INTRODUÇÃO
Partindo dos estudos de crítica literária, sabe-se que a crítica determinista explica a obra, e explica-a por meio do estudo das circunstâncias que atravessam a sua produção, podendo fixar-se no homem que a criou, nos agentes externos (meio físico e social), ou mesmo no momento histórico no qual a obra nasce (BONET, 1969: 158).
Pode-se dizer também que todo crítico determinista utiliza-se da valoração da obra, no sentido de ajuizar se uma obra é válida ou não, explicitando, é claro, seus motivos ao julgá-la. Para isso, é necessário que, enquanto críticos e/ou analistas literários, nos coloquemos no ponto de vista do autor. É necessário, como podemos ver já no ?prefácio? de Hugo, que passemos a "olhar o assunto com seus olhos".
Para que se enxergue um escritor, de prosa ou poesia, à luz de sua própria estética, é preciso que se faça, antes, um exame minucioso dos elementos que compõem sua obra. Neste caso específico deste artigo, é necessário que se examine a poética de Jurandir Bezerra, para, então, partir para a análise de um de seus poemas.
Em seu livro Os limites do pássaro, Jurandir Bezerra nos apresenta sua experimentação verbal, diversificação de temas, variedade de assuntos e inúmeras possibilidades de significação através de sua linguagem simples sem ser simplista. E é linguagem e poética que serão expostas neste artigo, através da apresentação de sua obra, restringindo, ao final, na análise de seu poema Encantamento, e assim, segundo Bonet (1969: 163): "Classificada a obra, embutida em seu fórnice, sabemos a que família estética pertence, a que espécie, e quais são as idéias do autor sobre arte. (...)".

APRESENTAÇÃO DO AUTOR
José Jurandyr de Araújo Bezerra, nascido a 13 de março de 1928, é poeta, jornalista e professor de português. Aos 18 anos, ingressou na Academia Paraense de Letras - sendo recebido em sua posse por Luiz Teixeira Gomes (Jaques Flores) -, onde exerceu funções de segundo e primeiro secretário e de bibliotecário. Foi o responsável cultural pela Casa do Pará, no Rio. Posteriormente, ingressou também na Academia de Letras do Brasil, no Rio de Janeiro, cidade onde reside há alguns anos.
Enquanto poeta, conquistou vários prêmios que revelam seu talento: em 1958 foi o 3º lugar em concurso promovido pela revista Leitura (Rio de Janeiro), com seu poema Pastorela Quase Cantiga; em 1984, 2º lugar no 1º Concurso Nacional de Poesia de Uberlândia (MG), dessa vez com o poema Criação do Mito; em 1986, ganha o Prêmio Nacional "Guararapes" a livro inédito de poesia, promovido pela UBE (Rio) e Prefeitura de Jaboatão, com seu livro Os Limites do Pássaro.
Já enquanto jornalista, Jurandyr Bezerra atuou de 1947 a 1961 na Folha do Norte e Folha Vespertina, e como professor de português, trabalhou em cursos ginasiais em Belém do Pará. Aposentou-se em 1984, e em 1961 transferiu-se para o Rio de Janeiro, convidado a exercer função de confiança no Ministério da Saúde na gestão de Jânio Quadros, não voltando mais ao Pará desde então.
Pertenceu também, junto com Alonso Rocha, Benedito Nunes, Leonam Cruz, dentre outros, à Academia dos Novos. É delegado da APL junto à federação das Academias de Letras do Brasil. Participa da Antalogia da Cultura Amazônica, de Carlos Rocque, Antalogia da Academia Paraense de Letras ? Poesia e Prosa, da Introdução à Literatura no Pará, de Clóvis Meira, Acyr Castro e José Ildone, e d?A Lira na Minha Terra, de Clóvis Meira.
Depois de algum tempo, Jurandyr Bezerra mudou a grafia de seu nome, retirando o y original, passando a assinar Jurandir Bezerra.

