A ANÁLISE DAS CORRENTES PENSANTES SOBRE O ATRIBUTO EPISTEMOLÓGICO DO DIREITO E O CONFRONTO DE SUAS IDÉIAS

Everton Pereira Aguiar Araújo

Lidiane Sousa Araújo Aguiar  

RESUMO: A teoria dogmática que propõe uma teoria pura do Direito, construtora de conceitos jurídicos universais, desvinculados de quaisquer aspectos temporais, espaciais, históricos, religiosos etc., preconizada por Ihering e Hans Kelsen;  a teoria Zetética que se desenvolveu a partir de Theodor Viehweg, para quem a pesquisa científica do Direito deveria problematizar seus conceitos, comparando-os aos fatos, valores, fins, tradições etc; a Teoria Crítica prega que o estudo do Direito deve ser visualizado como meio de mutação social, buscando enfrentar as ideologias opressoras e exploradoras das classes mais humildes. A vertente crítica parte do pressuposto de que o Direito é um meio de opressão das classes burguesas e que aos operadores do Direito cabe procurar a justiça sem cessar, através da interpretação das fontes formais.

PALAVRAS-CHAVE: Ceticismo. Positivismo. Formalismo. Zetética. Crítica.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa à análise do atributo científico do direto e dos aspectos e caracteres presentes nos prismas das diversas correntes a respeito do ideal de direito para cada uma, além de um confronto entre elas. Busca também, os elementos para a definição ou refutação de seu caráter epistemológico, apresentando principalmente as linhas de pensamento da Teoria Dogmática e suas argumentações, passando pela exposição da Teoria Zetética e por fim a Teoria Crítica do Direito, com análises fundamentadas para a elucidação do caráter científico do Direito.

Os objetivos da pesquisa direcionam-se para elucidação do caráter epistemológico do Direito através do confronto de argumentos dos grandes juristas e filósofos; juntamente com as observações de tais idéias relacionadas com as realidades sociais, passada e atual, com o intuito de determinar os elementos e os métodos que qualificam o direito como ciência.

2 DESENVOLVIMENTO

A classificação das ciências, as teorias do direito sobre o aspecto cientifico e o confronto de seus elementos.

2.1 CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS

O homem em sua característica mais peculiar – ser racional - e como o criador e o habitante do mundo da cultura, desenvolveu-se cientificamente e dividiu seus campos de estudo em Ciências da Natureza e do Espírito para melhor entender os objetos que lhe apresentavam.  Colocou como aquela que parte de seu ser como Ciência do Espírito, dividindo esta em duas: a que cria sua atmosfera mais íntima – ciência do espírito subjetivo -; e aquela que surgiu das relações entre os seres humanos; originadas pela interação destes animais gregários não considerando ele em si, mas seus produtos culturais – as ciências do espírito objetivo. Já as Ciências Naturais são as que descrevem os fenômenos e em conseqüência as leis da Natureza. (SGARBI, 2006)

O Direito resultou das interações humanas e da necessidade de tornar estas melhores e harmoniosas para que o todo - ou a maioria - possa viver em paz, ao contrário das Eras Clássica e Medieval que o poder partia do mais forte, aquele com poder de tomar para si tudo aquilo que sua vontade bem quisesse, e a este não haveria conseqüências, no mais, somente caso surgisse alguém com mais força que o primeiro, no entanto continuaria sendo o mais forte a determinar tudo pela sua vontade. (SGARBI, 2006)

2.2 A TEORIA DOGMÁTICA

O Tratadista Hans Kelsen, influenciado pelo jurista alemão Rudolf Von Ihering, propõe uma teoria pura do Direito, construtora de conceitos jurídicos universais, desvinculados de quaisquer aspectos temporais, espaciais, históricos, religiosos etc., com o objetivo fazer prevalecer o respeito ao direito como ciência pura, onde todos os elementos sociológicos ou dados da realidade social devem ser estudados pela sociologia, o mesmo ocorre com as considerações sobre valores, como a justiça, o bem comum, a segurança jurídica, entre muitos outros que são objetos da filosofia. A concepção kelseniana ou formalista trata o Direito com fruto de uma convenção humana – ou formalismo -; no qual o objeto do cientista jurídico é compreender as estruturas e as características do ordenamento jurídico, juntamente com seu funcionamento, mas não criar ou prescrever normas – tarefa do Estado através do Poder Legiferante. (REALE, 2005)

