INTRODUÇÃO*



O nosso trabalho tem como objeto a relação entre o movimento da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e o Partido Comunista do Brasil (PCB).
A criação da ANL ocorre num contexto, nacional e internacional, muito favorável. Sua origem já é discutida em fins de 1934. De fato, foi inaugurada em 30 de março de 1935 e, precocemente, foi fechada em 11 de julho do mesmo ano, a mando de Getúlio Vargas, com base na recém criada Lei de Segurança Nacional ? a "lei monstro".
Apesar de ter sido uma experiência curta na política brasileira, a Aliança Nacional Libertadora foi um verdadeiro fenômeno. Em pouco mais de três meses de vida legal formou núcleos em todo o país e, segundo alguns contemporâneos seguramente otimistas, chegou a marca de 1 milhão e meio de adeptos. Marca esta considerável se levarmos em conta uma população de aproximadamente 40 milhões. Este movimento poderia ser uma potência eleitoral capaz de eleger muitos políticos. No entanto, a ANL entraria para a História como uma reunião de comunistas que, desde o seu início, planejavam uma revolução.
O objetivo deste trabalho é desmistificar esta visão um pouco, ou muito, deturpada. Seu recorte se dará no período de formação (fins de 1934), até os acontecimentos de Novembro de 1935, conhecido (de forma errônea) como Intentona Comunista. As fontes referem-se ao Rio de Janeiro
A fim de contestar a estigma carregada pelo movimento aliancista de que desde sua formação havia uma idéia de revolução comunista explícita, ou implícita, nada melhor do que nos remetermos a sua gênese e estabelecer algumas questões: de que forma se deu a participação do Partido Comunista do Brasil na Aliança Nacional Libertadora, da sua formação até seu fechamento? Como teria sido esta relação? Qual era a composição política e social da ANL? O movimento aliancista foi um instrumento legal e partidário para as atividades do PCB, ou a relação ANL ? PCB se deu apenas nas influências, sejam elas ideológicas, de quadros e/ou do modo operacional. Afinal, a ANL foi um movimento comunista? Estas são questões que nortearão o nosso trabalho.
O estudo existente acerca do tema proposto ainda é insatisfatório, principalmente pela pouca quantidade de obras existentes especificas do nosso recorte.
É necessário pontuar a existência de três momentos distintos presentes neste estudo. O primeiro momento é o da formação da ANL, o segundo momento é o das atividades em seu período de legalidade, e o terceiro momento é o relativo à ilegalidade.
No que diz respeito aos preparativos e discussões que antecederam a inauguração do movimento aliancista, oficialmente em 30 de março de 1935, encontramos duas tendências historiográficas predominantes: a que fala da influência governista e a que afirma a influência comunista.
A primeira é representada por Affonso Henriques em sua obra "Ascensão e Queda de Getúlio Vargas" e delega a Getúlio Vargas o papel de incentivador deste processo. Segundo ele a Aliança Nacional Libertadora foi obra exclusiva do Sr. Getúlio Vargas e de um número limitado de asseclas, na sua maioria do gabinete negro e da famigerada guarda pessoal do ditador".
O "plano maquiavélico" de Vargas seria construir um clima de insegurança capaz de satisfazer seus desígnios de instalar uma ditadura, o que de fato ocorreu anos mais tarde, com a implantação do Estado Novo. Esta tese, apesar dos inúmeros "indícios" apresentados por seu autor, peca por ignorar o contexto de reivindicações, no Brasil, e de correntes variadas vindas do exterior. É uma teoria conspiradora que agradaria Machiavel.
A outra corrente predominante referente ao período de formação da ANL pode ser dividida em outras duas. Afirmam uns que o movimento aliancista foi um instrumento legal nas mãos do Partido Comunista do Brasil, e que estes estariam desde o princípio tramando uma revolta armada, como a que de fato ocorreu em Novembro de 35. Outros preferem ser mais cautelosos e afirmam que a relação entre ANL e PCB, seria apenas uma relação em que foram adquiridas influências, por parte dos aliancistas, além de quadros partidários.
Em referência aos primeiros, podemos citar o estudioso Ricardo Antunes. Ele afirma, em sua obra "Classe Operária, Sindicatos e Partidos no Brasil" que foi "somente com a proposta de criação da Aliança Nacional Libertadora, em março de 1935, que o PCB conseguiu formular um programa justo e que permitiu, um novo, embora brevíssimo, avanço do movimento de massas".
Segundo a outra corrente, o mais plausível a afirmar seria que a ANL foi um movimento independente que, no entanto, absorveu muito das idéias, dos quadros, e do modo operacional do PCB. Além disto é preciso enfatizar que este movimento, quando foi iniciado, não possuía nenhuma intenção de revoltar-se em relação ao governo de Vargas. Antes disto, a ANL não levantava a questão do poder, ao menos no início. Devemos envolver a análise deste movimento de modo que ele possa ser contextualizado. Tanto externamente quanto internamente havia inúmeras influências para sua formação. Da Europa vieram as idéias de Dimitrov, presidente da Internacional Comunista, de "frente ampla antifascista e antiimperialista". Internamente, havia inúmeros grupos descontentes com os caminhos seguidos por Vargas, que não conseguia cumprir as promessas feitas na "Revolução" de 30.
A este respeito, Edgard Carone em "Revoluções do Brasil Contemporâneo" sintetiza que a "Aliança foi uma frente única dos partidos de esquerda, sindicatos, certa ala tenentista e elementos apartidários ? fusão de parte da classe média e operariado".
O segundo momento vivido pela ANL foi a legalidade, e novamente há divisão de pensamentos. Entretanto, pode-se dizer que as correntes continuam as mesmas, apenas acrescentando elementos após a formação do movimento aliancista.
O autor Affonso Henriques acredita que a ANL, apesar de possibilitada por Vargas, tomou proporções maiores do que o esperado. Razão esta que teria desencadeado o seu fechamento. Os que defendem a primazia comunista na ANL, dizem até que a Internacional Comunista guiava seus passos, como quer William Waack no seu livro "Camaradas". Já os que acreditam na relativa independência do movimento, dizem que, aos poucos, a ANL vai perdendo este caráter, até o ponto de ser dominado por parte dos comunistas.
Situada neste último grupo, porém com uma posição polêmica, está Anita Leocádia Prestes. Para a historiadora e filha de Luis Carlos Prestes, em sua obra "Luis Carlos Prestes e a ANL": "Sem o Cavaleiro da Esperança e tudo o que ele representava no Brasil, naquele momento, dificilmente a ANL teria existido".
Quanto a esta posição, parece um certo exagero, em se tratando de história, supervalorizar uma figura, que sem dúvida foi muito importante, em detrimento dos demais elementos que construíram e mantiveram o movimento aliancista.
Em referência a este segundo momento, acreditamos que a ANL manteve, no seu início, a fidelidade ao seu programa. No entanto, através de um processo gradativo, e sem volta, parte dos comunistas se apossaram do poder do movimento, fornecendo argumentos para seu fechamento por Vargas.
Por último, após a ilegalidade, há quase um consenso em apresentar a ANL como instrumento de fachada para alguns comunistas. Mais tarde, estes elementos mais radicais organizariam uma (desorganizada) revolta armada, que ficou conhecida como "Intentona Comunista". No entanto, para Affonso Henriques, Vargas sabia de tudo e "deixou" que explodisse o movimento, para iniciar a sua planejada caça aos comunistas, que de fato ocorreu.
Especificamente tratando-se do objeto de estudo proposto ? a relação da ANL com o PCB ? as correntes historiográficas tendem a seguir o mesmo caminho.
Para uns, esta foi uma relação de criador e criatura, ou seja, a ANL, teria sido criada pelo PCB, sendo submetida a ela, e como conseqüência à I.C., vislumbrando uma revolução comunista que colocaria o proletariado no poder.
Para outros, o Partido Comunista do Brasil apenas "forneceu" algumas de suas idéias, de seus quadros, como o presidente de honra da ANL - Luis Carlos Prestes, e linhas partidárias. Portanto, a ANL seria mais vista como fruto de um momento histórico específico, onde grupos, dos mais diversos, juntaram-se para promover a luta contra o fascismo e o imperialismo, tidos como o mal daquele momento.
Apesar de deixar mais ou menos evidente esta posição, os autores desta vertente pouco se preocupam em aprofundá-la e encontrar elementos que possam "comprová-la". É este "ir além" que proponho neste presente estudo.
Além disso, acreditamos ser necessário o maior estudo de um movimento de caráter tão popular, tão heterogêneo como foi a ANL. Vendo suas reivindicações, também percebemos que muitas das preocupações destas pessoas permanecem ate os nossos dias.
Após apresentar as questões que nortearão o nosso trabalho, cabe agora desenvolver algumas respostas.
Em relação à formação da Aliança Nacional Libertadora , acreditamos que se deve levar em consideração diversos fatores: o contexto da esquerda internacional - onde alguns acontecimentos mudaram o rumo das lutas. Como exemplo a política adotada pela Internacional Comunista, de acordo com o VI Congresso (1928), era o de "Frente única pela base". Foi somente após a ascensão de Hitler ao poder, na Alemanha, que começaram a ganhar força as idéias de Dimitrov, então presidente da I.C., até a sua delimitação no VII Congresso (1935). A tese girava em torno da formação de frentes amplas para a luta anti-fascista e antiimperialista.
Quanto ao contexto brasileiro, o caminho era parecido. Após alinhar-se ao programa da Aliança Liberal, na figura de Getúlio Vargas, boa parte da classe media e outros setores da sociedade, como os trabalhadores em geral, começavam a dar sinais de falta de paciência com o governo, já que muitas promessas permaneciam, crescendo assim as reivindicações e protestos.
A ANL foi uma frente ampla, que englobava inúmeros setores da sociedade. Um aspecto a diferenciava de qualquer outro movimento ? as massas. Os aliancistas não eram comunistas e, diferente do que muitos autores afirmam, não planejavam, na sua gênese, o movimento de novembro de 1935, conhecido pejorativamente como Intentona Comunista.
Dito isto, conseqüentemente podemos afirmar que a Aliança Nacional Libertadora foi um movimento independente e não uma via legal do Partido Comunista do Brasil, que neste momento encontra-se na ilegalidade.
Além disso, acreditamos que a relação entre ANL ? PCB encontrava-se na esfera das influencias e não na submissão.
O trabalho de pesquisa proposto enquadra-se na chamada História Política. No entanto, sabe-se que dentro deste campo histórico existem algumas vertentes. Acredito que a denominada Nova Historia Política seja a mais indicada para o nosso trabalho.
Nesta vertente, podemos perceber novas abordagens para o estudo do político e do poder. Longe de estar centralizado no Estado, nos reis, ou em algumas instituições, foi mostrado que em todas as esferas da sociedade o poder está presente. Está presente também, a noção de que o político não se encontra só, imponente, antes disso, ele se inter-relaciona com outros aspectos. Como negar a influência cultural na hora do voto do eleitor? Como negar a influência econômica nas decisões políticas de um governante? Como negar a influência social na legitimidade de um poder? Também, a partir destas novas perspectivas, a história passou a usar da interdisciplinaridade para compreender melhor seu objeto.
Esta Nova História Política propões temáticas novas como: o comportamento eleitoral das massas, as biografias coletivas, as instituições políticas e burocráticas, os sistemas políticos, e a dinâmica política . Além disto, é importante referir-se à ampliação das fontes históricas (pinturas, monumentos, testemunhos e outros), a introdução de uma história-problema e a idéia de construção da história. Estas mudanças revolucionaram a forma de se "fazer história".
Quanto à linha historiográfica usada no trabalho, escolhemos o viés tomado pela figura de René Rémond11. Este autor fez uma grande defesa da história política. Para ele, após passar por um período de grande descrédito, "abraçando os grandes números, trabalhando na duração, apoderando-se dos fenômenos mais globais, procurando nas profundezas da memória coletiva, ou inconsciente, as raízes das convicções e as origens dos comportamentos, a história política descreveu uma revolução completa" E ele continua dizendo que "na verdade, o campo do político não tem fronteiras fixas, e as tentativas de fechá-lo dentro de limites traçados para todo o sempre são inúteis (...) A história política exige ser inscrita numa perspectiva global, em que o político é um ponto de condensação." 12
Esta parece ser também a mesma posição de José D?Assunção Barros . Ele afirma que apesar de colocar-se como pertencente à história política, um trabalho jamais pode ser completamente inserido neste campo. Isto porque nenhum processo histórico é apenas político, ou econômico, ou social etc. Certamente, no decorrer do trabalho será preciso recorrer a alguns conceitos referentes a outros campos da história. Desta forma, espera-se, antes de tudo, enriquecê-lo.
As fontes utilizadas no nosso trabalho podem ser divididas basicamente em: documentos do PCB; documentos da ANL; artigos de jornal (diversos); e correspondências (de integrantes da ANL e do PCB).
Quanto à metodologia utilizada, seguiremos os ensinamentos de José de Assunção Barros, Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas.
Segundo o primeiro, as fontes históricas deixaram de ser vistas como um testemunho de suas épocas para ser considerada um discurso. Ou seja, uma análise séria de uma fonte histórica deve considerar algumas questões: Quem fez; Por que fez; Para quem fez; Quando fez; Como fez. A partir disto, teremos menos chance de cair na armadilha de considerar as fontes como um retrato fiel da realidade.
Dito isto, consideramos que a melhor forma de explorar uma fonte histórica, e esta será a nossa missão neste trabalho, seguindo a linha metodológica de análise de discurso, deve ser atentando para o intratexto, o intertexto e o contexto.
A análise intratextual se refere ao estudo da fonte em si. A análise intertextual é a comparação da fonte analisada com fontes do mesmo período histórico. Já o contexto se refere ao estudo do momento em que a fonte foi criada e a interferência que este meio pode ter causado neste discurso. Por fim, todo este trabalho deve ser pautado na idéia de que um texto, simultaneamente, deve ser visto como um "objeto de significação" e um "objeto de comunicação".
Por fim, fazemos nossas as palavras de Ciro Flamarion Cardoso e de Ronaldo Vainfas quando eles afirmam que devemos "buscar os nexos entre as idéias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos". 14
Nosso trabalho está dividido em dois capítulos. O primeiro se destina a contextualizar o nosso objeto, fazendo as discussões indispensáveis para compreender o que foi a Aliança Nacional Libertadora. Os aspectos políticos e sociais do período anterior a formação do movimento aliancista, assim como o contexto nacional e internacional desta fase são os elementos abordados neste capítulo.
No segundo capítulo entramos no nosso objeto de estudo. Através dos discursos proferidos por comunistas e aliancistas, tentamos responder as nossas principais questões e estabelecer como se realizava as relações entre a Aliança Nacional Libertadora e o Partido Comunistas do Brasil na formação, na vida legal e na ilegalidade do movimento aliancista. Além disso, levantamos a discussão acerca dos interesses, tanto do PCB quanto do governo Vargas, em associar a ANL com os comunistas.





