A AMIZADE COMO FATOR FUNDAMENTAL E SAUDÁVEL PARA O HOMEM E SUAS RELAÇÕES





Adriana Pereira Lopes
Luiz Henrique Raimundo
Mara Rúbia Soares Adriano
Curso de Filosofia - 6º semestre
Pólo Guarapiranga
Orientador: Luís Fernando Crespo
Dezembro/2010










RESUMO

O presente artigo contextualiza a necessidade da relação de amizade, não em detrimento dos avanços tecnológicos ou do progresso, que faz com que, por exemplo, tudo fique ao alcance de um "clique" (até mesmo a diversão pode ser alcançada sem que se tenha uma companhia); nem ignorando a maldade das pessoas em nossos dias, que faz com que, infelizmente porém naturalmente, as pessoas se tranquem em casa, temam os desconhecidos e até mesmo inovem suas relações, mas mostrando que desde a antiguidade a amizade é um tema que acompanha a história da Filosofia na qual, sob a reflexão de grandes filósofos como Aristóteles, ter amigos mostra-se fundamental, reflexão esta que norteará nosso estudo em que os amigos são o elo essencial para a existência humana

Palavras-chave : amizade; necessidade; relações humanas.

INTRODUÇÃO

Com o mundo globalizado em que vivemos, com os avanços tecnológicos e principalmente com a transformação da sociedade interativa, as relações sociais perderam espaço, pois as novas tendências tecnológicas substituíram as relações interpessoais. Estudos realizados por Ivo José Triches, retratam olhares sobre o isolamento social e consequentemente sobre a necessidade da existência da amizade.
Quem ou o que é responsável pela perda de valor das relações interpessoais? Existe algum benefício no isolamento do indivíduo? Aonde chegaremos se não acordarmos a tempo de perceber que a amizade é uma virtude extremamente necessária à vida?
Assim, podemos concluir e concordar com os estudos de Triches que as famílias estão sendo dissolvidas em pequenos núcleos individuais, onde a conversa não é normal. Não é mais corriqueira a refeição em grupos, existem sim as reuniões em que jovens e até mesmo adultos fixam-se numa tela de vídeo game, observada em grande parte dos lares.
Por conseguinte, podemos sem dúvidas confirmar que estamos vivendo na era da informação, onde a geração net se incorpora no mundo virtual, assim, o ciberespaço tornou-se lar e as máquinas entes queridos. Os amigos são virtuais, as relações vazias, os trabalhos e pesquisas isolados e conforme o psicanalista Jacques Lacan, que estuda as relações das pessoas e do próprio Eu, indaga: Será realmente que a amizade perdeu seu valor?
O presente artigo trata de evidenciar a ausência das relações interpessoais nas interações tecnológicas, isto é, o progresso tecnológico e a decadência da humanização, buscando alternativas para facilitar o entendimento da necessidade da amizade, como também, focalizando os benefícios infindáveis que o convívio entre pessoas traz à sociedade e à história das civilizações.
Afinal, de quantos amigos necessito para ser feliz e viver bem? Qual seria a justa medida?
No decorrer deste trabalho este assunto será clarificado. Um assunto que apesar de ser por muitas vezes invisível aos nossos olhos e polêmico por ser negado por quem não o enxerga, se faz necessário, não mostrando apenas laços sentimentais ou afetivos, mas sim confirmando que a amizade fortalece o homem em si mesmo através das relações sociais, interpessoais fazendo-o coexistir no mundo em que vive, além de perpetuar sua espécie e construir uma sociedade mais próspera para as futuras gerações.