Kelsen vê o sistema jurídico fechado, no qual as normas jurídicas não são preceitos isolados, mas comandos harmônicos e válidos, tendo o ordenamento jurídico dentro de si os elementos bastantes para solucionar qualquer conflito jurídico posto ao seu crivo. Ademais, o aplicador deverá utilizar-se tão somente dos elementos presentes no ordenamento jurídico. Toda interpretação parte de dentro deste, não possuindo o aplicador qualquer juízo de valor que não seja aquele determinado pelo ordenamento para o exame. (REALE, 2005)

A teoria pura do Direito pertence à corrente de pensamento jus positivista ou "normativo-formalista" seu objetivo é estabelecer o Direito como uma ciência autônoma, independente de outras áreas do conhecimento mediante a definição de seu objeto de estudo a norma jurídica independentemente da consideração de seu conteúdo ou finalidade, distinguindo o direito da moral, justiça e demais ciências, como a sociologia jurídica. A teoria pura possui dois grandes ramos. (REALE, 2005)

2.2.1 Estática Jurídica

Estuda os conceitos e normas jurídicas em seu significado específico, analisando institutos e a estrutura das normas buscando definir conceitos como direito, dever, pessoa física, pessoa jurídica, obrigação, permissão, etc. (REALE, 2005)

2.2.2 Dinâmica Jurídica

            A dinâmica jurídica preocupa-se com as relações hierárquicas entre as normas (pirâmide normativa ou pirâmide de Kelsen) e a conseqüente criação de novas normas, compatíveis com as precedentes, estuda, enfim, as formas de transformação de uma determinada ordem jurídica. (REALE, 2005)

2.2.3 Efeitos provocados pela Teoria Pura do Direito

A Teoria Pura do direito de Hans Kelsen chegou a várias conclusões inusitadas que, hoje, são aceitas por muitos juristas, tais como a identidade entre Estado e Direito, a redução da pessoa física à pessoa jurídica, a redução do direito subjetivo a direito objetivo e da autorização ao dever e a negação do caráter de Direito Internacional ao chamado Direito Internacional Privado. (REALE, 2005)

2.3 TEORIA ZETÉTICA

Larenz, difere da posição cética de Kirchman e da posição formalista, e diz que o Direito é uma ciência, não simples tecnologia, de modo que possui métodos que visam conhecimento racional comprovável, embora não possa alcançar a exatidão da matemática e das ciências naturais . A posição que nega a cientificidade do direito comete erros: faz exame do modelo da ciência à matemática e às ciências naturais, e dela considera que todo o conhecimento científico é saber do general e do conhecimento por causas. (VIEHWEG, 1953)

A vertente Zetética vai além das fontes formais, problematizando-as, procurando identificar suas origens sociais, históricas, políticas etc. para contextualizar o Direito de cada época e lugar. Tal corrente foi preconizada pelo alemão Theodor Viehweg. (VIEHWEG, 1953)

Tais argumentos da Teoria Zetética permitem indagar, questionar, duvidar. A zetética analítica possibilitará que a aprendizagem seja profunda e comprometida, tratando os dogmas como meros pontos de partida. Pressupõe o ensino competente de Filosofia do Direito, Lógica, Metodologia Jurídica, Teoria Geral do Direito, Hermenêutica, Teoria da Argumentação. A postura da Zetética oferece ao futuro operador do Direito a capacidade de Pensar. (VIEHWEG, 1953)