A POÉTICA DE JURANDIR BEZERRA
O romantismo, enquanto estilo, foi caracterizado como o conflito entre o eu e o mundo, o indivíduo e o Estado, proporcionando o surgimento de um individualismo em grau e profundidade nunca antes vistos no Ocidente. O sujeito encontra-se em conflito com o seu tempo e com a sua História. Os sentimentos humanos característicos desse período são, entre outros, uma extrema emotividade, o pessimismo, a melancolia e a valorização da morte. Segundo Citelli (1993), algumas palavras que conduzem o texto romântico são: sonho, impressão, resignação, pressentimentos, obscuro e vagamente. Para Citelli, são "expressões que vão relacionando o eu com o mundo a partir de uma perspectiva afirmadora das sensações, em oposição àquilo que poderíamos chamar de ?realidade objetiva?", pois para o sujeito romântico, pouco importam as circunstâncias mundanas, justamente porque a indagação racionalista e o labor satisfazem apenas as necessidades imediatas desse sujeito.
Ao contrário do poeta romântico, o poeta moderno, e aqui encaixo Jurandir Bezerra, não acredita na poesia apenas como uma expressão do eu. Segundo Caras (1986), "o poeta moderno se vê projetado no mundo exterior , sabendo que desse mundo poderá fazer apenas uma tradução parcial", ou seja, o poeta deixa de lado todo o sentimentalismo exacerbado do romântico, detendo-se apenas aos fatos concretos e passageiros da realidade. A esse respeito, o poeta Baudelaire (1996) escreveu "a modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável". Para o mesmo poeta, a modernidade tem a capacidade de "extrair o eterno do transitório". O novo poeta, de público e função incertos, recupera na História algo que lhe faça sentido. Para isso, Jurandir Bezerra busca na linguagem fragmentada e alegórica um modo de dialogar com a tradição, revelando uma exatidão de conteúdos que se unem a uma preeminência de forma. Abandona, para tanto, regras e modelos, permitindo a expansão do novo fenômeno.
Ao contrário do poeta parnasiano, que se preocupava mais com a forma do que com o dizer, o poeta moderno despreza qualquer tipo de cuidado excessivo com a métrica e com as palavras. Não que não haja uma escolha no que se vá dizer, mas essa escolha é motivada pela força de expressão do significante, e não apenas pelo valor estético que o léxico trará ao poema. Para isso, Jurandir Bezerra não recorre ao precioso vocabular de sucesso imediato. Sua linguagem é rígida. Suas palavras se juntam num ritmo seguro:
(...) Eu disse à árvore
Enquanto não
amadurecem
Os frutos,
Dá-me a sombra (...)
(poemas convergentes)

Nossa origem é um naufrágio.
Todo náufrago é habitante
da névoa e da distância.
(...)
Terás definitivamente
a forma que quiseres
mulher ou arco-íris (...)
(Criação do mito)

Embora o sujeito poético sempre pareça ser uma representação do próprio poeta, este eu não se refere a uma pessoa particular, mas a um sentimento experimentado por todos que vivenciavam o mesmo momento. É inútil, portanto, buscar na biografia do autor alguma "explicação" para o que foi escrito.
Para Caras, que muito escreveu sobre o lirismo moderno, "o sujeito lírico moderno é aquele que, a partir do Simbolismo, toma consciência de que o espaço da poesia não é nem o espaço da realidade, nem o espaço do eu." Na poesia de Jurandir Bezerra, esse sujeito revela-se:
Eu morava em teu reino e era teu pajem.
Comia flores. E teu mar bebia.
Entendia-te os gestos e a linguagem
E te amava, Senhor, e não sabia.

Tinha asas, e por asas, um dia,
Buscando um lírio que encontrei na aragem,
Minhas asas quebraram-se, na viagem,
E quando eu quis voltar, não mais podia.