1. A IMPORTÂNCIA DA AMIZADE

A reflexão sobre a amizade é um tema que acompanha a história da Filosofia, sob o olhar de grandes pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles, e torna-se essencial em nossos tempos nos quais o avanço da tecnologia e o isolamento social estão cada vez mais presentes, conforme estudos analisados por Triches e Lacan. Aqui nos referimos ao "amigo" na sua mais profunda significação, pois etimologicamente abordando, palavra que deriva do latim amicus, significando relações afetivas e românticas; ou seja, relacionamento humano. Após conhecer a definição, nascem questões como: Por que, a amizade? O que é a amizade? É um sentimento, uma virtude? Uma inclinação natural a que estamos sujeitos, sentimento adquirido? Como se adquire? ou algo que se aprende?
Assim abordamos o real valor da amizade à luz socrática. E conhecendo tal perspectiva cremos que este sentimento se traduz nos seus discípulos e na ciência propriamente dita, a Filosofia, assim intitulada: amizade ao conhecimento. Sendo o pai da Filosofia, nos mostra que a amizade não é tão somente entre os homens, mas também, entre o homem e o cosmus "conhecimento".
Somos levados a perguntar acerca do significado que a amizade assume para nós, homens contemporâneos; e, se a amizade tem hoje, ainda, algum sentido.
A amizade é definida por especialistas, como André Lalande, como uma "inclinação eletiva recíproca entre duas pessoas morais". E sendo essa inclinação, que é eletiva e seletiva, que nasce da afinidade entre os indivíduos. Enquanto afinidade podemos entender como aliança ou semelhança, e essa é traduzida pela ligação ou atração provinda de uma semelhança. Em outras palavras, podemos dizer que a amizade é algo que abrange semelhança. Enquanto "inclinação eletiva recíproca", a amizade opõe-se ao amor. A amizade estaria também associada a relações de reciprocidade, de renúncia em favor do amigo. Quando o desejo não é recíproco, chama-se benevolência. Quando, ao contrário, a benevolência se torna recíproca e conhecida por ambos, surge a amizade. A amizade considerada perfeita é rara e exige tempo, familiaridade, confiança e estima. O desejo de se ter uma amizade pode surgir logo, mas não é amizade a menos que ambos sejam estimáveis e o saibam, porque "o desejo da amizade pode surgir depressa, mas a amizade não", diferente do que pode acontecer com a boa vontade (Aristóteles. Ética a Nicômaco., VIII, 3, 1156 b, 30-35).
A partir desta definição dá-se ênfase no real sentir, onde podemos ressaltar a presença de sentimentos e valores que dão significado à presença da amizade na vida dos que nos cercam, e não apenas ao uso da expressão "meu amigo" para dirigir-se a pessoas com as quais não se tem nenhum vínculo pessoal ou que mal conhece (a trivialização do conceito) e sem sentimento algum.
Contrapondo tais teorias da significação do relacionamento humano e da amizade, nasce o individualismo e isolamento perante a sociedade tecnológica como anteriormente mencionado. Um possível "antídoto" para esses males modernos são justamente os amigos e as companhias segundo teorias aristotélicas, quando ressalta o valor da amizade como virtude e importante para a vida das pessoas, sendo esta a idéia central do Livro VIII de Ética a Nicômaco.
Vivemos num momento em que o mundo do ciberespaço parece nos mostrar que é possível viver em isolamento. As pessoas estão se relacionando em comunidades virtuais a partir do surgimento das novas tecnologias de comunicação. A sociedade sintética, o pensamento, o amor através da cibernética. (Grifo nosso).

Os relacionamentos estão decadentes desde que as novas tecnologias fazem parte do cotidiano "humano". Mas, de acordo com Aristóteles, a prosperidade tecnológica não supre e nem substitui a lacuna das relações humanas no seu sentido mais profundo:

(...) de fato, de que serviria tanta prosperidade sem a oportunidade de fazer o bem, se este se manifesta, sobretudo e em sua mais louvável relação com os amigos? Ou então, como se pode manter e salvaguardar a prosperidade sem amigos? Quanto maior for ela, mais perigo correrá. E, por outro lado, as pessoas pensam que na pobreza e no infortúnio os amigos são o único refúgio. (Trecho de Ética a Nicômaco, livro VIII, 2009 ? Ciência e Vida Ano III nº30 p.52)