Capítulo 1

ANTECEDENTES DO MOVIMENTO ALIANCISTA: GRUPOS POLÍTICOS E CLASSES SOCIAIS



1.1 ? Considerações iniciais: um período de transição


Faremos algumas considerações iniciais e gerais de modo a entender este contexto histórico específico que pode ser caracterizado por um período de transição - de uma sociedade oligárquica para uma sociedade considerada "moderna" (ou seja, urbana e industrial). Um processo longo que tem o seu início na década de 1920 e só consolida-se completamente na década de 1940 e 1950. Como todo período de transição, este contexto histórico apresenta elementos de ruptura e de permanência.
Iniciado o século XX, regra geral, a América Latina via-se sob o domínio de um modelo oligárquico que se assentava no setor primário exportador da economia. No princípio dos anos 1920, as transformações decorrentes da industrialização e da urbanização, mesmo que reduzida e concentrada, desencadearam o surgimento e desenvolvimento de classes sociais, genericamente denominadas antioligárquicas, que seriam os agentes de uma grande transformação. Deste modo, o sistema oligárquico produziu em seu seio aqueles que seriam os responsáveis pela sua derrocada.
Estas classes sociais ? burguesia industrial, proletariado urbano e classes médias urbanas - foram favorecidas com uma conjuntura favorável. A pressão exercida por estes grupos juntou-se à fragilidade de um modelo econômico demasiadamente dependente da demanda externa para, aos poucos, provocar uma crise irreversível no modelo agro-exportador e sua representação política oligárquica.
A crise de 1929 impôs uma nova direção política e econômica a estes países dependentes. A queda brusca da demanda européia desgastou o setor primário provocando o enfraquecimento das oligarquias. Uma nova conjuntura exigia uma reorganização em todas as esferas da sociedade.
Um novo modelo de Estado nasceu. O liberalismo entrou em crise e coube ao poder estatal a iniciativa de comandar a recuperação econômica. A proposta de industrialização pareceu a mais viável. Além do discurso de modernização do país, esta proposta atendeu à expectativa de criar uma espécie de "paz social", uma vez que se moldou um discurso ideológico de união nacional em torno de um objetivo comum ? o progresso do país.
No entanto, como bem disse Sônia Regina de Mendonça, este "nacionalismo" deve ser visto de forma crítica. Na medida em que se tem uma crise econômica mundial e, conseqüentemente, uma diminuição do volume de capitais estrangeiros no Brasil e na América Latina em geral, o "nacionalismo" presente na iniciativa estatal de impulsionar a economia sem a presença do capital estrangeiro é muito menos uma alternativa do que uma necessidade.
A crise econômica, portanto, repercutiu diretamente no aspecto político e social. Apesar de priorizar aqui os aspectos de mudança, não podemos negar a continuidade de uma política ainda dependente das oligarquias (é o caso do nordeste) e da exclusão dos grupos populares da participação política, mesmo considerando os avanços ocorridos na época. Esta exclusão, será um dos fatores que impulsionarão as classes populares a lutarem por uma condição social melhor. A Aliança Nacional Libertadora, estudada neste trabalho, se insere neste contexto.


1.2 ? Grupos Políticos


Nesta parte iremos discutir primeiramente o predomínio dos partidos federalistas no sistema partidário brasileiro. Depois abordaremos os primeiros partidos políticos considerados como tendo âmbito nacional ? Partido Comunista do Brasil (PCB) e Ação Integralista Brasileira (AIB) . E por fim, de modo geral, pontuaremos alguns fatores importantes do movimento tenentista.
O sistema partidário existente refletia uma estrutura política consolidada na Primeira República. Ou seja, uma vez que o poder político era exercido fundamentalmente pelas oligarquias estaduais, os partidos políticos deveriam atender aos desejos destas elites.
A inexistência de um partido nacional até 1922, quando ocorreu a fundação do PCB, revela que as unidades da federação detinham muito mais diferenças do que semelhanças. Há quem diga que "não havia uma tradição de partidos nacionais". Quando havia alianças, era muito mais pelo pragmatismo político do que pela união ideológica. A este respeito, o jurista Odilon Braga, contemporâneo da época, resume:

"(...) As crônicas do país são concordes em documentar que, no Brasil, a despeito dos artifícios de imitação européia, só tem havido realmente os dois partidos institucionais, congênitos com a natureza do nosso povo: o do Governo e o da Oposição, isto é, aqueles partidos que, no dizer do velho Nabuco, são periódicos e ocasionais, mais ou menos intensos, duradouros e impetuosos, segundo a maior ou menor importância dos objetos de divergência".

Mesmo após a criação do PCB e da AIB, o sistema partidário pouco mudou. Apenas em meados de 1945, com a criação da União Democrática Nacional (UDN), do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), é que podemos perceber uma mudança em direção ao predomínio dos partidos de nível nacional.

O que podemos destacar como diferente no período após 1930 é uma certa rearticulação das forças oligárquicas, seja em agrupamentos tradicionais, seja em novos partidos. Esta reorganização se deve a entrada em cena dos interventores federais. Entretanto, estes últimos, em algumas regiões do país, tiveram que se aliar às oligarquias locais para manter o controle da situação.
No que se refere aos partidos políticos de nível nacional, tivemos representantes nos dois extremos políticos: na extrema esquerda estava o PCB e na extrema direita encontrava-se a AIB.
A interpretação mais comum sobre a formação do PCB é a que adota a influência do anarquismo e do anarco-sindicalismo. Sem contar, é claro, a influência que a Revolução Russa trouxe ao fornecer uma opção ao modelo capitalista liberal. O "sucesso" do socialismo na URSS, sem dúvidas, estimulou o surgimento de partidos comunistas no mundo inteiro. Mas no caso específico do Brasil, os estudiosos costumam valorizar mais os aspectos internos e acabam por deixar de lado esta consideração.
A primeira influência é destacada por Moisés Vinhas quando ele diz: "(...) ao contrário dos seus congêneres europeus, nascidos de cisões no interior de alguns poderosos partidos social-democratas de massa, o Partido Comunista surgiu, no Brasil, a partir de uma cisão do movimento anarquista".
Já a segunda é enfatizada por William Waack quando ele afirma: "os fundadores do PC brasileiro vinham em sua maioria do anarco-sindicalismo (...)".
No entanto devemos relativizar este quadro já que, segundo Edgard Carone: "(...) a influência anarquista tem sido exagerada, principalmente quando se diz que boa parte do contingente humano do partido viera dela. Pelo que podemos avaliar, a herança anarquista não é dominante, havendo entre os fundadores do PCB bom número de militantes socialistas e sindicalistas(...)".
O desejo de fazer parte da Internacional Comunista (IC) , fundada em 1919 por Lenin, levou o PCB a enviar um representante ao IV Congresso desta organização, realizado no mesmo ano da fundação do partido. Entretanto, não se tornariam membros neste ano, ficando apenas como observadores. Apenas no congresso seguinte, em 1924, o PCB passaria a fazer parte da IC.
A preocupação em fazer parte da IC tem uma explicação. Lembrando os estudos do historiador inglês Eric Hobsbawm, Marly Vianna afirma que esta filiação fornecia ao PC brasileiro o "prestígio da revolução socialista" e também "compensava o pequeno número de aderentes nos primeiros anos".
Mais a frente veremos que o fato de estar filiado à IC leva o PCB a estar subordinado também às suas diretrizes. Os reflexos do "sectarismo" e das "frentes únicas" (considerados como momentos doutrinários por qual passou a Terceira Internacional) serão sentidos no Brasil de forma particular.
Até fins da década de 1920, o PCB possuía poucos adeptos. Em 1925 havia por volta de 300 membros, em 1928 eram cerca de 700. Estima-se que teria por volta de 1.500 membros em meados de 1930. Isto nos fornece uma idéia da fragilidade do partido. E tal situação agravou-se com o isolamento provocado pelas novas idéias surgidas no III Congresso do partido, realizado em 1928/1929. Carone comenta que "politicamente, concebe-se a idéia de uma "terceira revolta", continuação dos movimentos revolucionários de 1922, 1924 e Coluna Prestes, porém, mais ampla e radical".
Algumas teses do III Congresso do PCB são decisivas, como a que afirma: "O Brasil é um país de tipo semicolonial, economicamente dominado pelo imperialismo, se bem que politicamente independente".
A partir destas linhas gerais, o PCB vai considerar a chamada "revolução de 1930" como uma disputa entre o imperialismo inglês, representado pelas forças agrárias e o imperialismo norte-americano, representado pelas forças industriais.
A Aliança Liberal foi muito criticada. Segundo o PCB: "A única salvação ? é a luta revolucionária. A única aliança ? é a aliança revolucionária das massas exploradas das cidades e dos campos. O único guia ? é o proletariado revolucionário e seu partido, o Partido Comunista".
Esta postura política prevaleceu até meados de 1934, quando as idéias de "frente única" começaram a tomar força entre os comunistas brasileiros. Veremos nos próximos capítulos, porém, até que ponto estas diretrizes foram seguidas.
Parece importante também mencionar a renovação de quadros que ocorreu no PC brasileiro, influenciados pela idéia de "proletarização" do partido. Desta forma, os intelectuais que, de modo geral, possuíam um maior conhecimento acerca dos principais teóricos do socialismo (ou dos "socialismos" se assim preferirem) acabaram expulsos. Com isso, os novos dirigentes caracterizavam-se pela pouca instrução e por maior extremismo.
A este respeito, Marly Vianna comenta que:

"Numa interpretação simplista e até grosseira, da parte dos representantes da IC que aqui estavam e de comunistas brasileiros influentes naquele momento, considerou-se que a direção do Partido ? e, de preferência, todos os comunistas ? deveria ser de operários ou filhos de operários. Tal orientação foi uma catástrofe, como era de se esperar".

Já Carone chega a dizer que "a partir de 1930, proletarização toma um sentido errôneo e romântico, o que leva os membros do partido a só fumarem cigarros baratos, vestirem-se mal, deixarem de usar gravata etc.".
Outro partido de caráter nacional, a AIB se constituiu como um contraponto dos comunistas brasileiros. Fundado em 1932, com o Manifesto de Outubro, era composto basicamente de elementos das camadas médias urbanas. As estimativas do número de adeptos variam de 100 mil a 800 mil pessoas, o que revela a inexistência de unanimidades em relação a este movimento.
Muitas vezes somos levados a crer, de modo simplista, na transposição do fascismo europeu como característica principal ou até única da Ação Integralista Brasileira. Entretanto, parece-nos que tal generalização pode levar a um erro de interpretação.
Existem autores que vêem com cuidado esta questão. José Chasin e Antonio Rago Filho consideram a AIB como:

"(...) movimento de extrema direita, romântico e reacionário, mas não fascista, porque entendem que o fascismo seria uma expressão particular do estágio de desenvolvimento pleno do modo de produção capitalista, que o Brasil ainda não havia atingido na década de 1930, dada a sua dependência estrutural ao centro do capitalismo".