Tropecei. E a manhã era tão clara.
Não te ouvi. E falaste-me tão perto.
Bebi teu sangue. E não reconheci

A tua face que antes adorara.
E o aroma do teu céu que estava aberto
Como este céu sem Deus onde caí.
(A queda)

E para tanto, utiliza-se, Jurandir Bezerra, do poder da estrutura sintática e semântica da linguagem, produzindo metáforas que geram novos sentidos. Para Massaud Moisés, as constantes conotativas encerram a permanência de certos padrões de comportamento perante a realidade, de certos modos de ver o mundo, de certos valores, de certas soluções para os problemas humanos, de certas idéias fixas, de certos moldes mentais a que damos o nome de forças-motrizes. (MOISÈS, 2008, p.38)
É possível também notar a presença da natureza, como elemento representativo de sentimentos, apresentando importância fundamental para sua poética, deixando de ser, assim, mera imagem cotidiana do mundo:
Criei um mundo igual ao teu, melhor que o teu, para meus gestos,
E para que o mar e os lírios se entendessem
E falassem de pétalas e peixes,
Como se falassem de amor.
(...)
O teu céu era azul, exaustivamente azul,
Teu mar em horas certas me chamava.
E não pude plantar sequer um grão de trigo nos teus campos.
As pedras de teu mundo eram inúteis,
Como longos e incertos teus caminhos.
(Poema de um mundo estranho)

Pode-se dizer que a avaliação da palavra poética de Jurandir Bezerra chama a atenção para um fecundar o verso diferenciado, que contem não apenas emoção, mas também pensamento discursivo.
As moléculas
da água do mar
contêm tua nudez
e os desígnios da chama
e o ouro invisível
que flutua
nas divididas conchas.
Uma gota de sal
Agônica
desprende-se do oceano
e abraça
a quilha do salgueiro
de teu corpo.
Aleluia!

Jurandir Bezerra nos apresenta então, principalmente com a publicação de "Os limites do pássaro", uma visão do universo que, ao mesmo tempo em que se fixa nos objetos, nas coisas, fixa-se também em tudo o que tenha em si a concretude do que existe.

ANÁLISE DO POEMA ENCANTAMENTO
Os pássaros entenderam
Tua mensagem
Como pássaros.
E vieram dizer-me que eras sempre.
Abri os olhos como se houvesse
Noite e não destroços.
Já não estavas mais
Nem andorinha
Nem relva
Nem pedra (preciosa)
Havias amanhecido.


Neste poema, o sujeito poético mostra um estado sublime de compreensão acerca do que seria a morte de alguém próximo, alguém que foi embora (já não estavas mais), mas não com o fim do corpo e da alma, da carne e do espírito, mas sim tornando-se um ser encantado, aquele que viveria para sempre.
Em Encantamento, o eu-lírico apresenta a pessoa como estando agora em estado intermediário entre o céu e a terra, como personificação do imaterial, sobretudo da alma, uma espécie de imortalidade, e essa significação se dá, inicialmente, pela imagem dos pássaros:
Os pássaros entenderam
Tua mensagem
Como pássaros.

Onde os próprios pássaros, enquanto sua natureza intermediária, sempre associados ao céu, compreendem a mensagem, o que ocorrera de fato com aquela pessoa que já não estava mais presente na vida do eu-lírico.
A compreensão desse sujeito poético se dá a partir da compreensão dos pássaros, quando abre os olhos e percebe que, em vez de destroços e destruição, há, na verdade, a noite, esta que, no Dicionário de Simbolos, organizado por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, representa o tempo das gestações, germinações, conspirações que vão desabrochar em pleno dia como manifestação da vida:
Abri os olhos como se houvesse
Noite e não destroços.