Para Aristóteles, sendo os amigos pessoas que andam juntas, elas se auxiliam, ajudam e ensinam. A personalidade mais forte abrange a mais fraca que passa a ser mais influenciada e modificada. No entanto, devido aos conflitos estabelecidos, a personalidade mais forte também se modifica. Um procura lapidar o outro.
O olhar do outro acrescenta e enriquece à medida que nos desafia, que nos acolhe ou não, que nos incentiva ou não. O contato e o conflito estabelecido é o que mais importa e, sem o olhar do outro ficamos sem referência e dificilmente saberemos sobre a nossa própria potência pois é o olhar do outro que nos influencia a utilizar e ou a dimensionar a potência que temos.
No mundo grego a amizade ocupava lugar de destaque, mas acreditava-se que só poderia ocorrer entre os homens. A amizade, conforme a leitura feita por Tomás de Aquino da Ética de Aristóteles é um hábito. Em outra questão da Suma Teológica, Tomás de Aquino discute a amizade e afirma que esta é uma virtude social essencial para a constituição da sociedade:

[...] é necessário que cada um se comporte com relação aos outros de maneira conveniente". (Tomás de Aquino. Suma Teológica, IIa IIae, q. 114, a. 1, c.)

Qualquer amigo verdadeiro quer para seu amigo: 1) que exista e viva; 2) todos os bens; 3) fazer-lhe o bem; 4) deleitar-se com sua convivência; e 5) finalmente compartilhar com ele suas alegrias e tristezas, vivendo com ele um só coração" (Suma Teológica, II-II, q. 25, a. 7).

"O amigo é melhor que a honra, e o ser amado, melhor que o ser honrado" (Suma Teológica, II-II, q. 74, a. 2).

"A amizade diminui a dor e a tristeza" (Suma Teológica, I-II, q. 36, a. 3).

Portanto, a Amizade é base da relação humana, que é a base da composição da sociedade, refaz no homem a questão sentimental, proporcionando-lhe alegrias e virtudes, nascendo o amor ao próximo. Diferencia-se do amor porque o amor pode referir-se a outras coisas e não somente a outro homem, como é o caso da amizade.
Com o Cristianismo o amor se destaca, e só tinha sentido se no amor ao próximo pudesse ser vista a imagem e semelhança de Deus; o amor caridade triádico: eu, o próximo e Deus, de acordo com Triches.
A amizade repercutiu historicamente gerando reflexões e transformações de época, pois era cogitada em diferentes cenários.

O Cristianismo nos transmite idéias muito fortes sobre amizade e caridade, mas que devem ser praticados considerando suas diferenças, em que na caridade devemos amar a todos indistintamente, além de ser uma relação que pode não ser recíproca, enquanto que na amizade sou eu quem escolho com quem quero construir uma relação, que exige reciprocidade. A amizade é díade, ocorre entre mim e o outro, apenas. Inclusive, no Iluminismo, houve um questionamento sobre esta forma de pensar. Foi um período em que a possibilidade de haver também amizade entre os dois sexos começou a ser cogitada, pois os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade começaram a ser divulgados com mais intensidade. (Grifo nosso).
O argumento de Aristóteles que justifica a afirmação de que a amizade é absolutamente necessária à vida é que

ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que dispusesse de todos os outros bens, e até mesmo pensamos que os ricos, os que ocupam altos cargos e os que detêm o poder são os que mais precisam de amigos. (Aristóteles. Ética a Nicômaco, livro VIII, p. 172)


Aristóteles apresentou três definições de amizade: a primeira delas é a amizade útil, que faz com que as pessoas sejam amigas por conveniência, onde se amam por sua utilidade, por algum bem que recebem um do outro, mas não amam um ao outro por si mesmos. O segundo conceito é o de amizade agradável. É uma amizade que não deixa de ser egoísta pois, guiados mais pela emoção procuram o que lhes dá maior prazer. Esta foma de amizade é característica dos jovens. Estes dois conceitos são considerados por Aristóteles amizades acidentais,

pois a pessoa amada não é amada por ser o homem que é, mas porque proporciona algum bem ou prazer. É por isso que tais amizades se desfazem facilmente se as partes não permanecem como eram no início, pois se uma das partes cessa de ser agradável ou útil, a outra deixa de amá-la. ( Aristóteles. Ética a Nicômaco, livro VIII, p. 175)


E os valores "útil" e "agradável" se modificam constantemente. O último conceito apresentado por Aristóteles como sendo a amizade ideal é o conceito de amizade perfeita. Uma amizade que não é acidental. Torna-se permanente ao passo que

aqueles que desejam o bem aos seus amigos por eles mesmos são amigos no sentido mais próprio, porque o fazem em razão de sua natureza e não por acidente. (Aristóteles. Ética a Nicômaco, livro VIII, p. 176)

Podemos concluir com as citações anteriores que o amigo perfeito é aquele que ajuda o outro a encontrar o caminho do bem. A amizade é aplicável a todas as formas de relações sociais. Não existe amizade, por exemplo, entre traficante e consumidor de drogas, apenas a necessidade; e tão pouco amizade entre dois traficantes, eles são comparsas.