As influências fascistas não são ignoradas. Plínio Salgado, fundador e principal teórico da AIB, possuía uma grande admiração por Mussolini. Como ele próprio confessa: "numa tarde de junho, depois de ter visto toda a Itália Nova, depois de ater julgado com todo rigor, eu me vi, no Palácio Veneza, frente a frente com o gênio criador da política do Futuro(...) Era Mussolini. Esse homem criara a Nova Itália(...)".
O que tentamos afirmar aqui é que, mesmo considerando esta forte influência da ideologia e práxis fascista, não devemos desconsiderar os aspectos internos brasileiros que proporcionaram o aparecimento deste movimento. Além disso, devemos lembrar que nenhuma ideologia, seja qual for, é compreendida da mesma forma em diferentes realidades históricas. Desta forma, entendemos que o melhor seria entender a AIB como a soma de um ideário fascista ? interpretado de modo singular pelos intelectuais integralistas brasileiros ? e de uma realidade político-social brasileira específica ? propícia ao desenvolvimento deste ideário.
Politicamente falando, o integralismo era contrário à pluralidade dos partidos e possuía um preconceito enorme quanto à representatividade individual. Além disso, o chefe da nação deveria ser o baluarte de um Estado Integral, onde poderia ser ajudado por órgãos representativos, porém consultivos.
Por fim, devemos entender o movimento integralista como algo além de uma organização política. A AIB possuía uma forte doutrina cultural. Como afirma Boris Fausto: "(...) sua ênfase maior se encontrava na tomada de consciência do valor espiritual da nação, assentado em princípios unificadores: Deus, Pátria e Família - era o lema do movimento".
A importância deste movimento para o tema aqui proposto é que a AIB será um dos fatores que desencadearão o movimento aliancista. Este último levantará a bandeira do antifascismo e travará diversas batalhas, literalmente, com os "camisas verdes" de Plínio Salgado.
Em relação ao tenentismo, apesar de ser um movimento geralmente situado na década de 1920 e de não constituir num partido político organizado, parece-nos importante uma rápida análise por um motivo fundamental: suas idéias e quadros, dissidentes ou não, fizeram parte da política brasileira após 1930 no âmbito governamental e estiveram presentes na composição do movimento estudado neste trabalho ? A Aliança Nacional Libertadora.
Entender, pois, as principais características do tenentismo, mesmo que de modo conciso, nos ajudará a compreender a futura composição aliancista.
Ao falar sobre a natureza tenentista, Décio A.M Saes afirma que ela é antipopular. Esta análise se deve a uma particularidade deste movimento, pois apesar de ser antioligárquica era profundamente elitista. Sônia Regina de Mendonça complementa:

"Os tenentes apresentavam um programa de traços autoritários e nacionalistas, defendendo a maior centralização do Estado, a uniformização legislativa e o ataque à oligarquia paulista(...) Já quanto às camadas populares urbanas, se por um lado o tenentismo tornara-se um catalisador das esperanças de alteração da ordem vigente, por outro, ao auto-identificarem-se como o agente da salvação nacional em nome e no lugar do povo inerme, deixava claras as razões de sua precária vinculação com tais setores".

Um aspecto de fundamental importância para se compreender a influência do movimento tenentista é a sua característica de utilizar o golpismo como instrumento político. Para muitos, tal aspecto será, de certa forma, importante para a análise do movimento de novembro de 1935 , conhecido como "Intentona Comunista", e até do Golpe Militar de 1964 .
Após uma cisão por volta da "Revolução de 1930" , os "tenentes" que apoiaram Getulio Vargas passaram a fazer parte do governo. Devido à popularidade que gozavam, foram utilizados como instrumento de luta contra o predomínio das oligarquias estaduais, sobretudo no Nordeste. No entanto, para governar, muitos interventores tiveram que fazer alianças com estas elites dos seus respectivos estados.
Com o passar do tempo, muitos elementos do tenentismo que apoiaram Vargas se decepcionaram e acabaram procurando novos rumos. Alguns seguiram o caminho da direita, sobretudo o integralismo, e outros seguiram o caminho da esquerda ? o PCB e a ANL.
Neste meio tempo ? entre 1930 e 1935 ? formou-se o Clube 3 de Outubro. Este seria o ponto de referência do tenentismo pós-30. Segundo Anita Leocádia Prestes: "O Clube 3 de Outubro foi uma entidade criada pela cúpula governista que, contando com a participação tenentista, buscou formas de neutralizar as resistências oligárquicas aos desígnos do novo grupo no poder". Isto revela o grau de desintegração que o tenentismo se encontrava neste período.


1.3 ? Classes Sociais

O objetivo desta parte é definir o conceito aqui utilizado de categorias sociais como classes médias, proletariado, burguesia industrial, oligarquia e campesinato. Além disto, tentaremos situar a forma como estes grupos se encontram no período analisado por este trabalho.
Utilizaremos o conceito de classe social sob uma perspectiva marxista. Ou seja, a classe social é definida por seu lugar na divisão "social" do trabalho.
O grupo que apresenta as maiores dificuldades pra sua definição é, sem dúvidas, a classe média. Na verdade existem "as classes médias". Este grupo surge ligado ao processo de urbanização e industrialização. Estão presentes, em geral, nas grandes cidades.
Neste trabalho utilizaremos classe média para identificar os elementos urbanos que, fundamentalmente não pertencem ao grupo dos trabalhadores manuais e, portanto, estão fora do universo da produção em geral. Seriam "trabalhadores assalariados dos serviços urbanos (bancos, comércio, propaganda, transporte, comunicação) e da administração das empresas industriais, funcionários do Estado, civis e militares, profissionais liberais".
Seu caráter heterogêneo nos serve de pista para entender uma outra característica marcante ? a ambigüidade. Dizemos isto porque sua ideologia era difusa, ora aproximando-se da classe dominante, ora das classes populares.
Ilustrando esta situação, encontramos uma grande quantidade de elementos da classe média apoiando o governo, entre os integralistas e entre os aliancistas.
Segundo Leila Hernandez, podemos separar a classe média em dois grandes grupos: a classe média alta, cuja posição política é mais "liberalizante" e a classe média baixa, com idéias mais "reformistas". O primeiro grupo era formado pelo funcionalismo público, por gerentes de bancos e profissionais liberais. Já o segundo grupo seria formado pelos bancários, comerciários e pelo "baixo" funcionalismo público.
Porém, grosso modo, este grupo reivindicava maior participação política na sociedade brasileira, numa estrutura marcada pelo predomínio das elites, seja agrária ou industrial.
Já o proletariado é aquele trabalhador manual comumente associado à indústria e aos grandes centros urbanos. Partindo do princípio que na primeira metade da década de 1930 o Brasil era um país predominantemente rural e que o parque industrial era localizado e pequeno, concluímos que o número de proletários era reduzido.
A organização deste grupo se dava geralmente nas empresas, com objetivos imediatos, geralmente econômicos, em torno das greves. Sobre o movimento operário Sônia Regina de Mendonça diz que seu caráter é "parcial e limitado, representando um pequeno setor no todo da população do país, ilhado nas poucas grandes capitais em processo de industrialização" .
A inclinação política deste grupo variou do anarquismo e do anarco-sindicalismo, influenciados pelos imigrantes, e comunista, após a fundação do PCB. Aliás, a presença de estrangeiros é uma grande marca deste proletariado industrial, geralmente já capacitado para este tipo de ofício. Como afirma Carone, no entanto, "a dissociação ideológica não impede a consciência sindical, o que leva anarquistas, socialistas e comunistas a se unirem em trabalho comum". Devido a esta opção política, esta classe enfrentava forte oposição das classes dominantes.
Com Vargas no poder, através de uma política sindicalista e trabalhista, foi substituída a estratégia anterior de "questão de polícia" ? para referir-se ao tratamento utilizado contra as reivindicações deste grupo ? para uma posição onde o governo fazia a troca de benefícios sociais pela ordem social.
Quanto à burguesia industrial era composta pelos grandes industriais, sobretudo de São Paulo. O interessante é notar que a classe burguesa no Brasil não seguiu o modelo marxista, pois ela não nasce como uma classe revolucionária devido à singularidade histórica da América Latina e do capitalismo existente neste lugar.
Em relação às oligarquias aqui tratadas, nos referimos à classe que representa os interesses do setor agro-exportador. Ligados a terra, estas oligarquias são muito fortes na região nordeste.
Os dois grupos representam a classe dominante na sociedade brasileira neste período analisado.
Na América Latina em geral, com o capitalismo periférico e dependente, o setor industrial se desenvolveu ligada ao setor primário. Ou seja, "o desenvolvimento do setor primário propiciava (...) o aparecimento de um setor de beneficiamento destas mercadorias exportáveis e uma indústria de bens de consumo populares (indústria alimentícia e têxtil)".
Desta forma, mesmo possuindo posições políticas e econômicas diferentes e até antagônicas, estas duas classes dominantes tiveram de conviver juntas, pois a desgraça de um afetava o outro. Em geral ambas participavam, de alguma forma, do governo.
O que nos importa neste momento é delimitar que ambas as classes eram conservadoras. Cada uma certamente desejava ter mais poder do que a outra. No entanto, no que se refere ao medo das pressões populares os dois equivaliam-se. Esta definição nos basta por enquanto.
Por fim, quando falamos em campesinato nos referimos aos trabalhadores rurais. Certamente, trata-se do grupo social mais excluído na sociedade brasileira até os dias atuais. E não era diferente naquela época. Com posições políticas não definidas estruturalmente, os camponeses eram homogêneos em um aspecto ? a miséria. O brasilianista Robert Levine descreveu a situação vivida por estas pessoas:

"A maioria dos brasileiros da zona rural morava em cabanas de sapé sem encanamento nem eletricidade (...) Não eram consumidores e sua expectativa de vida não excedia quatro décadas. A taxa de mortalidade infantil estava entre as mais altas do mundo (...) Nas cidades e vilarejos do interior, as condições eram pouco melhores. Porcos perambulavam pelas ruas de terra batida vasculhando o lixo. Cães esquálidos vagavam (...) Nessas cidades havia um pequeno número de gente educada e bem de vida, mas quase nunca um médico ou dentista. A legislação de Vargas teve pouco impacto no interior".

Não obstante, a situação deplorável que se encontrava não foi suficiente pra que este grupo se organizasse politicamente. Este traço particular nos ajuda a entender os motivos que fazem este grupo um ícone da exploração até hoje.
Este é, grosso modo, a estrutura social brasileira na primeira metade da década de 1930. A partir deste quadro vamos dar início, de fato, ao estudo do ambiente, internacional e nacional, em que se formou os preparativos da ANL.


1.4 ? Contexto Internacional

Tentaremos aqui, indicar os principais acontecimentos que, de alguma forma, apresentaram reflexos no Brasil e no nosso tema estudado ? a ascensão do nazi-fascismo e a conseqüente reação da Internacional Comunista.
Ao terminar a Primeira Guerra Mundial, o mundo percebeu que o Capitalismo, apoiado no pensamento liberal, não era tão maravilhoso como alguns imaginavam. Segundo Hobsbawm, "o velho liberalismo estava morto, ou parecia condenado". Somado a isso, a Revolução Russa demonstrou que o Capitalismo não era a única opção disponível para a humanidade. Um novo modelo se apresentava como "real" ? o Socialismo.
A situação crítica que se encontrava a Europa após a guerra concorreu para o surgimento de ideologias políticas autoritárias que se apresentavam como solução para todos os males. O fascismo e sua versão alemã ? o nazismo ? são as maiores expressões deste quadro.
Além da situação econômica, outros fatores desencadearam o desenvolvimento destas ideologias. O nacionalismo é apontado como o elemento mais importante para se compreender este quadro. Mas para Hobsbawm, existem outros fatores mais importantes do que estes para se compreender o sucesso do fascismo. Para ele:

"A ascensão da direita radical após a Primeira Guerra Mundial foi sem dúvida uma resposta ao perigo, na verdade à realidade, da revolução social do poder operário em geral, e à Revolução de Outubro e ao leninismo em particular. Sem esses, não haveria havido fascismo algum, pois embora os demagógicos ultradireitistas tivessem sido politicamente barulhentos e agressivos em vários países europeus desde o fim do século XIX, quase sempre haviam sido mantidos sob controle antes de 1914. Sob esse aspecto, os apologetas do fascismo provavelmente têm razão quando afirmam que Lenin engendrou Mussolini e Hitler".

Portanto, forças de esquerda, nacionalismo e crise do liberalismo compuseram ingredientes fundamentais para que o "bolo" fascista fosse possível.
No caso italiano, a frustração em não conquistar alguns territórios desejados, somado às perdas obtidas durante a guerra criaram um ambiente fértil para a ascensão do regime de Mussolini. Greves e rebeliões em toda a parte demonstravam a situação social do país. A burguesia então, receosa com o clima revolucionário, acabou apoiando aqueles que representavam uma opção política com a força e a capacidade necessária para controlar esta situação ? os fascistas.
Depois de tentativas frustradas de tentar chegar ao poder por vias legais, em 1919, Mussolini percebeu que outra via era possível, e assim o fez. Com o agravamento da situação no país, mais grupos demonstravam apoio ao fascismo. Em 1922, Mussolini chegava ao poder para três anos depois eliminar a oposição e estabelecer o seu regime totalitário.
Por coincidência, no mesmo ano que se consolidou o regime fascista na Itália, Hitler lançava seu livro - Minha Luta ? onde desenvolvia suas teorias raciais e dava corpo à futura ideologia nazista. Sua obsessão pela pureza da raça, seu ódio aos judeus e seu nacionalismo exacerbado foram suas marcas, além de um gênio político-militar que poucos ousaram reconhecer. O desejo de um Império Alemão Central composto apenas daqueles pertencentes à "raça superior ariana" foi um objetivo buscado até a sua morte.
No meio tempo entre o fascismo italiano e o nazismo alemão ocorreu o crack da Bolsa de Nova York. De fato, o estrago que tal fenômeno provocou pode ser sentido na estimativa de que, de 1929 até 1933, o comércio mundial reduziu-se a um terço de seu valor. Não nos cabe descrever todos os fatores que desencadearam a crise, nem as linhas de interpretação desta. Por isto, o importante é entender o quanto este colapso modificou as relações econômicas, políticas e sociais de todos aqueles países que se encontravam ligados no comércio mundial.
O ambiente político e econômico em que se deu o surgimento e o desenvolvimento dos nazistas na Alemanha foi semelhante àquele visto na Itália fascista. No entanto, após investimentos norte-americanos no pós-guerra a Alemanha se recuperou economicamente. O fato principal que veio ajudar em muito a ascensão de Hitler foi a Crise de 1929. A partir daí, o estabelecimento do regime nazista na Alemanha se deu de forma meteórica. Já em 1933, em poucas semanas Hitler passou de Chanceler para Führer.
Com este quadro, a oposição nazi-fascista representada pelos comunistas teria que fazer algo. E fizeram. Cabe salientar, no entanto, que o esforço mundial antifascista não era privilégio dos comunistas. Uma vez que o discurso fascista colocava tanto socialistas e comunistas quanto
liberais e democratas como inimigos, coube a estes grupos a tarefa de unir-se contra este regime totalitário. Nos parece, porém, que os esforços dos comunistas, nas palavras de Hobsbawm, foram mais "sistemáticos" e "eficientes" neste sentido.
Veremos agora a mudança de linha estratégica dos comunistas.
A IC no seu VI Congresso (1928) definiu uma tática e "frente única pela base". Isto refletiu na política de alianças, pois "segundo essa política, os social-democratas aproximavam-se do fascismo, na medida que sua postura política fortalecia a manutenção do Estado burguês". Ou seja, esta doutrina previa uma política de "classe contra classe", o que de certa forma isolou os comunistas.
Entretanto, a ascensão do nazi-fascismo estimulou o sentimento de que era necessária uma união de forças contra este mal e que a revolução proletária devia ficar em segundo plano. O essencial agora seria a luta antifascista.
A subida de Hitler, em 1933, marcou o início do predomínio da corrente doutrinária das "frentes únicas". Seu maior defensor era o dirigente comunista búlgaro J. Dimítrov, que seria o presidente da IC na ocasião do VII Congresso (1935). Nesta citação, ficamos sabendo mais sobre suas idéias:

"(...) Dimítrov define o governo de frente única ?como um órgão de colaboração da vanguarda revolucionária do proletariado com os outros partidos antifascistas no interesse de todo o povo trabalhador?, cuja formação só é possível em condições de crise política, quando ?o aparelho estatal da burguesia já se desorganizou e paralisou? e uma parte da social-democracia exige ?medidas contra os fascistas e demais reacionários?, mas num momento em que as massas trabalhadoras ainda não estão prontas pra a revolução soviética (...) o governo frentista deve realizar ? para além dos ?limites da democracia burguesa? ? uma série de reivindicações revolucionárias fundamentais, constituiu ?uma das mais importantes formas de transição à revolução proletária(...)".

Após este VII Congresso, a relação entre os partidos comunistas e a IC ficou mais estreita. Desta forma, a política de frentes únicas passou a ser uma missão em todos os países que haviam partidos comunistas ligados ao Kominter.


1.5 ? Contexto Brasileiro

Nesta parte, daremos ênfase aos aspectos políticos e sociais que influenciaram direta ou indiretamente a formação de uma frente única nos moldes da ANL.
Os desencantos com a Aliança Liberal, os problemas sociais, o antifascismo, o antiimperialismo e as organizações "pré-ANL", oriundas destas correntes, serão discutidos rapidamente abaixo.
Após a Crise de 1929 e a conseqüente crise econômica brasileira, fruto da dependência brutal do setor agro-exportador, sobretudo do café, criou-se um quadro de instabilidade que foi muito "bem aproveitado" por Vargas.
Não pretendemos reproduzir aqui a já desgastada descrição dos acontecimentos e dos personagens que compõe a polêmica "Revolução de 1930". O único pensamento que defendemos é 1930 passou longe de uma "revolução", mesmo considerando algumas transformações ocorridas com a ascensão de Vargas.
Uma vasta historiografia já se preocupou com a tal discussão sobre o caráter da Revolução de 1930. Parece-nos desnecessário citar um a um a tese dos principais autores. No entanto, alguns conceitos desenvolvidos para entender este momento merecem destaque.
Defendendo o conceito conhecido como "vazio hegemônico" ou "vazio do poder", Boris Fausto argumentou que a oligarquia agrária e a burguesia industrial não se encontravam em condições de impor sua hegemonia, pois, os primeiros haviam caído numa crise econômica terrível devido ao colapso do modelo agro-exportador, sobretudo após a Crise de 1929, e a burguesia industrial ainda seria "fraca" para assumir o papel de comandar a política brasileira naquele momento. Esta posição costuma ser a mais utilizada para se compreender o processo político deste período. O mesmo autor tam bem desenvolve o conceito de "Estado de Compromisso". Ou seja, teria se estabelecido uma paz social, onde as diferenças de classe seriam esquecidas, com a intensão de levar o Brasil ao "progresso", isto é, a industrialização. Todo o país teria se unido num compromisso comum de modernização e todos os esforços foram feitos em benefício de uma nação próspera.
Seguindo um caminho diferente, Edgard De Decca provocou polêmica ao criticar profundamente a produção historiográfica sobre a Revolução de 1930. Segundo ele, a introdução de 1930 como marco histórico é um discurso ideológico que atende a expectativa de suprimir a luta de classes existente neste período. O autor diz que o cerne da questão do tema de 1930 ocorre em 1928/29, quando se apresentam diversas alternativas de revolução. As alternativas, sobretudo proletárias (do BOC), foram silenciadas em nome de uma suposta união em torno do arcabouço ideológico da burguesia industrial. Desejosos de se alojar na estrutura do Estado, esta classe idealizou um conjunto de crenças, valores, objetivos (como industrialização, progresso etc) a fim de silenciar os demais projetos, em nome de um projeto de "nação". A crítica feita por De Decca à historiografia sobre a Revolução de 1930, portanto, refere-se à armadilha em que muitos intelectuais caíram ao reproduzirem o discurso ideológico desenvolvido pela burguesia industrial, silenciando projetos revolucionários, enfim, silenciando os vencidos, dando voz aos vencedores. Dotada de uma forte fundamentação teórica e de um belo texto, a tese desenvolvida por De Decca, no entanto, sofre ainda muito preconceito no meio acadêmico exatamente porque vai na contramão da historiografia tradicional sobre 1930. Polêmicas à parte, é um trabalho que merece ser conhecido.
Feito este parêntese, o que importa mesmo para o nosso tema é analisar as conseqüências políticas e sociais que a ascensão de Vargas provocou.
A principal delas pode ser vista nos jornais da época. Já em 1931 se escrevia que: "Uma grande desilusão, um profundo descontentamento vai invadindo o espírito daqueles que superestimavam o alcance do movimento de outubro".
Uma onda de greves assolou o país. Além disso, o desemprego se estendia, criando uma atmosfera de indignação com o governo. Estima-se que havia cerca de 2 milhões de desempregados no Brasil, em 1931.
É lugar comum dizer que em 1933, o Brasil recuperou-se do impacto da Crise de 1929, o que acabou refletindo num clima de apaziguamento entre a população. No entanto, era "uma paz suspeita, pois há fogo entre as cinzas".
Os problemas sociais não foram solucionados. Muito foi dito no sentido de colocar a política trabalhista de Vargas como amenizador dos conflitos sociais, garantindo, ou tentando, a chamada "paz social". A política trabalhista de Vargas pouco foi sentida neste momento. Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Comércio do Estados Unidos revelou que:

"Trabalhadores qualificados ganhavam 8 mil-réis por dia, o que equivalia a 56 centavos de dólar. A maioria dos trabalhadores não ganhava essa quantia (...) As famílias desses trabalhadores tinham em média cinco dependentes, e eram muitas vezes obrigadas a viver com o equivalente a catorze dólares por mês. Era comum homens e mulheres trabalharem sem sapatos ou meias, por não os terem."

Era país com uma profunda desigualdade social. Levine descrevia este triste quadro:

"O interior, rural, dominado por uma estrutura social de decadente monocultura, vegetava, mal pressentindo a existência de um outro Brasil, urbano. Do mundo exterior, nada ou quase nada sabia.
Malária, esquistossomose, doença de Chagas, beribéri, peste bubônica, varíola, tifo e parasitas intestinais devastam o interior e faziam até esporádicas aparições nos centros urbanos. A dieta das classes baixas, na sua monotonia de feijão-preto, farinha de mandioca e carne de sol ou charque, raras vezes tinha mais de duzentas calorias por dia".

Em 1934, as greves retornaram. Segundo Ricardo Antunes, isto se deu em relação direta com o momento político vigente, de maior "liberdade" devido aos preparativos da Constituinte.
Antigos participantes da Revolução de 1930 começaram a romper com Vargas, diante da traição dos ideais da Aliança Liberal. Hercolino Cascardo foi um deles. O futuro presidente da Aliança Nacional Libertadora dizia a Vargas que a causa defendida na "revolução" feita por eles estava perdida.
Somado a esta situação, começaram a surgir manifestações contrárias ao fascismo, tendo como representação brasileira o "antiintegralismo".
A Frente Única Antifascista foi criada em 1933, em São Paulo. Apesar de ter sido um movimento iniciado por trotskistas e organizações socialistas, ele continha "todas as correntes do movimento operário e de camadas de intelectuais nacionais e emigrados, organismos sindicais, enfim, cidadãos de todas as tendências".
Neste mesmo ano, foi criado o "Comitê Antiguerreiro" (Comitê de Luta contra a Guerra Imperialista, a Reação e o Fascismo). No Maranhão surgiu a Liga Antifascista.
Diversos encontros e publicações em jornais expressam a luta antifascista no Brasil. Muitas manifestações eram duramente reprimidas pela polícia e o confronto com os integralistas era comum.
Neste conturbado quadro surge a Comissão Jurídica e Popular de Inquérito, principal precursor da ANL, "visando apurar os casos de desaparecimento de militantes antifascistas e de violências praticadas pela polícia e pelos integralistas".
Por fim, não podemos esquecer de um movimento que também começou a ganhar força, sobretudo após a crise econômica. O antiimperialismo era a expressão de uma idéia de que a miséria do país era conseqüência direta da presença estrangeira no Brasil. A Light , por exemplo, era visto como um ícone do imperialismo e, portanto, foi alvo dos principais protestos.
Antes de descrever todos estes movimentos, datas, nomes etc, o que nos importa aqui é evidenciar a atmosfera de organização antifascista. As forças de esquerda iniciaram um esforço comum, influenciadas pelas questões internacionais e pelo quadro social brasileiro, no sentido de criar uma frente única que pudesse ter alguma força para que suas reivindicações fossem atendidas.
O universo de insatisfação no país, a luta antifascista, o antiimperialismo e a política de frentes únicas estão inter-relacionadas e servem como explicação para entendermos em que condição nasceu a idéia da Aliança Nacional Libertadora.



Capítulo 2

ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA: COMPOSIÇÃO POLÍTICO-SOCIAL E RELAÇÕES COM O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL


2.1 ? Considerações iniciais


Nesta parte do nosso estudo, vamos trabalhar diretamente com nossas fontes. Além disto, para tentar elucidar o nosso objeto ? a relação entre ANL e PCB -, consideramos importante analisar a composição política e social do movimento aliancista.
Não obstante, a idéia que permeia todo o nosso trabalho diz respeito às diferentes fases pelo qual passou esta relação ? ANL-PCB. Em nossa análise, distinguimos três fases: a primeira se refere à formação do movimento aliancista, até março de 1935; o segundo momento abrange boa parte do período legal da ANL, de março a junho do mesmo ano; por fim, a terceira fase é marcada pela data do lançamento do manifesto de 5 de julho, de autoria de Luiz Carlos Prestes, até os acontecimentos de Novembro, conhecido como "Intentona Comunista".
Por hora, nos limitaremos a distinguir estas três fases. No decorrer deste estudo elas serão devidamente caracterizadas, sempre de acordo com o objeto analisado.