Pensar é um processo mental superior, que requer aperfeiçoamento. É preciso que o ser humano tenha consciência das operações de pensamento, e que se empenhe para realizá-las com competência. As principais são: comparação, síntese, observação, ilação, imaginação, crítica, decisão, interpretação, intelecção, aplicação de fatos e princípios a novas ocorrências; planejamento, projetos e pesquisas. Pensar é julgar, concluir, decidir; aceitar como opinião estabelecida, acreditar. É refletir; raciocinar; intencionar; planejar. Para Hannah Arendt pensar, querer e julgar são as três atividades mentais elementares, cuja análise permitirá compreender a existência racional. Estes são elementos que parte de uma análise Zetética da Ciência Jurídica em oposição à dogmática jurídica. Por uma análise daquela é inegável o atributo epistemológico do Direito, que como uma das Ciências do Mundo Cultural, apesar de possuir características inclinadas para o subjetivismo não perde sua essência cientifica, haja vista a complexidade de seu objeto, ao contrário das ciências naturais que trabalham com mais exatidão, por descrever fatos e não regular fatos, no entanto o Direito encarrega-se de descrever prescrições e não de impor, o homem pode entender que não precisar acolhê-las, no entanto como aquele que desobedece a uma lei Natural acreditando que poder voar e pula de um prédio e a lei da gravidade trata de mostrar sua sanção pela sua inobservância, acontecerá o mesmo com aquele que não atender a lei Normativa, também terá sua sanção pela sua inobservância. (VIEHWEG, 1953)

2.4 TEORIA CRÍTICA

A teoria crítica irá salientar a filosofia axiológica e o culturalismo em oposição a esse rompimento total do direito e da moral do positivismo. Dotadas de atributos gerais para o positivismo, mostrando que são a expressão da vontade geral, garantindo a igualdade e a liberdade. Em contraposição ao monismo jurídico, a teoria crítica abarca o pluralismo, consoante o qual todo grupo de alguma consistência está habilitado a elaborar normas, mesmo que eventualmente sejam mais que normas regulamentares, consistindo em verdadeiras normas jurídicas. Um dos visionários na admissão do pluralismo jurídico foi Eugen Ehrlich, que conhecida à existência de uma diversidade de origens produtoras do direito. Coelho critica a unicidade legal, porque acredita que nem todo o direito encontra-se presente na lei, expondo que massas de trabalhadores, essencialmente no terceiro mundo, à margem da lei de seus Estados, pelejam no campo jurídico-político pela institucionalização de seus direitos de pessoa e de cidadão. (COELHO, 2003)

À vontade da lei é o espaço da dominação impessoal e neutra, em que há a noção de ordem, cuja manifestação se dá racionalmente por meio do sistema lógico-formal. Coelho põe que o princípio da racionalidade jurídica apresenta três corolários: como racionalidade normativa, como racionalidade ordenamental ou sistemática e como racionalidade de decisão. A primeira trata da norma jurídica como racional em si; a segunda é referente ao conjunto de normas que se articulam internamente de forma racional, originando um sistema; a racionalidade de decisão, por sua vez, leva a imagem ideológica das decisões judiciais como racionais e, portanto, neutras perante as partes envolvidas na lide. Coelho não aceita a racionalidade positivista, pois comprova que há lacunas fáticas de toda a natureza do controle social, mesmo das naturezas jurídicas, como, por exemplo, a falta de eficácia das leis que, representando conquistas dos dominados; não mais se aplicaram se ferirem interesses das classes dominantes. (COELHO, 2003)

Coelho enfatiza que o papel da teoria crítica é afetar não apenas a teoria geral do direito, como também as disciplinas voltadas ao social para que seja suprido o vazio do direito popular na lei do Estado. A teoria crítica é, na visão do autor (adepto da dialética da participação), uma forma de alcançar a libertação. (COELHO, 2003)

3 CONCLUSÃO

Este trabalho pretendeu apresentar a visão epistemológica do direito sob os prismas das diversas correntes: formalistas, zetéticos e críticos. Logo, o direito é ciência, possuindo métodos próprios e atributos peculiares como qualquer outra ciência da natureza ou do espírito.

Posteriormente, foi constatado que o direito modifica-se de acordo com a evolução da sociedade ao qual está inserido, desde a formal até a crítica.Por um lado, a concepção dogmática do direito transmiteuma teoria fechada, onde não é passível de contestação, partindo de dogmas (verdades incontestáveis), e por outro lado,aconcepção zetéticalhe é sonegada como possibilidade de indagar, investigar, duvidar.

Constatou-se que esta posição mais diferenciadanão é trabalhada com o estudante de direito,e a conseqüência disso é uma imensa incoerênciadas vagas idéias introduzidas comrepetição de idéias acabadas e prontas, transmitidas pelos educadores, estando ausente qualquer aspecto de interdisciplinaridadeimpossibilitando, portanto,uma articulação em uma visãoconjunta e coerente do fenômeno jurídico.