De fato, as pessoas más não se deleitam com o convívio uma das outras, salvo se essa relação lhes traz algum proveito. (Aristóteles. Ética a Nicômaco, livro VIII, p. 177)
De acordo com Dimitrius e Mazzarella (2000), na vida moderna a deterioração dos valores humanos é nítida e mais que visível. Cresce continuamente a solidão das pessoas nas grandes cidades, tornando-se o motivo de sofrimento para muitos. De outro lado, outros valores da humanidade como a beleza, a verdade e o amor, estão sendo dizimados, oprimidos pela tecnologia e frieza de uma ciência fundamentada em dilemas já quase obsoletos. Dilemas estes que se construíram com as transformações sociais ao passo que o homem hoje, vive sozinho por causa de uma contextualização social tecnológica não provinda de sentimentos e humanização.
Muitas são as expressões tecnológicas que utilizamos no cotidiano: internet, tecnologias de ponta, espaço cibernético, dentre outras. Falamos de avanços tecnológicos para exaltar o benefício de estar em qualquer lugar a qualquer momento; para aumentar a possibilidade de cura de doenças e entender os novos males que nos afligem; para explicar a solidão crescente do ser humano; para propagar as possibilidades do ensino à distância. Cada vez mais percebemos que a tecnologia está individualizando o ser humano, dificultando seu contato e relacionamento com os outros.
A urbanização e a tecnologia fizeram da sociedade cúmplice de atos não-sociais em sua essência, pois filosoficamente falando, a amizade como alicerce do bem estar do homem foi esquecido dando espaço apenas para crescimentos exorbitantes puramente materiais onde fingem agregar ao homem valores, mas somente, agrega-se momentaneamente a sensação da felicidade. Conforme a citação de Tomas de Aquino em Suma Teológica a amizade é um sentimento que se traduz em felicidade. Hoje a felicidade se traduz de momentos que a tecnologia estimula, mas não em sua totalidade, ou até podemos chamar de falsa felicidade. As experiências do passado e do cotidiano se refletem constantemente nascendo a evolução e transformação da sociedade para a contemporaneidade. A experiência do homem contemporâneo funde-se com a tecnologia moderna. Pois, com as mudanças na estrutura urbana, na arquitetura, nos meios de comunicação e no transporte correspondem à nova estrutura de vida. O processo de tecnologia está remodelando e reestruturando padrões de interdependência social e todos os aspectos de nossa vida pessoal. À medida que surgem as novas tecnologias, as pessoas que agora podemos chamar de usuárias de tecnologia, ficam cada vez mais convencidas da importância dos equipamentos de última geração e menos de sua própria expressão.
Segundo reportagem de capa da Revista Veja Ed. 2120 de 08/07/2009 de autoria de Diogo Schelp que retrata sobre as relações on-line confirma que sociólogos, psicólogos e antropólogos concluíram que a comunicação cibernética não consegue suprir as necessidades afetivas mais profundas dos indivíduos. A internet tornou-se um vasto ponto de encontro de contatos superficiais. É o oposto do que, segundo escreveu Aristóteles, de fato aproxima os amigos:
Eles precisam de tempo e de intimidade; como diz o ditado, não podem se conhecer sem que tenham comido juntos a quantidade necessária de sal (Ética a Nicómaco, Livro VIII, III, 1156b1, 5-15, 25)

No decorrer deste estudo detectamos vários fatores que podem geram o isolamento dos indivíduos, como falta de preparo psicológico, estrutura organizacional deficitária, modelo econômico concentrador e excludente, situação de pobreza, aperfeiçoamento tecnológico; todos estes fatores têm uma importância fundamental na análise da situação do isolamento com que nos defrontamos nos dias de hoje, nos forçando a esquecer da essência da amizade e da importância de se ter amigos. Uma possível solução seria a de redefinir eficientes ações sociais buscando o convívio mais intenso entre as pessoas, a fim de conquistar ou reconquistar a preocupação com os valores morais, sentimentais e sociais, objetivando estruturar as relações interpessoais como essência da abordagem humana e ver a amizade como estado de espírito promissor como alicerce de quaisquer bases da sociedade.