2.2 ? A Formação da ANL: primeira fase


Vimos no capítulo anterior o ambiente interno e externo que ocorreu os preparativos para a ascensão do movimento aliancista. A historiografia tradicional, seduzida a definir uma ou algumas "causas" para o surgimento de determinados acontecimentos históricos, não será reproduzida por nós. A idéia de causa e conseqüência nos parece ultrapassada em seu argumento. Seria ingênuo supor que a ANL surgiu por causa de apenas um fator, como a "transposição" da política de "frentes únicas" da IC ou para ser um instrumento legal nas mãos do PCB. Uma série enorme de fatores, associados a um singular contexto histórico, nos serve de guia para compreender a ascensão aliancista. Contudo, não postularemos a verdade dos fatos. Até porque isto jamais será possível. As discussões levantadas em nosso trabalho, assim esperamos, devem ser consideradas um ponto de partida.
Nesta primeira fase, até o lançamento oficial da ANL, em 30 de março de 1935, as relações entre o movimento aliancista e o PCB se deram na esfera das influências. Isto é, o Partido Comunista do Brasil era um dos diversos componentes que, juntos, formaram a Aliança Nacional Libertadora. Como ignorar a participação de elementos oriundos do tenentismo, de ex-getulistas, das camadas médias urbanas e até de ex-integralistas na ANL?
A afirmação de que o PCB fundou a ANL parece tentadora. Os documentos oficiais não dizem outra coisa . Alguns documentos do PCB, após a explosão da Aliança como um movimento de massas, também insistem em garantir o status de "criador" da ANL . Entretanto, veremos mais tarde que esta documentação pode nos trazer inúmeras armadilhas. E por este motivo devem ser "desmascaradas" em seu discurso. Mas esta é uma discussão futura.
A idéia de relacionar a ANL como uma criação do PCB subestima a interferência dos outros grupos envolvidos no movimento aliancista. De fato, sabemos que a singularidade da Aliança Nacional Libertadora, o seu aspecto envolvente, é a sua heterogeneidade, salientada por quase todos os estudiosos do tema.
Os grupos envolvidos desde a formação da Aliança possuem aspirações e objetivos dos mais diversos. E foi a força destes grupos que, somado com a iniciativa comunista, esteve presente na formação da ANL.
Devemos ter muito cuidado quando reduzimos o movimento aliancista, como querem muitos, a uma pura e simples conseqüência da linha de Frente Única adotada por Dimitrov (já exposta no capítulo anterior). O pacto simbólico realizado entre a idéia aliancista e seus adeptos não pode ser visto como uma relação unilateral. Isto porque sabemos que, na verdade, quando um indivíduo adere a um movimento voluntariamente, ele busca alcançar alguma finalidade prática. Neste caso, então, ocorre uma troca entre o movimento e seus adeptos, cada qual com os seus objetivos. A ANL, se não contasse com o apoio popular, seria insignificante. Por outro lado, o apoio das massas à Aliança só pode ser entendido como fruto de uma expectativa, que por sua vez é conseqüência de um contexto específico vivido por estas pessoas . O que fez estas pessoas buscarem abraçar as idéias aliancistas não foram as idéias de Dimitrov, e sim o contrário. Então, a idéia de Frente Única serve-nos para entender os motivos que levaram elementos comunistas a cooptarem a classe média, os ex-tenentes e ex-getulistas. Entretanto, a política de Frente Única não nos serve para compreender o porquê destes segmentos aceitarem formar uma frente única com os comunistas. A ANL não será completamente entendida, portanto, se deixarmos de fora tal discussão: o que levou as massas a aderirem a ANL? E mais, esta troca nos permite afirmar que tão importante quanto o contexto internacional ? de luta contra o nazi-fascismo e de formação de Frentes Únicas ? é o contexto nacional, que permitiu a consolidação e propagação destas idéias em nosso país. Entender, pois, este contexto e compreender os anseios dos grupos que apoiaram a ANL são, em nossa análise, fundamentais para acabar definitivamente com a redução do movimento aliancista a um movimento de fachada comunista. A heterogeneidade de seus quadros e adeptos e suas diferenças de pensamento com os comunistas nos mostram que a discussão é muito mais complexa do que esta afirmativa.
Muito se discute acerca da data da fundação "extra-oficial" da ANL. Para alguns, os movimentos ocorridos no ano de 1934, citados no capítulo anterior, juntaram-se em torno da plataforma aliancista. Fato é que no dia 17 de janeiro de 1935, o deputado Gilberto Gabeira, em discurso na Câmara, lê o que é considerado como o primeiro manifesto da Aliança Nacional Libertadora:

"Cresce a indignação do povo contra a escravidão econômica e política em que se encontra o Brasil. Estalam as algemas que prendem as forças produtivas e as energias nacionais do povo brasileiro: o imperialismo e o latifúndio. (...) As massas populares irão sempre avante na luta pela democracia; as leis de opressão e arrocho vêm estimular e aguçar as lutas pelas liberdades democráticas. A Aliança Nacional Libertadora coordenará este vasto movimento, eco de todo o passado revolucionário do Brasil na conquista dos direitos democráticos"

O estopim para que todos os movimentos que se moviam em torno do antifascismo, do antiimperialismo e do antilatifundismo se juntassem numa frente única englobando estes três aspectos foi a Lei de Segurança Nacional. Em janeiro de 1935, a Comissão Jurídica e Popular de Inquérito (C.J.P.I.) e a ANL fizeram juntas um comunicado alertando para os males da chamada "Lei Monstro" na "democracia" brasileira.
Ainda em janeiro de 1935, em entrevista a um jornal, elementos da ANL reprovavam a idéia de ser comparado a um partido político. A Aliança Nacional Libertadora devia ser vista como "um amplo movimento popular nascido na necessidade em que se acham os brasileiros de emanciparem-se economicamente do jugo estrangeiro e de libertarem-se da lei monstro, já em votação no parlamento".
É importante lembrar também, as inúmeras greves que ressurgiram com muita força em meados de 1934. No ano de 1935, no entanto, as reivindicações operárias somavam-se com uma dimensão política, provocando uma atmosfera nova, perigosa para o governo . As previsões pessimistas de Vargas haviam sido confirmadas mais cedo do que ele imaginou.
O brazilianista Robert Levine sustenta a idéia de que no dia 01 de março de 1935 houve uma reunião onde se estabeleceu o programa da ANL, assim como o endereço (Av. Almirante Barroso, n°1 ? antes ocupado pelo clube 3 de Outubro) e estabelecido as contribuições (50$000, 20$000 e 10$000). Na imprensa, esta reunião é datada de 12 de março. E de fato, após esta sessão, em 21 de março é lançado o estatuto da ANL .
Alguns dias depois, o Partido Comunista do Brasil, através do jornal A Classe Operária, divulgou a sua posição em relação à ANL. Posição esta que caracteriza esta primeira fase (segundo a nossa divisão). Sob o título Por que apoiamos a Aliança nacional Libertadora, os comunistas mostram os motivos pelo qual eles apóiam o movimento aliancista. No entanto, sempre ressaltando que o único partido que possui condições para conduzir as massas e o proletariado em geral é o Partido Comunista.

"Um grupo de intelectuais médicos, engenheiros, advogados, professores, de oficiais do Exército e da Marinha, de representantes de organizações proletárias, de soldados, marinheiros, camponeses, estudantes, acaba de lançar o manifesto da Aliança Nacional Libertadora. O PCB (...) apóia a Aliança Nacional Libertadora porque ela se propõe realizar a aliança operária e camponesa contra a opressão latifundiária e imperialista"

No dia 30 de março de 1935, a ANL foi lançada oficialmente. A reunião foi feita no teatro João Caetano, na Capital Federal, reunindo de duas a três mil pessoas. Todos os jornais noticiaram o evento. O jornal comunista, alguns dias depois, reiterou a posição do partido em apenas apoiar o movimento aliancista. Desta forma, a comparação da ANL com os comunistas era, neste momento, desprezada e até repudiada. Neste trecho fica claro a posição do PCB:

"O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (S. da IC), único partido revolucionário do proletariado, já explicou amplamente porque apóia a ANL. O Partido não adere e nunca aderirá à ANL. O Partido está de acordo com as reivindicações constantes do programa da ANL e retirará seu apoio, desmascará perante o
proletariado e as massas populares o papel contra-revolucionário ou fascista da ANL ou de qualquer outra organização semelhante se ela deixar de defender as reivindicações e interesses das massas. O Partido retirará todo o seu apoio à ANL se esta se converter em partido e visar a conquista do poder político como finalidade. É nestas condições que o Partido continua dando o seu apoio à ANL, esclarecendo sempre a distância que existe entre esta e a organização do Partido"

Neste discurso, fica claro a diferença entre o pensamento dos comunistas brasileiros e o pensamento aliancista. Enquanto os primeiros tomam para si o papel de único capacitado para dirigir a revolução, que deve ser feita o quanto antes, os últimos defendem um programa universal em que todos podem e devem colaborar e o poder político não é uma finalidade. Quando confrontamos os dois discursos, percebemos claramente que a hipótese de "criação" da ANL pelo PCB carece de elementos concretos, visto que seus pensamentos e objetivos, sem contar os grupos sociais que o apóiam, são notadamente distintos.
Antes de entrarmos na discussão acerca dos propósitos dos aliancista, vamos ver quem eram os principais dirigentes da ANL. Hercolino Cascardo era o presidente. O Capitão da Marinha havia liderado a rebelião do encouraçado São Paulo, contra o governo de Arthur Bernardes, em 1924. Seduzido pela Aliança Liberal, aproximou-se de Vargas e acabou interventor no Nordeste. Desiludido com os rumos da "Revolução de 1930", acabou se tornando o dirigente máximo da Aliança Nacional Libertadora. Era membro da direção do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que apoiou a ANL. Roberto Henrique Sisson era o secretário-geral. O Comandante da Marinha era considerado o diretor mais ativo e o elo de ligação com o PCB. Amorety Osório era o vice-presidente. Era um homem de negócios que se identificava com a ala mais radical do movimento tenentista.



Além dos três fundadores militares, assinaram o Manifesto-Programa da ANL: o jornalista gaúcho Benjamim Soares Cabelo, elemento do Partido Libertador do Rio Grande do Sul; o médico Manuel Venâncio Campos da Paz; e o advogado Francisco Mangabeira, filho do deputado federal João Mangabeira e irmão do deputado e Ministro das relações Exteriores de Washington Luís ? Otávio Mangabeira. Era membro da direção do PSB Todos vindos de tradicionais famílias, expressam bem a diversidade social da Aliança.
O Diretório Nacional da ANL também tinha: André Triffino Corrêa, militante do PCB; Carlos da Costa Leite; Walfredo Caldas; o intelectual e deputado Abguar Bastos, identificado com o PCB; Armando Leydner; Marcello Curvello de Mendonça; Horácio Valladares; Antônio Rodrigues Gouveia; Fernando Muniz Freire; Carlos Schüller; Antonio Rollenberg; e José Augusto de Medeiros.
Em São Paulo, a direção estava em mãos de Miguel Costa, do historiador Caio Prado Júnior e de Abguar Bastos. No Rio Grande do Sul, em mãos do Capitão do Exército Agildo Barata e do médico e escritor Dyonélio Machado. No Nordeste, Sylo Meirelles, membro do comitê central, o aluno da Escola Militar de Realengo Agliberto Vieira de Azevedo e o camponês Gregório Bezerra.
Os nomes nos revelam um fato: a maioria dos seus membros diretores eram originários do movimento tenentista, muito mais do que do PCB.
Quais eram as críticas e as propostas da ANL, no momento de sua formação? Antes, é importante observar que os objetivos da ANL vão se transformando na medida em que o tempo vai passando. O movimento vai se radicalizando de acordo com a maior influência dos comunistas. Veremos mais tarde.
No seu Manifesto-Programa, logo no título podemos perceber as linhas principais que irão nortear os objetivos da ANL neste momento. Dirigindo-se ao "povo brasileiro", o título diz: "Pela salvação nacional! Nós queremos o cancelamento das dívidas imperialistas; a nacionalização das empresas imperialistas; a liberdade em toda a sua plenitude; o direito do povo ? aumentando os salários e ordenados de todos os operários, empregados e funcionários".
O imperialismo é duramente atacado no manifesto. O latifúndio, associado ao imperialismo, também é alvo das críticas aliancistas. O capital estrangeiro é visto como responsável pelas mazelas do povo brasileiro, como o analfabetismo e a fome. Além das reivindicações expressas no título do Manifesto-Programa, a ANL proclama a reforma agrária; a anulação das dívidas agrícolas e outros tributos que prejudiquem as camadas camponesas; a utilização do capital gerado pelas empresas estrangeiras em benefício da população brasileira; a diminuição dos impostos; uma política efetiva de proteção aos trabalhadores; e desenvolvimento da saúde pública.
Notemos algo importante. Diferente daqueles que imaginam ser a Aliança Nacional Libertadora uma representação, pura e simples, da política de "Frente Única" da Internacional Comunista ? pautado, sobretudo, pelo antifascismo -, o discurso aliancista, tanto em sua primeira manifestação na Assembléia Legislativa, quanto no seu Manifesto-Programa, não apresenta o antifascismo como fulcro de seus ideais. Pelo contrário, o confronto com o fascismo apenas aparece na medida em que os confrontos com os integralistas se intensificam, de acordo com a radicalização do movimento. A idéia de que a ANL se caracteriza como um movimento antifascista brasileiro carece de elementos concretos . Os documentos aliancistas iniciais não nos permitem afirmar tal coisa.
Sem dúvidas, percebemos a presença de elementos herdados do discurso comunista na ANL quando ela utiliza expressões como o feudalismo, para caracterizar a situação brasileira. Por outro lado, o discurso dirigido ao operário ? sustentáculo do pensamento comunista ? é tímido, não obtendo grandes atenções, e sim, sendo apenas uma das inúmeras preocupações da ANL neste momento. A questão do poder e da luta armada ? centrais no discurso comunista ? também não foi abordado nesta primeira fase.
Em conformidade com que abordamos no início desta parte, podemos notar a ênfase aliancista nos problemas brasileiros. Este é, em nossa visão, o principal motivo pelo qual inúmeros grupos se uniram neste movimento. Todos buscavam a solução destes males.


