Civil, no artigo 125.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito

Art. 125 - O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento

O Princípio da Isonomia está intrinsicamente ligado à Fazenda Pública, já que a mesma possui regalias, o que poderia fazer crer que o princípio foi quebrado, porém a tese utilizada é que se deve tratar os iguais de maneira igual e os desiguais na medida de sua desigualdade. Já que existem fortes interesses envolvidos justificando para tanto as prerrogativas da Fazenda Pública, essa é a posição adotada pela Suprema Corte.

3. A possibilidade Jurídica do Pedido de Antecipação de Tutela contra a Fazenda Pública

De acordo com a Lei nº 9.494/97, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, em seu art. 1º prevê: “Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992”.

Entretanto, nas palavras de Santos (2010, p. 40), “o mencionado artigo foi motivo de Ação Declaratória de Constitucionalidade, ajuizada perante o STF de Relatoria do Ministro Sydney Sanches, vez que se estavam deferindo a tutela antecipada em desfavor do ente público sem a devida observância do art. 1º da Lei nº 9.494/1997”. Por esse motivo, existem controvérsias acerca da possibilidade jurídica do pedido de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Algumas correntes dizem ser possível, outras negam tal possibilidade.

Como afirma Luiz Guilherme Marinoni, nada impede a tutela antecipatória contra a Fazenda Pública uma vez que é permitido tal instituto contra agentes particulares. Porém, de acordo com a Lei 8.437/92, em seu artigo 1º, lê-se que “Não é cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”.  Por conta de tal dispositivo, há correntes doutrinárias que defendem a impossibilidade jurídica do pedido de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. De acordo com Marinoni (2004, p. 257):

Há quem diga, em virtude desta disposição legal, que é impossível a concessão de tutela antecipatória contra a Fazenda Pública. Outros tentam contornar o veto argumentando que o referido artigo não proíbe a tutela antecipatória em face do Poder Público, mas apenas veda a concessão de liminares, em ações cautelares ou preventivas, que esgotem, no todo ou em parte, o objeto do respectivo processo. Como a tutela antecipatória não se confunde com a tutela cautelar ou com a tutela preventiva, o artigo em discussão não proibiria a tutela antecipatória.

Entretanto, como não se pode confundir tutela cautelar com tutela antecipatória, pode-se entender que esta é sim permitida.

Outro argumento utilizado no sentido de defender a utilização do instituto da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública, é relativo ao direito previsto constitucionalmente no Art. 5º, XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal dispositivo defende o direito igualitário de acesso à justiça, mesmo que o polo passivo seja o próprio Estado.

Para Marinoni (2003, p. 272), “Dizer que não há direito à tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em caso de ‘fundado receio de dano’ é o mesmo que afirmar que o direito do cidadão pode ser lesado quando a Fazenda Pública é ré”.

Ora, se o poder público funciona no sentido de proteger o cidadão, quando os direitos deste são violados pelo poder público, fica bem claro, que o ofendido tem também o direito de acesso à defesa. Nesse sentido, o direito de defesa serve também para combater os abusos cometidos por parte do poder público como um todo. Do contrário, o cidadão ficaria inteiramente à mercê das condutas da esfera pública.

Além disso, sabe-se que a complexidade da estrutura do poder estatal juntamente com todas as suas prerrogativas, compromete a celeridade processual. Não é à toa que os prazos processuais relativos ao poder público são inteiramente diferenciados e que este goza de regalias próprias, privadas ao cidadão comum.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni (2003, p. 273), “Por outro lado, não admitir a tutela antecipatória fundada em abuso de direito de defesa contra a Fazenda Pública significa aceitara que a Fazenda pode abusar do seu direito de defesa e que o autor que demanda contra ela é obrigado a suportar, além da conta, o tempo de demora do processo”.

Ou seja, o indivíduo, como parte mais “fraca” do processo, sofreria todo o ônus da lide, enquanto o poder público, além de todas as prerrogativas que lhe são inerentes, poderia atuar livremente sobre os interesses individuais do cidadão.

Segundo Marinoni (2003, p. 273), “Não é preciso lembrar, porém, que a distribuição do tempo do processo é uma necessidade que decorre do princípio da isonomia e que o princípio constitucional da efetividade deve ser lido através da regra que estabelece que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão”. Tal afirmativa por parte do referido autor, refere-se à incontrovérsia do pedido, como requisito de concessão de tutela antecipada.

Ainda de acordo com Marinoni (2003, p. 273),

Outro argumento que poderia ser utilizado para impedir a tutela antecipatória contra a Fazenda vem do Art. 475 do Código de Processo Civil, que dispõe que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: i) proferia contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público; ii) que julgar procedente, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. Não parece se adequado o argumento que lembra que o art. 475 fala em sentença e não em decisão e que, portanto, é apenas a sentença que não pode produzir efeitos antes de confirmada pelo tribunal. Tal linha de raciocínio levaria à conclusão, absolutamente absurda, de que o art. 475 poderia impedir – em um sistema que tivesse como regra a execução imediata da sentença – a execução imediata contra a Fazenda Pública, mas não a tutela antecipatória.