E essas conspirações e germinações de fato ocorrem, dentro do poema, ao raiar do novo dia. A pessoa sobre quem o eu poético compreende o destino e que ?já não estava mais?, tornara-se manhã. Manhã esta que, de acordo com o Dicionário de Simbolos, é o momento e o lugar onde nada ainda está corrompido, pervertido ou comprometido. É a pureza e promessa, confiança em si, nos outros e na existência.
Neste momento, a pessoa já não era mais também andorinha, símbolo do eterno retorno, nem relva ou pedra
Já não estavas mais
Nem andorinha
Nem relva
Nem pedra (preciosa)

E é então quando o eu poético sentencia a sua certeza sobre o fim e, ao mesmo, a eternidade daquela pessoa:
Havias amanhecido.

Revelando, então, o encantamento, a imortalidade, dela.

Quanto ao que concerne à metaforização das idéias do texto Massaud Moisés nos diz:

"Se a característica específica da poesia reside antes na visão própria que oferece a realidade do que no fato de ser expressa em versos, sua análise há de implicar, sobretudo e em última instância, essa concepção de mundo (...). Refiro-me ao seguinte: sabemos que poesia se identifica como a expressão do ?eu? por meio de linguagem conotativa ou de metáforas polivalentes." (MOISÉS, 1996: 41)

Neste poema, pode-se dizer que há a presença de mais de uma palavra-chave a sustentar a metáfora e poesia do texto. Jurandir inicia seu texto referindo-se aos pássaros, que, como posto anteriormente, surge no poema para representar a imortalidade e personificação da alma, idéias estas sempre corroboradas durante todo o texto, através de outras metáforas secundárias, como noite e andorinha, que sempre construirão e sustentarão o clima de eternidade das coisas e a idéia de encantamento do ser, idéia esta presente já desde o título do poema.
Dessa forma, Jurandir Bezerra nos mostra, com louvor neste poema, a concepção de lirismo defendida por Koshiyama (1996: 93):
Finalmente, compreende-se o lirismo como emoção, como pungência, mas, ao mesmo tempo, como um caminho em que se resgata a memória de uma unidade. Saber-se vivo - lembra o poeta japonês do século XVII Matsuo Bashô, mestre na vida e na arte da poesia - é sentir que estamos a caminho, em viagem. Extrema afirmação de madureza e do canto necessário. Ao identificar a experiência humana, o lirismo e a .libertação, Manuel Bandeira deu nome à poesia, resgate e sinal nosso, vivo. Deu nome à poesia em si mesma. Lirismo, libertação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É interessante saber que um poeta que, até então, eu desconhecia, já era conhecido por outros nomes renomados de nossa Literatura Brasileira, tendo escrito poemas cheios de lirismo e construído o que podemos, sim, chamar de poesia, seja ela local ou nacional, ou mesmo universal, que seja. Seja o que for, pode ser chamada de Poesia. Tendo lido a obra de Jurandir Bezerra para escrever este breve artigo, pude buscar a procura daquilo que fez Fagundes de Menezes ao apresentar-nos ?Os limites do pássaro?: o mais profundo do que um poema pode conter. Embora saiba que muito há ainda para mergulhar quando se trata de um poeta como Jurandir Bezerra, e esta missão eu desejo compartilhar com vocês que, talvez, também leiam sobre este poeta a partir deste estudo.

REFERÊNCIAS
BEZERRA, José Jurandyr de Araújo Bezerra. Os limites do pássaro. Belém, CEJUP, 1993
BONET, Carmelo M. Crítica Literária. São Paulo: Mestre JOU, 1969.
CARAS, Salete de Almeida. O lirismo Moderno. In: _______. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1986, p. 40-54.
CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1993.
KOSHIYAMA, Jorge. O lirismo em si mesmo: leitura de "poética" de Manuel Bandeira. In: BOSI, Alfredo (org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
MOISÉS, Massaud. A análise literária. São Paulo: Cultrix, 1996.
Poesia do Grão Pará. Organização, seleção e apresentação de Olga Savary. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 2001.