2.3 ? A ANL na legalidade: segunda fase


Este período está cronologicamente localizado entre os dias 30 de Março de 1935 (lançamento oficial da ANL) e 12 de julho do mesmo ano (data do fechamento da ANL). Caracterizamos esta fase como o período de transição. Isto é, dentro deste período observaremos que o movimento aliancista vai sendo gradativamente levado à radicalização. E este fato se deve à intervenção, cada vez maior, de alguns elementos do Partido Comunista do Brasil, sobretudo de Prestes.
Vimos que a posição do PCB em relação à ANL era clara: o partido apoiava mas não aderia ao movimento, proclamando-se como o único porta-voz do proletariado. Esta posição irá manter-se nas primeiras semanas de vida legal dos aliancistas.
Antes de discutirmos o processo de radicalização da ANL, consideramos importante fazer um balanço deste movimento neste período de legalidade.
A organização aliancista, mesmo não se considerando, e não sendo de fato, um partido, herdava claramente a estrutura do PCB. O formato adotado era composto de células, onde hierarquicamente era seguida do secretariado municipal, estadual e nacional. Cada uma destas células era composta por indivíduos do mesmo distrito residencial, profissão, núcleo associativo ou rural, e era representado por um delegado. O mínimo requerido para se abrir um núcleo destes era de 10 pessoas. As estimativas variam em cerca de 1.100, 1.500 e 1.600 núcleos espalhados em todo o país. Estas células possuíam a função de propaganda, agitação e de organização. Quanto à escolha dos diretórios, nacional e estadual, estaria a cargo de um Congresso Nacional, que nunca chegou a ser realizado. Os dirigentes foram previamente escolhidos no momento da fundação, mas a ordem era de que houvesse um Congresso para a eleição destes membros.
Em relação ao número de membros, as estimativas são as mais diversas. Caio Prado Júnior, presidente do diretório Estadual da ANL, fala em 70 a 100 mil pessoas. Números confirmados por Levine. Muito otimista, Werneck fala em 1.500.000 militantes. Este número nos parece demasiadamente exagerado, embora consideremos que a ANL possuía muito mais simpatizantes do que membros efetivos.
Quanto à sua composição social, mesmo havendo um consenso em relação à heterogeneidade dos aliancistas, parece que as camadas médias urbanas sobrepujaram-se aos demais segmentos. Alguns autores afirmam que 70% dos membros da ANL eram provenientes da classe média. No Distrito Federal, Levine levantou os seguintes dados:

Homens de empresa, profissionais liberais e
Oficiais das Forças Armadas 37%
Operários e soldados 52%
Diversos (inclusive 1,5 ?agrícolas?) 11%

No entanto, deve-se ressaltar que nos números referentes aos operários estão sendo considerados todos os assalariados. Portanto, neles estão incluídos não só os trabalhadores manuais como algumas atividades onde geralmente as pessoas que nela trabalham são consideradas pertencentes à classe média baixa. Além disto, cabe dizer que a classe média estava dividida quanto ao apoio a ANL. Em geral, o segmento que esteve ao lado dos aliancistas era a classe média baixa, economicamente mais próxima do proletariado. A classe média alta, grosso modo, mais próxima das classes dirigentes possuíam um temor muito grande da ascensão dos trabalhadores e, por isso, viam com maus olhos qualquer movimento popular nos moldes da ANL.
Dos membros, segundo cálculos de Vítor Fonseca, 94, 68% eram homens e 5, 32% eram mulheres. Predominavam os que possuíam entre 21 e 40 anos (68%). E cerca de 86% estavam no Distrito Federal e em São Paulo.
Todos estes números, entretanto, não conseguem transmitir todo o simbolismo que representou a Aliança Nacional Libertadora. Jorge Amado nos remete ao universo da época e nos dá uma noção de como as pessoas receberam o movimento.

"Os comícios da Aliança, amiga, os seus jornais, os seus manifestos, a imensa massa humana que a acompanhava! Foi o mais belo espetáculo de civismo do Brasil, seu grande momento patriótico (...) esse povo que sofre a escravidão há tantos anos, possuí o encanto da palavra liberdade, ela o seduz como nenhuma outra (...) A impressão, amiga, que dava o movimento da Aliança Nacional Libertadora, tal o entusiasmo do povo, tal a força que vinha dele era que o governo popular-revolucionário seria implantado com uma passeata".

Para obter a simpatia da população e ganhar mais adeptos, os aliancista utilizavam de diversas ferramentas. Os comícios, com oradores inflamados, era o modo mais popular. Juntando rapidamente dezenas de pessoas, os aliancistas distribuíam panfletos e discursavam acerca dos principais problemas e soluções para as suas regiões. O jornal também era um meio bastante usado. Dentre os que possuíam ligações com a ANL estavam: A Manhã e O Jornal do Povo (RJ); A Platea e A Marcha (SP); a Folha do Povo (Recife); e O Libertador (Teresina).
As datas comemorativas também eram fartamente exploradas. Só para citar um exemplo, no dia 21 de Abril, o teatro Municipal do Rio de Janeiro ficou lotado numa homenagem à Tiradentes, promovida pela ANL.
Outro expediente utilizado pela ANL para conquistar adeptos, sobretudo nas camadas médias, era a cooptação de lideranças progressistas da época. Miguel Costa, Juarez Távora, João Mangabeira, Moreira Lima, Pedro Ernesto, Magalhães Barata, Silo Meireles, Trifino Correia são alguns exemplos de indivíduos de renome que aderiram, formal ou informalmente, ao movimento aliancista. Algumas adesões ocorreram graças ao pedido de Luiz Carlos Prestes que, através de cartas, escrevia aos antigos companheiros e os conclamavam a reviver a antiga Coluna.
A propósito, a figura de Prestes é um capítulo à parte na história da ANL Dotado de uma simbologia construída durante a chamada Coluna Invicta, que ganhou seu nome, Prestes era talvez a figura política mais popular entre os brasileiros na época aqui estudada. Tanto é que Vargas fez de tudo para que o comandante da Coluna o apoiasse na ocasião da formação da Aliança Liberal. Prestes, porém, preferiu aderir aos ideais comunistas, fato este que acabou dividindo os tenentes.
Embora a influência de Prestes já atingisse o PCB desde 1930, o "Cavaleiro da Esperança" apenas foi aceito no partido em 1934, isto porque houve uma interferência da IC no caso. A oposição à Prestes argumentava que ele era um elemento "caudilho pequeno burguês" e, por isto, não poderia estar associado à luta proletária. Mesmo com a filiação, o partido alertava para o perigo do "prestismo" entre os comunistas.
Antes mesmo da fundação oficial da ANL, quando o nome do chefe da Coluna Invicta foi saudado como o presidente de honra do movimento, os jornais já noticiavam a adesão de Prestes.
Muito se discute a respeito da aclamação de Prestes como presidente de honra da ANL. Principalmente para o governo, o nome de Prestes associaria o movimento aliancista definitivamente aos comunistas. Entretanto, muitos afirmam que o nome do Cavaleiro da Esperança foi uma tentativa dos aliancistas ganharem adeptos entre os seus admiradores. Talvez nunca se saiba ao certo o real motivo. De fato, a vinculação de Prestes iria ter inúmeras conseqüências. Como disse Marly Vianna, "Prestes era um homem de ação e não emprestaria seu nome sem juntar a isso uma ativa participação na direção do movimento".
A figura de Prestes, sem dúvidas, ajudou a conquistar apoios nas camadas populares, que viam no comandante da Coluna as esperanças de um futuro melhor. Contudo, não podemos supervalorizar a influência de Prestes em detrimento dos demais motivos que levaram milhares de pessoas a aderirem ao movimento aliancista. O papel de Luiz Carlos Prestes foi importante, porém não fundamental para a adesão das massas a ANL.
Passaremos a uma questão importante: como se deu o processo de radicalização do movimento aliancista? A conclusão que chegamos após a análise das fontes é a de que o PCB, que até um certo momento sempre fez questão de manter uma distância da ANL, ao perceber que os aliancistas se tornavam uma força, pensaram em se lançar de vez no movimento a fim de obter apoio para colocar em prática suas propostas.
Nas fontes do Partido Comunista do Brasil e nos manifestos de Prestes podemos perceber claramente a transformação de um formal apoio a ANL para um verdadeiro controle do movimento. Antes de analisar estes documentos, gostaríamos de deixar claro que, diferente do que alguns estudiosos afirmam, a política de Frente Única adotada pela IC não foi completamente assimilada pelos comunistas brasileiros. Mesmo apoiando a formação da Aliança Nacional Libertadora, o PCB fazia questão de afirmar suas idéias revolucionárias e de impor a primazia do proletariado.
Em uma publicação de março de 1935, portanto após as notícias da formação da ANL, o secretário-geral do PCB, conhecido como Miranda, conclamava a todos os que se sentissem oprimidos pelo governo de Vargas a pegar em armas e lutar. Como se percebe, esta atitude não era nem um pouco condizente com as propostas de Dimitrov. Veremos um trecho:

"Chorar, implorar, pedir, mendigar a esses bandidos do governo, traidores da Pátria e de todos nós? Não, jamais! Ainda somos gente, ainda somos um povo capaz de lutar, de se libertar e de se governar a si mesmo. Pegar em armas, lutar de armas na mão desde já, defender palmo a palmo as nossas terras, sítios e roças, casas e plantações, mulheres e filhinhos. Pegar em armas desde já, não há outra solução. Ou morrer lutando ou ser escravo, mendigo, morrer de fome lenta, roído pelas doenças ou assassinado por esses bandidos (...) Na frente de toda essa luta está o nosso Partido ? o Partido do proletariado, o Partido Comunista do Brasil".

O discurso exposto por Miranda não se assemelha nem um pouco aos textos da ANL neste período. Primeiramente porque a ANL não colocava a questão do poder. Além disso, pegar em armas não era a solução proposta pelos aliancistas. Ao contrário, todas as propostas da ANL eram embasadas na própria Constituição de 1934.
Na carta onde Prestes manifesta a adesão à ANL, vemos um discurso cauteloso, propondo a união de esforços, de acordo com a própria linha ideológica dos aliancistas. Nesta altura, o movimento aliancista ainda caminhava com as próprias pernas. É interessante notar que Prestes, em nenhum momento, deixa a entender que o PCB participou ativamente da formação da ANL. Ao contrário, ele mostra até um certo desconhecimento a respeito dos fundadores do movimento. Endereçado ao presidente da ANL, Hercolino Cascardo, a carta diz:

"Pela leitura de jornais brasileiros acompanhei com grande interesse desde os seus primeiros passos a formação do movimento de massas que começou a se cristalizar com a denominação de Aliança Nacional Libertadora. Soube depois que o meu nome fora aclamado em diferentes pontos do país onde se fundaram comitês da Aliança e que, finalmente, na sessão de 30 de março, no Rio de janeiro, fui aclamado Presidente de honra da ANL. Sem conhecer os iniciadores desse movimento e habituado já ao uso desavergonhado e demagógico que fazem do meu nome os politiqueiros brasileiros quando desejam enganar as massas, esperei receber informações mais completas antes de lhe escrever estas linhas (...) Adiro à ANL (...) para conseguir a libertação nacional do país e do povo precisamos reunir os esforços de todos sem distinção de ideologias, de credos religiosos, filosóficos, de raças etc. Esta missão que se propões a ANL, este o papel importantíssimo que lhe cabe no momento atual".

O secretário-geral do Partido Comunista do Brasil, Miranda, mais uma vez se pronunciou em relação a Aliança Nacional Libertadora e foi categórico em instituir a distância entre os aliancistas e os comunistas. O trecho a seguir é longo, porém esclarecedor desta posição.

"Muitas confusões, muitas acusações falsas estão surgindo e surgirão ao redor deste fato, contra o Partido e contra a Aliança Nacional Libertadora e que queremos aqui esclarecer e combater (...) Primeiro temos que esclarecer mais uma vez que não aderimos e não aderiremos à ANL, pois somos um Partido político que visa o poder político para uma classe, a proletária, e a instalação da ditadura do proletariado, do governo operário e camponês, na base de conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros (sovietes); neste caso, a adesão à ANL seria limitar o nosso programa ou tirar a ANL do seu programa e fazer fusão programática e orgânica com ela, o que nunca faremos (...) A Aliança Nacional Libertadora ?não é comunista e não pode se dizer comunista?, se assim fosse não lhe daríamos jamais o nosso apoio e desmascararíamos a sua traição, atacaríamos o seu programa e ação, pois só há e pode haver um só P. Comunista, partido de classe do proletariado (...) No seu programa a ANL, que é uma vasta organização de massas, um amplo organismo de frente única e sem partido, se propõe lutar pelas reivindicações fundamentais da revolução agrária e antiimperialista no Brasil, e estamos nós também de acordo com tais reivindicações. O nosso apoio se limita a essas condições e as acima citadas, já explicadas por nós publicamente. Mas nós não cedemos a ninguém, a nenhuma organização o posto que nos cabe nesta luta (...) Este posto é o de vanguarda que cabe ao proletariado dirigido pelo seu Partido de classe, o Partido Comunista; é o posto de comando e de luta ocupado pela classe mais avançada e decidida, a classe proletária (...) sempre na luta pela instalação do Governo Operário Camponês, pelo socialismo. Ao mesmo tempo que apoiamos todos aqueles que querem marchar conosco nesta luta, o proletariado não cede a ninguém o seu posto de vanguarda, de direção como classe mais avançada, mais revolucionária (...) O Partido, dando seu apoio à ANL, não desiste da luta por seu programa, não desiste da luta ideológica nem da sua atividade".