Dentre a corrente contrária, Carreira Alvim (apud Freitas, 2008, p. ?), “sustenta que não admitir a antecipação da tutela, por conta do duplo grau obrigatório, nas causas contra a Fazenda Pública, obrigaria também a não admiti-la, pelo mesmo motivo, nas causas contra os particulares em que houvesse recurso voluntário recebido nos dois efeitos”.

Antônio Cláudio da Costa Machado (apud Freitas, 2008, p. ?), sustenta que o duplo grau de jurisdição obrigatório para as sentenças, contrárias ao interesse público não é barreira à emissão de decisões interlocutórias contra o Estado, mas apenas garantia de que, havendo uma sentença desfavorável a ele, esta será necessariamente reapreciada por um tribunal”.

Isso pressupõe que mesmo em processos onde o poder público é polo passivo, há direito por parte do particular, de reclamar suas razões, mesmo que a sentença tenha que ser apreciada novamente por um tribunal. Nas palavras de Santos (2010, p. 54),

Contrapondo-se aos posicionamentos desfavoráveis sobre a antecipação de tutela contra o Estado, a doutrina e a jurisprudência majoritária são pacíficas pela concessão, pois o juiz quando a concede faz por meio de decisão interlocutória não estando sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, somente as sentenças. A existência do reexame necessário não seria suficiente para impedir a medida antecipatória.

Dessa forma, a partir do que foi explanado acima, pode-se perceber a controvérsia do tema acerca da possibilidade ou não da concessão da tutela antecipatória em face da Fazenda Pública e por conta dessa característica. Nota-se que a controvérsia surge a partir de fontes diversas, como a legislação, o entendimento doutrinário e as decisões da jurisdição.

O instituto da Tutela Antecipada por si só, já merece atenção especial nos procedimentos processuais, pois para sua concessão, como visto acima, há casos específicos e requisitos mínimos. Quando se agrega tal instituto à problemática processual entre agentes privados e públicos, como o descrito neste trabalho, redobra-se a atenção, pois são muitas as regras para a concessão desse instituto nesse caso. A variedade de fontes sobre o assunto é outro ponto que vem deflagrar que é necessário aprofundar o entendimento para se ter uma opinião concreta sobre o assunto, visualizando-se a compreensão do instituto dentro do conjunto normativo brasileiro.

Considerações Finais

De acordo com o exposto, pode-se concluir que o instituto de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública merece uma atenção especial por se tratar de matéria específica dentro da teoria do Processo de Conhecimento. É importante que se possa compreender como se estabelecem as relações processuais entre público e privado, os interesses envolvidos e as diferenças entre os direitos tutelados pelo Estado.

Outro ponto explorado corresponde à antecipação da tutela que, como já foi dito, possibilita a antecipação dos efeitos da sentença para que se possa fazer uso do direito material. Com um número crescente de processos e consequentemente de lides, o tempo pode ser precioso, porém a existência de uma burocratização muitas vezes impossibilita a resolução rápida dos conflitos, daí surge a tutela antecipada, a fim de diminuir a morosidade processual, acelerar de forma imediata os processos e mais precisamente, de garantir os direitos requeridos pelo autor.

Em relação à Fazenda Pública como sujeito passivo, como já foi mencionado, envolve os Estados, Municípios e as autarquias. Capaz de garantir privilégios em decorrência dos interesses coletivos que se sobrepõem aos interesses individuais da população e sem ferir os princípios constitucionais e administrativos, da supremacia do interesse público e a isonomia.

Portanto, pode-se perceber a partir do que foi explanado neste trabalho, que o pedido de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública é um assunto controverso, mas que apresenta vertentes que defendem motivos pertinentes, embora se tenha chegado a um consenso.

Contudo, a temática pode ser concebida como um tópico importantíssimo da teoria do Processo Civil, uma vez que para seu entendimento, há uma demanda de um conhecimento mais aprofundado a respeito dos tópicos legais específicos, os tipos de tutela, suas diferenças, conceitos acerca do poder público, das relações entre agentes públicos e privados, além das decisões jurisprudenciais e doutrinárias a esse respeito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/11_348.pdf > Acesso em 20 de maio de 2013.

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[1] Paper apresentado à Disciplina Processo de Conhecimento, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 4º Período, do Curso de Direito (Vespertino), da UNDB.

[3] Aluna do 4º Período, do Curso de Direito (Vespertino), da UNDB.

[4] Professor Especialista, orientador.