Existe também, umasuperagregação do conhecimento teórico, em prejuízo às atividadespráticas,ocasiona em certas limitações do aluno, como a incapacidade de inter-relacionar conhecimentos e situações, tendo como resultado a dificuldade de aplicação em casos concretos da vida. Certas abstrações podem ficar obscuras, tendendo o aluno a mesclar teorias, formando uma posição eclética e inconsistente.

Ressalta-se também, a defasagem do conhecimento teórico ensinado no país ao longo de dois séculos. Portanto, a "Ciência" do Direito evolui vagarosamente e sem muita vontade.Tem como base os moldes do exterior,importados acriticamente, e,por questão de acomodação,mantido o conjunto de teorias dogmáticas.Em relação aos juristas que pretendem ser juízes, adefasagem entre o ensino que oferecem e o ensino que se faz necessário,se mostra mais lamentável. Seu principal dever será julgar, tarefa mental superior, não-inata. É indispensável saber raciocinar, desenvolver todas as capacidades e fazer uso da inteligência como poder.

A concepção crítica do direito que existe como alternativa à corrente positivistanão deve se restringir a teorizar, ou criticar o direito posto, mas deve ir atrás deum direito que na práticacorresponda ao que no âmbito social, se pleiteie.

O direito não é uma ferramenta do juristapara colocar-se em eruditismo, é o escudo e a garantia que o povo possui para se proteger da dominação da burguesia epara se defender do ditatorialismo da sociedade.Se existem situações em que o direito se constitui arma de dominação das classes burguesas, é nesse mesmo direito que os menos favorecidos devem se apoiar para a libertação da opressão. Isso éprimordial no direito que se pretende galgar:a crença e a busca verdadeira do direito emancipatório. Pode parecer utopia para muitos juristas queacreditam que o direito não tem toda essa força, porém, se nem existir a busca pela emancipação, será impossível chegar a sua concretização.

REFERÊNCIAS

COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. Curitiba: Del Rey, 2003

IHERING, Rudolf Von. Der Zweck im Recht.1883. Disponível em: <http://www.britannica.com/eb/topic-332804/Law-as-a-Means-to-an-End>. Acesso em: 30 out. 2007.

LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. Heidelberg: Springer, 1960.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. 5ª tiragem. Saraiva,  2005.

SGARBI, Adrian. Hans Kelsen: Ensaios Introdutórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

VALDEZ, Mario Alzadora. Introducción a la Ciencia del Derecho. 8 ed. Lima: Palestra Editores, 1982.

VASQUEZ, Aníbal Torres. Introducción al Derecho. Teoria General Del Derecho. Lima:

Palestra Editores, 1999.

VIEHWEG, Theodor. Topik und Jurisprudenz. 1953. Disponível em:

<www http://topik.iz-berlin.de/index.php?option=com_content&task=view&id=54&Itemid=86>.  Acesso em: 30 out. 2007.

Também chamadas de ciências humanas.

Significa doutrinar, ensinar (dokein)

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Saraiva. 27 ed. 5ª tiragem, 2005.

SGARBI, Adrian. Hans Kelsen: Ensaios Introdutórios, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft, Heidelberg 1960

KIRCHMAN, J. V. Die Werthiosgkeitder jurisprudenz ais wissencgatf. 1847

VIEHWEG, Theodor. Topik und Jurisprudenz. 1953

Significa perquirir (zetein)

ARENDT, Hannah. A condição humana. 1958

Ehrlich pertenceu à Escola Livre do Direito, tendo sido sua grande contribuição o embasamento sociológico às idéias centrais da Escola, vislumbrando a existência de um Direito da sociedade, independente do Direito legislado. O Direito da sociedade era constituído por suas instituições básicas (matrimônio, família, posse, contrato, sucessão), que eram anteriores a toda e qualquer função legislativa. Assim, este Direito da sociedade deveria prevalecer sobre o Direito legislado nas decisões judiciais.

ibidem

ibidem

COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. 3 ed. 2003

ibidem