A partir desta fonte, podemos reafirmar que o PCB não abria mão de ser o proletariado a única classe revolucionária, e a única capaz de dirigir e encaminhar as lutas no caminho do socialismo. Mais uma vez lembramos que esta postura não estava de acordo com a política de Frente Única, que visava exatamente o contrário ? a cooptação de outras classes num movimento único antifascista. Os objetivos dos comunistas eram muito claros - "a instalação da ditadura do proletariado". Tal posição não encontra eco no discurso aliancista, que faz questão de reafirmar que a sua luta é antiimperialista e antilatifundiária. Fica claro que os dois discursos divergem em muitos pontos. A ANL não falava em nome dos comunistas, nem era um organismo destes. O que tentamos mostrar é que o movimento aliancista esteve, até um certo ponto, independente da interferência dos comunistas. O sucesso do movimento que decretará o fim desta independência. Será quando o PCB perceberá uma boa maneira de colocar em prática a sua intenção revolucionária.
O pensamento do PCB em relação ao movimento aliancista começou a mudar em maio de 1935. No início do mês, entretanto, um membro do partido, conhecido como Bangu, ainda alertava seus companheiros para os "perigos" representados pela ANL. Segundo Bangu, os aliancistas estavam trilhando o caminho do "nacional reformismo". Ou seja, as reivindicações estavam sendo feitas e cobradas sem, no entanto, propor a mudança do regime vigente. Para o comunista, com Getúlio no poder, ou qualquer outro representante da "ordem e da lei feudal-burguesa", nada mudaria. A ordem e a lei não deviam ser seguidas porque eram impostas por uma minoria. Em suas palavras, "não é possível lutar contra o imperialismo dentro da ordem (mantida pela polícia especial, polícia política, bandos de integralistas etc) e dentro da lei ("Lei Monstro", leis de arrocho), ?ordens e leis? estas impostas por esses mesmos imperialistas e feudais".
Na segunda metade do mês de maio, foi realizado o plenum do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, e foi nesta reunião que ficou decidida a mudança de estratégia em relação à ANL. A idéia era aproveitar o prestígio do movimento aliancista e da popularidade do seu presidente de honra, Luiz Carlos Prestes, para se instaurar o que eles chamaram de Governo Popular Nacional Revolucionário. As estratégias foram redefinidas no sentido de aumentar o seu apoio dentro da ANL, tomando a posição de agitação, propaganda e organização do modo mais intenso possível. As propostas de greves foram sugeridas, e o partido conclamou a todos os seus membros a engrossar as fileiras aliancistas e preparar as massas para a luta armada e para a tomada de poder pelo Governo Popular Nacional Revolucionário.
Contudo, não foi somente a entrada do PCB no movimento aliancista que direcionou a radicalização do movimento. Os inúmeros confrontos com os integralistas e as diversas acusações dirigidas pelos conservadores à ANL concorreram para esta transformação.
Uma publicação falsa do jornal O Globo deu início a uma maior repressão, por parte do governo, aos aliancista. Ocorreu algo semelhante ao que veríamos mais tarde com o Plano Cohen. Um suposto plano comunista, arquitetado por Moscou, teria sido descoberto. Assassinatos e fuzilamentos de militares faziam parte da suposta "revolução vermelha", que também estaria sendo preparada na Argentina e no Uruguai. As manchetes traziam: "SOVIETS NO BRASIL!". O pânico, como é de se esperar, foi enorme. E não tardou para o governo se mexer.
A partir do mês de junho, Prestes se preocupou em escrever aos seus artigos companheiros, a fim de recrutá-los para a futura luta. Mas o momento crucial que marca definitivamente a radicalização do movimento aliancista, após a entrada em cena do PCB, foi o manifesto de 5 de julho. E este documento também foi o estopim para que o governo de Getúlio Vargas pudesse colocasse em prática a Lei de Segurança Nacional e fechasse a ANL uma semana após.
O conteúdo do manifesto de 5 de julho é forte e claramente rompe com o discurso "dentro da ordem" que até o momento a ANL havia mantido. Prestes imprime à questão do poder uma importância única. O ataque ao governo de Vargas é severo. E as soluções encontradas para cumprir o programa aliancista passam a ser revolucionárias.
Na primeira parte do manifesto, Prestes lembra as lutas tenentistas da década de 1920 e fornece à ANL o status de herdeira destas lutas.

"A Aliança Nacional Libertadora é hoje a continuadora dos combates que, pela libertação do Brasil do jugo imperialista, iniciaram Siqueira Campos, Joaquim Távora, Portela, Benévolo, Cleto Campelo, Jansen de Melo, Djalma Dutra e milhares de soldados, operários e camponeses em todo o Brasil. Somos os herdeiros das melhores tradições revolucionárias de nosso povo e é recordando a memória de nossos heróis que marchamos para a luta e para a vitória!"

Em seguida, Prestes empreende duros ataques ao governo de Getúlio Vargas e conclama o povo à luta por um governo popular nacional revolucionário.

"Aproximam-se dias decisivos! Os trabalhadores de todo o Brasil demonstram, através de lutas sucessivas, que já não podem mais suportar, nem querem mais se submeter ao governo em decomposição de Vargas e seus asseclas nos Estados (...) A situação é de guerra e cada um precisa ocupar o seu posto (...) A idéia do assalto amadurece na consciência das grandes massas. Cabe ao seu chefe organizá-las e dirigi-las (...) Todos vós, que estais unidos pelo sofrimento e pela humilhação, em todo o Brasil! Organizai vosso ódio contra os dominadores, transformando-o na força irresistível e invencível da Revolução Brasileira! Vós que nada tendes a perder e a riqueza imensa de todo o Brasil a ganhar! Arrancai o Brasil das garras do imperialismo e de seus lacaios! Todos à luta pela libertação nacional do Brasil! Abaixo o fascismo! Abaixo o governo odioso de Vargas! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo o poder à Aliança Nacional Libertadora!"

O discurso de Prestes foi o estopim para que Vargas decidisse liquidar o movimento aliancista. Uma semana depois a ANL seria fechada com base na recém criada Lei de Segurança Nacional, a "lei monstro".
A justificativa do governo é que a ANL estaria envolvida com o comunismo internacional. Entretanto, fica claro que o movimento aliancista começou a se transformar num problema na medida em que ela ganhava uma unidade. Com a força que, gradativamente, o movimento ia ganhando as massas, ela poderia se tornar um real perigo para a estabilidade do regime varguista. Não nos esqueçamos que "a estratégia das "frentes populares" (...) ainda é até hoje aquela mais temida pelas forças de direita, pois a reação sabe que os revolucionários isolados não representam perigo. Nada mais temível, pois, do que a sua unidade."
O decreto n° 229, que mandou fechar a Aliança Nacional Libertadora, não apenas lançou os aliancistas na ilegalidade. Como veremos a seguir, o fechamento da ANL marcaria o fim do movimento de massas e o início de um movimento golpista.

2.4 ? A ANL na ilegalidade: terceira fase


A partir do momento em que a Aliança Nacional Libertadora é colocada na ilegalidade, fica claro que este movimento esvaziou-se naquilo que lhe dava força e legitimidade: a participação das massas. O fechamento da ANL transformou-a numa simples sigla, onde o Partido Comunista Brasileiro passava a dominar e delimitar os seus passos. E a iniciativa dos comunistas, a partir deste momento, era clara. Aproveitando-se do prestígio dos aliancistas e do mito presente na figura do Cavaleiro da Esperança, devia-se reforçar a estratégia, já presente no PCB, de tomada de poder através de um golpe. Soma-se a este quadro a percepção de que o governo de Getúlio Vargas estava fragilizado e a herança tenentista presente, sobretudo, nos elementos em torno de Prestes.
Tudo isto nos permite caracterizar o período da ilegalidade da ANL até os acontecimentos de novembro de 1935, conhecido como "Intentona Comunista", como uma fase em que elementos do PCB dominaram o movimento aliancista. Ou seja, a ANL, enquanto movimento de massas, heterogêneo, antiimperialista, antilatifundiário e legalista, acabou no dia 11 de julho de 1935. O que continuou com o nome de ANL estava longe de ser a Aliança Nacional Libertadora. Segundo Levine, "as células da ANL operativas depois de julho eram simplesmente células do Partido Comunista operando em nome da ANL". Fica claro perceber esta afirmativa quando analisamos os documentos ditos da ANL, no período estudado. O discurso apresentado e as pessoas que falam em nome dos aliancistas são todos elementos oriundos do Partido Comunista do Brasil. E é isto que veremos nesta parte. Além disso, cabe dizer que não nos interessa abordar as motivações e o desenrolar dos acontecimentos de novembro de 1935, pois o que nos é pertinente se refere à relação entre a ANL e o PCB. Desta forma, serão discutidos apenas os elementos que considerarmos fulcrais para compreender esta questão.
Antes disto, parece interessante notarmos que após a radicalização do discurso aliancista diversos elementos que defendiam o programa da ANL dentro da legalidade, isto é, dentro da lei, acabaram por sair do movimento. Seu nome mais ilustre foi o presidente Hercolino Cascardo. Além disso, muitos foram os que criticaram a atitude de Prestes de lançar um manifesto tão agressivo ao governo, fornecendo a brecha que Vargas queria para acabar com o movimento. Miguel Costa, por exemplo, fez um resumo destas críticas numa carta enviada ao próprio Prestes. Após fazer um balanço do movimento aliancista, ele expressa os motivos pelo qual desaprovava o manifesto de Prestes.

"A ANL foi lançada no momento preciso. O seu programa antiimperialista, pela libertação nacional do Brasil, antifascista e pela divisão dos latifúndios realmente empolgou, não apenas as massas populares trabalhadoras, mas até a pequena burguesia e mais fundamentalmente os meios intelectuais honestos e em grande parte ainda não suficientemente esclarecidos. Defendendo-se da ilegalidade (...) a ANL (...) propôs-se a resolver aquelas questões dentro da ordem. Faz a sua profissão de fé nacionalista e por último negou qualquer ligação mais estreita com o Partido comunista (...) a ANL cresceu mais do que seria de se imaginar. E embora o seu vulto tomasse proporções capazes de assustar os meios governantes e a plutocracia do país, uns e outros não encontravam artigos de lei em que pudessem se estribar para pôr foras da lei a punjante organização (...) Enquanto isso, o Partido Comunista, embora auxiliando a propagação da campanha, abstinha-se de qualquer intervenção menos velada na luta. Vem o 5 de julho, V., naturalmente pouco ou mal informado, supondo que o movimento da ANL tivesse tanto de profundidade como de extensão, lançou o seu manifesto dando a palavra de ordem de ?todo o poder à ANL? (...) No entanto, aí estão os fatos: veio o seu manifesto, veio o decreto de fechamento da ANL e este movimento popular que parecia, à primeira vista, ter tomado todo o país, não reagiu nem com duas greves organizadas".

Algum tempo depois Prestes respondeu a carta. Argumentando os motivos que o levou a lançar o manifesto de 5 de julho e deu a sua versão para o fechamento da ANL. Ele também comentou sobre a ligação entre a ANL e o PCB.

"Quanto à ilegalidade, era uma fatalidade independente dos textos do manifesto ou das palavras de ordem que fossem lançadas. Desde que Vargas voltou de Buenos Aires recebera ordens expressas do Intelligence Service em tal sentido (...) O avanço da ANL era de tal maneira vigoroso que o imperialismo compreendeu imediatamente a necessidade de impedir seu livre crescimento. Além disso, a palavra de ordem de ?todo o poder à Aliança? não significava a tomada imediata do poder, coisa que sabíamos impossível naquele momento (...) O restante da população continua identificando a ANL com o PC e acreditando nas mentiras do governo e dos chefes integralistas (...) Eu pessoalmente sou comunista, como sabe todo o Brasil, mas a ANL não é comunista nem pode ser confundida com o PC".

Este debate, em torno das conseqüências do manifesto de 5 de julho, ocorreu intensamente entre os membros aliancistas. Já em relação à relação entre ANL e PCB, preste tinha razão em uma coisa: a ANL não era comunista, nem nunca foi. No entanto, após a ilegalidade, ela se confundiu completamente com o Partido Comunista do Brasil.
Em relação à reação frente ao fechamento do movimento aliancista, embora houvesse um sentimento de revolta entre os membros e simpatizantes da ANL, alguns fatores concorreram para as tímidas manifestações. Segundo Vítor Fonseca, podemos destacar três razões: a repressão policial; a fraqueza do PCB no meio sindical; e o desencanto dos aliancistas que desejavam um movimento de pressão junto ao governo.
Nos meses subseqüentes ao fechamento da ANL, Prestes se envolveu na tarefa de escrever aos antigos companheiros da Coluna Invicta pedindo apoio para suas idéias. Em carta ao capitão Trifino Correia ele diz: "(...) aproxima-se afinal a vitória da revolução. Dentro de breve expulsaremos de fato os exploradores estrangeiros e veremos vitoriosas a causa pela qual morreu o nosso grande Siqueira.".
Como vimos, as lembranças da Coluna eram sempre enfatizadas. Em outra carta Prestes diz: "A Coluna Prestes toma novamente as armas para continuar a sua luta interrompida e combate com o povo por pão, terra e liberdade".
Para conseguir o apoio dos ex-companheiros, Prestes dizia que a ANL era um movimento invencível, pois traduzia os anseios do povo brasileiro. Enfim, os acontecimentos de novembro de 1935, embora não planejados, já estavam na pauta dos elementos que se apossaram da ANL.
Se por um lado Prestes queria reunir forças para a tomada do poder, o PCB imprimiu, a partir da dominação da ANL, um discurso revolucionário imediatista. Com a premissa de que "os que estão no poder não podem mais governar", o PCB "chama para a revolução a todos".
Fica claro o descaminho revolucionário impresso pelo movimento aliancista, após o seu fechamento, quando analisamos documentos como relatórios internos da ANL. O programa aliancista, antes expresso nos primeiros documentos como o manifesto-programa de lançamento da ANL, agora é confundido com o manifesto de 5 de julho. Quando o secretariado nacional do PCB manda diretivas aos comitês regionais falando em nome da ANL, apenas reforça a idéia de que os comunistas tomaram a sigla popular como forma de ampliar seu poder revolucionário.
Contudo, ao contrário do que a História Oficial tentou impor, os acontecimentos de novembro de 1935 não tiveram a intenção de implantar o comunismo no Brasil. A idéia era derrubar o governo de Vargas e estabelecer o Governo Popular Nacional Revolucionário, com Prestes à frente. Segundo Anita Prestes, era "o ?salvacionismo? militar que renascia" , seguindo as tradições golpistas históricas do Brasil. A autora continua dizendo que:

"Desde os episódios relacionados com a proclamação da República, passando pelas rebeliões tenentistas dos anos vinte e pela chamada Revolução de 30, as concepções golpistas haviam estado presente na opinião pública nacional, inclusive no imaginário dos setores populares, para os quais a espera de um ?salvador? ? dentre os quais, Luiz Carlos Prestes provavelmente tenha sido o maior ? sempre foi uma constante".