CONCLUSÃO

Os estudos realizados neste artigo reafirmaram uma idéia que nosso grupo já defendia de que "o ser humano não consegue viver sozinho", e que muitas vezes fazemos desses relacionamentos, relações interpessoais constituindo família e amigos e, com pessoas estranhas, criamos outros vínculos que nos fazem pensar em sociedade: trabalho e de repente, prestação de quaisquer serviços.
A importância da amizade vai muito além da explicação de qualquer ciência do conhecimento, pois longe de uma explicação simples, entra num contexto profundo, porque amigos são pessoas que sempre estarão ao seu lado incondicionalmente nos apoiando e dando força, ajudando nas horas em que precisamos.
Não se conquista uma amizade da noite para o dia, ou de uma hora para outra. Este sentimento é alimentado com o tempo e com as circunstâncias vividas. Apesar de algumas pessoas concordarem que tal sentimento é aflorado de uma hora para a outra, podendo até mencionar que à primeira vista, nasce uma empatia profunda originando a interação social.
A amizade é um relacionamento vital, porque com ela aprendemos muitas coisas e dela dependemos para sobreviver, pois de acordo com o filósofo Teilhard de Chardin, "no men is an island", ou seja, "nenhum homem é uma ilha". Isto significa que o homem não consegue viver isoladamente e precisa um dos outros para a sua sobrevivência. O ato social da amizade faz parte da vida das pessoas, até mesmo para o próprio desenvolvimento social.
A tecnologia pode até forjar o relacionamento com as máquinas gerando satisfação, onde o ser humano, confundido com as emoções, pode chamar de felicidade e por isso ignorar a necessidade da presença e a importância da amizade presencial humana. O fator humano não pode ser substituído por nada, pois é de fundamental importância na vida das pessoas contribuindo para além de uma formação de sociedade ética - fortalece psicologicamente e desenvolve o ser humano em todos os aspectos.
A amizade é, portanto, uma virtude, e os homens que conseguem vivê-la são poucos e bons. A deterioração das relações sociais vem perigosamente tornando-se uma constante cada vez mais intensa nas sociedades contemporâneas. Características como a confiança, a transparência, a partilha e a própria convivência correm o risco de não mais existir. Amigos de verdade se tornam cada vez mais raros em um mundo onde os valores são relativizados, e por vezes a própria vida é banalizada. O individualismo e a indiferença tomam conta do meio social moderno, que, se por um lado facilita a comunicação através dos meios tecnológicos cada vez mais rápidos e eficazes, por outro alimenta relações frias e impessoais. O homem enquanto "indivíduo" que possui o significado "o que não pode ser dividido", está inteiramente ligado às noções de "unidade" e "particularidade", ou seja, o que não pode ser dividido. Quando pensamos em "comunidade" referindo-nos àquilo que é "comum", que pertence a todos, relacionamos o homem à vida em sociedade. Ao focarmos o assunto à existência humana, é impossível falar de indivíduo sem inseri-lo à comunidade, e vice-versa. No caso do ser humano, a vida em comunidade está ligada ao que chamamos de cultura, o que nos diferencia dos animais. A presença da linguagem ou, ainda, a existência de um conjunto de princípios morais, nos levam a perceber nitidamente que a existência em sociedade é de importância fundamental para a constituição dos indivíduos. Por isto, a nossa formação enquanto indivíduos dependem seriamente da vida em comunidade e da amizade desta, fortalecendo seus sentimentos e comportamentos sociais. Desta forma, falar que o ser humano pode ser absolutamente autônomo e independente (com ou sem a assistência tecnológica) é um conceito que não condiz com a realidade, concluindo que a amizade desperta o sentimento do amor, fazendo com que o homem não se sinta só e além de perpetuar sua espécie, prosperará em equilíbrio e harmonia com os demais de sua espécie. Conforme o artigo do bacharel em filosofia, Fr. Rogério Gomes (1999:03) extraído do Artigo: "O amor em Santo Agostinho, antes de sua conversão"
O amor está vinculado à existência humana e esta não está vinculada somente a si própria. Nesse sentido, o amor é o ponto centrípeto ao qual o homem se dirige para garantir a sua própria existência. Se assim não o fosse, viveríamos imersos na solidão e no egoísmo e, consequentemente, teríamos o fim da epopéia humana sobre a terra, pois as pessoas não se uniriam às outras, garantindo, desse modo, por exemplo, a procriação e a sobrevivência da própria espécie.
Nos dias de hoje perdemos sensibilização das coisas, das pessoas, do senso do bem-comum e das justiças pessoais e, até a vida está banalizada, e o que dizer dos valores e das relações, cada vez mais impessoais. Diante das transformações do mundo, suas crises e avanços, as relações humanas são completamente atingidas. Logo, perder o sentido da amizade, da relação interpessoal, é um fator de risco para a sobrevivência de nossa espécie enquanto cremos que o homem é um ser em constante construção e mutação, que ocorre na "relação e troca" com o outro. A justiça é desnecessária quando temos amigos, pois a amizade é a mais completa forma de justiça. No campo moral, a justiça é construída com o exercício individual da consciência, com a finalidade de se buscar um meio-termo, que possibilite a todos o direito de igualdade.
A ausência do convívio com nossos semelhantes faz com que as pessoas percam os referenciais de alinhamento aos valores essenciais, que nos orientam tanto nas situações triviais quanto nas grandes decisões que interferem num universo maior de pessoas e os ambientes onde vivemos. (Grifo nosso)
Não faltar nunca à verdade; firmar relações entre os homens baseadas na honestidade e sinceridade; ai está a garantia de vínculos sólidos, seguros e permanentes; base pare se construir uma relação justa e feliz. A amizade é ao mesmo tempo ética e política, e depende, em Sócrates, de verdade e transparência, antes de qualquer coisa, zelando assim pelas relações interpessoais. Atualmente vivemos em um mundo complexo, com diferenças sociais, hostil e violento, movido por valores superficiais e soberbos, onde a tecnologia ganha espaço parecendo não haver quase lugar para laços de solidariedade e amizade, fortalece a percepção da necessidade que sejam mantidas os laços entre os seres humanos na sua concepção mais pura qual seja, a amizade. Assim, a amizade parece então constituir-se no grande antídoto para os males modernos (individualismo e isolamento) citados anteriormente, tanto para Sócrates como em Aristóteles, e que conforme as recomendações de Sócrates: o cuidado a se ter com a linguagem; o esforço a ser empreendido para se tornar verdadeiramente o que se queira ser e, assim... conquistar amigos é o maior dos bens a que um homem possa almejar e fonte de paz!







REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Introdução, tradução e notas de António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009.

DIMITRIUS, J. E. & MAZZARELLA, M. Decifrar Pessoas. 17ª ed. São Paulo: Alegro, 2000.

GOMES, Fr. Rogério. O amor em Santo Agostinho, antes de sua conversão. Artigo Revista PUC ? Campinas, 1999.

SANTOS, Silvia Gombi Borges dos. Jornal Online Existencial. O valor ético-político da amizade: uma visão socrática, narrada por Xenofonte. Disponível em: http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/betaniavalor.htm Acesso em 10.11.2010. 21:32:05

SCHELP, D. O poder das redes sociais da internet. Revista Veja., edição 2120, 8 jul. 2009. São Paulo: Abril, 2009.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. IIa IIae, q. 114, a. 1, c.

_______________. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. II-II, q. 25, a. 7.

_______________. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. II-II, q. 74, a. 2.

_______________. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001. I-II, q. 36, a. 3.

TRICHES, Ivo J. A arte de viver da amizade. Filosofia Ciência & Vida, ano III, nº 30, 2008. São Paulo: Escala, 2008.

WILBUR, Shaw P. Uma Arqueologia do Ciberespaços: Virtual, Comunidade e Identidade. Disponível em :http://members.fortunecity.com/cibercultura/vol11/vol11_shawwilbur.htm. Acesso em 17/11/2010. 15:44:52