Diferente do que os comunistas avaliaram, o governo Vargas não estava fraco. Contrariando o que os comunistas afirmavam, a ANL não era invencível. Subestimar as forças conservadoras e supervalorizar as forças revolucionárias, grosso modo, foram os ingredientes fundamentais para que os levantes de novembro de 1935 fossem desencadeados. Entretanto, o que nos importa neste momento é reafirmar que o movimento aliancista foi, no período da ilegalidade, um instrumento dos comunistas e de Prestes para conquistar as massas, antes simpáticas as propostas da ANL, no sentido de levá-las a apoiar o Governo Popular Nacional Revolucionário.
Por fim, acreditamos que além das questões já discutidas o fato "comprovado" do domínio do PCB sobre a ANL após o seu fechamento também se refere ao distanciamento dos grupos antes envolvidos em torno do pensamento aliancista. Ao que parece, apenas o Partido Comunista, muito devido a experiência adquirida ao longo dos anos, conseguiu driblar os infortúnios de uma sobrevivência na ilegalidade. Os outros elementos componentes da ANL, sobretudo as massas, reagiram através da distância ao 11 de julho de 1935. Não era um "fardo" compatível com seus desejos.
2.5 - ANL-PCB: a quem interessa esta associação?


O nosso trabalho não estaria completo caso ele mascarasse esta discussão: por que a ANL é vista como um órgão do PCB? Por que este movimento de massas tão heterogêneo entrou para a História Oficial como um movimento comunista? Para tentar responder estas questões, consideramos pertinente identificar a quem interessa esta associação e, é claro, o porquê deste interesse.
Antes de discutirmos esta questão, vamos tentar estabelecer os principais motivos pelo qual nós insistimos em afirmar que a Aliança Nacional Libertadora e o Partido Comunista do Brasil não são uma mesma organização. O movimento aliancista não foi criado pelo PCB e não possui qualquer caráter comunista. A formação da ANL não foi uma simples transfiguração do modelo de "Frente Única", defendida por Dimitrov e adotada pela IC após a ascensão de Hitler na Alemanha.
A Aliança Nacional Libertadora foi um amplo movimento de massas e marcadamente heterogêneo. O seu surgimento deve ser creditado a um contexto histórico externo e interno profundamente fértil a formação de um organismo envolvendo diversos setores numa luta comum. Mesmo entendendo que ocorreram influências das idéias de frentes únicas antifascistas européias, a especificidade brasileira imprimiu, num primeiro momento, uma luta antiimperialista e antilatifundiária. Além disso, como já dissemos, a transposição de um modelo, puro e simples, é algo historicamente improvável. A situação das esquerdas européias se diferem em muito do quadro vivido pelas esquerdas brasileiras.
Analisando os discursos da ANL e do PCB, no mesmo período, percebemos que eles são bem diferentes, ao menos enquanto os aliancistas conseguiram manter a unidade e a legalidade. Foi o fechamento da ANL que acabou confundindo os dois discursos. Mesmo em relação a tão badalada política de frentes únicas, parece que não foi seguida completamente pelos comunistas brasileiros. Como vimos, os documentos do PCB insistiam no discurso de revolta armada e de primazia do proletariado na condução das lutas. Além disso, por diversas vezes os comunistas faziam questão de reiterar a distância estabelecida entre eles e os aliancistas. Apoio sim, mas adesão nunca. O único representante dos proletários devia ser o Partido Comunista do Brasil.
Uma pergunta, entretanto, se mantém: qual o motivo que levou alguns membros do PCB a reclamarem o status de criador da ANL? O que os documentos revelam e o que podemos concluir é que o sucesso desta organização levou alguns comunistas a se aproximarem cada vez mais dos aliancistas, com o intuito de conquistar a simpatia das massas para a causa proletária ? até então restrita aos meios operários.
O documento mais utilizado para "provar" a ligação entre PCB e ANL é um discurso de Fernando Lacerda, membro do PCB e delegado brasileiro no VII Congresso da Internacional Comunista, em que ele diz:

"Desde outubro de 1934, após a 3ª Conferência dos Partidos Comunistas dos países da América Latina, conseguimos realizar uma reviravolta decisiva, tomando audaciosamente a iniciativa [sic] da organização de uma Aliança de Libertação Nacional. A Aliança Nacional Libertadora é no Brasil o que na China era o Kuomitang (...) A diferença é que no Kuomitang uma das principais forças era constituída pela burguesia nacional e, pelo contrário, a Aliança Nacional Libertadora pertencia ao movimento operário. Foi assim que a Aliança conseguiu enraizar-se solidamente nas massas do Brasil. Seu prestígio foi aumentando consideravelmente, tanto mais que entre seus organizadores [sic] e dirigentes destacava-se o nosso camarada Luís Carlos Prestes (...)".

Nenhum outro documento deixa entender que o PCB criou a ANL, ficou claríssimo que a Aliança não pertenciam ao meio operário e não há nenhuma pessoa que afirme que Prestes organizou o movimento aliancista. Ao contrário, todos os documentos analisados por nós, tanto do Partido Comunista quanto da Aliança, mantém um discurso de distância entre as duas organizações. Além disso, é ponto comum dizer que a ANL foi um movimento de massas e heterogêneo, não se dirigindo especificamente para nenhum grupo. Seu discurso era sempre universalista, pregando a união de todas as pessoas, independente de crença, posição social etc. Um próprio membro do PCB confessou numa carta a Prestes que "a Aliança sustentou sempre uma ideologia incompatível com o proletariado".
O discurso de Fernando de Lacerda talvez esteja em consonância com as informações fantásticas que o próprio secretário-geral do PCB, Miranda, insistia em fornecer a IC e a Prestes. Não era, pois, incomum a supervalorização das forças comunistas brasileiras. Miranda chegou a mandar informes de situações revolucionárias em todo o país e garantia a IC que, uma vez iniciada a revolução, greves e levantes militares explodiriam em todos os cantos. Citando mais uma vez Barreto Leite, podemos perceber que o secretário-geral do PCB não possuía uma boa reputação.

"É da mais moderna técnica do Miranda fantasiar a situação nas reuniões em que toma parte. Quando me reunia com ele na fração da Aliança, notei várias vezes que estava mentindo, mentindo a respeito da situação do Partido, da sua influência, da situação das massas, de tudo quanto podia interessar. A sua preocupação era de apresentar sempre um quadro otimista do estado de coisas. E como isso nem sempre é possível, quando não era, ele não se apertava: mentia".

O que estamos tentando afirmar é que o discurso de Fernando de Lacerda, muitas vezes utilizado como "prova" da ligação entre o PCB e a ANL, deve ser visto no contexto de um partido que desejava obter prestígio entre o comunismo internacional. Além da já citada vontade de conquistar a simpatia da população brasileira. No entanto, a esmagadora maioria das fontes históricas nos permite afirmar categoricamente que a ANL não foi criada pelo PCB, nem foi um instrumento legal nas mãos dos comunistas. O que podemos dizer é que após o fechamento do movimento aliancista ocorreu um movimento no sentido de esvaziamento dos setores populares e legalistas dentro da Aliança e, concomitantemente, a tomada da estrutura aliancista por parte do Partido Comunista.
Não Obstante, mesmo após a ilegalidade da ANL, alguns elementos ainda continuavam a insistir na distância entre os aliancistas e os comunistas. Uma carta do Diretório Nacional da ANL dizia:

"(...) será indispensável evitar todo e qualquer esquerdismo na ação de tais governos locais, porque, como os primeiros que organizamos no país, devem bem refletir o programa popular amplo da ANL, desmascarando os que dizem ser a ANL uma simples máscara do Partido Comunista".

O próprio Prestes, um dos maiores responsáveis pela radicalização do discurso aliancista, diversas vezes afirmava que a ANL não possuía ligações com os comunistas.

"A ANL passou a ser considerada (...) uma máscara do Partido Comunista; afirmação ridícula de pobres de espírito, já incapazes e impotentes (...) Se a ANL fosse uma máscara do Partido Comunista, ou se o Partido Comunista precisasse de uma máscara, qual a razão de ser das minhas reiteradas afirmações de que sou comunista e membro do Partido? Já declarei e nesta carta ainda uma vez posso reafirmar: a ANL não pode ser confundida com o Partido Comunista, não é uma máscara de tal Partido, nem pretende instalar um governo soviético. Nós, comunistas, lutamos com a ANL, apoiamos com todas as nossas forças o movimento aliancista porque sabemos que, no momento atual, o que é necessário, indispensável, inevitável é a implantação de um governo realmente democrata e que, apoiado na vontade unânime da Nação, seja capaz de libertar o Brasil do jugo do capital estrangeiro".

E numa carta a Pedro Ernesto, Preste mais uma vez defendia:

"Mas como o senhor é diariamente solicitado por elementos reacionários ou vacilantes que, com medo do Povo, tratam de afirmar a tendência comunista da ANL, desejo ainda mais uma vez, de maneira formal, declarar que pensamos implantar um governo realmente democrata, antifascista e popular(...)"

Através destes argumentos, tentamos demonstrar como a ligação entre a ANL com o PCB fornecia elementos positivos e negativos, dependendo do ponto de vista. Desta forma, aqueles elementos comunistas que viam com bons olhos esta ligação, sobretudo diante da IC, reclamavam a hegemonia no projeto aliancista. Por outro lado, ainda havia alguns elementos que desejavam manter distância da ANL, reafirmando o seu caráter popular e não comunista. Como vimos, nem mesmo dentro do PCB havia uma definição quanto a este assunto, embora a grande maioria dos documentos se inclinem a afirmar a separação entre o Partido Comunista e a Aliança Nacional Libertadora.
Uma última pergunta permanece no ar: por que o governo de Vargas, desde o início, manteve o discurso de que a ANL era um órgão comunista? Esta resposta é, ao nosso ver, mais fácil do que se imagina.
Sabemos que, no decorrer da História, o poder constituído sempre procurou delimitar o que é certo e o que é errado. Isto ocorre tanto no universo jurídico quanto no âmbito das mentalidades. O que pode representar um perigo para este poder acaba recebendo uma conotação maldita, marginal. Desta forma, fazendo uma retrospectiva rápida, podemos ver, por exemplo, como os primeiros seguidores do Cristo foram perseguidos pelos romanos por defenderem idéias diversas das suas. Passado algum tempo, estes mesmos cristãos passaram a perseguir todos aqueles que ousassem interpretar as Escrituras Sagradas de modo diferente daquele estabelecido pelos grandes pensadores da Igreja Católica. Teríamos uma lista enorme para contar. Só no Brasil podíamos falar nas idéias iluministas do período colonial, nas idéias abolicionistas e republicanas do período monárquico e nos próprios monarquistas no início da república. Em resumo, múltiplos exemplos de uma realidade singular ? a idéia maldita.
Nas sociedades capitalistas como um todo, sobretudo após a Revolução de Outubro na Rússia, em 1917, o espectro transformado em maldição atende pelo nome de comunismo. Com isso, para denegrir e marginalizar qualquer oposição era só associá-la aos vermelhos. No Brasil não foi diferente, principalmente nos períodos demarcados pela ausência democrática. Aqueles elementos que faziam oposição ao governo eram rapidamente tachados de comunistas e, desta forma, lançados no universo dos indesejáveis. Mesmo aqueles que não tinham nem noção do que era marxismo e nem nunca haviam ouvido falar em Lenin escapavam do rótulo. Bastava possuir algum livro suspeito, falar algo indiciário (como por exemplo "camarada") ou mesmo reclamar que sua vida não estava muito boa.
No caso específico de Vargas, o anticomunismo era latente. O indivíduo que passasse a ser indesejável era logo tido como comunista. E não foi diferente com os movimentos. Não foi diferente com a Aliança Nacional Libertadora. Getúlio percebeu que os acontecimentos estavam rumando para algo perigoso, e a formação da ANL veio aumentar sua apreensão.
Vejamos o que disse Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal , a respeito do movimento aliancista:

"Em março, quando surgiu a Aliança Nacional Libertadora, a ala comunista dominavam, na realidade, toda a organização da projetada revolução político-militar. E, a partir dessas data, até a fase derradeira, foram os comunistas predominando, cada vez mais".

O próprio Getúlio mostrou a impressão que possuía da ANL:

"Estou informando de que a situação é tranqüila. Aproveito a oportunidade, entretanto, para preveni-lo relativamente às maquinações comunistas que, segundo as últimas informações, vêm se estendendo aos Estados, sob o disfarce das atividades da chamada Aliança Nacional Libertadora".

Podemos analisar estes documentos de duas formas distintas: a primeira diria que estas fontes são "provas" de que "realmente" a Aliança Nacional Libertadora era um movimento disfarçado, uma via legal do comunismo brasileiro. Preferimos, no entanto, ficar com a segunda alternativa. A partir da discussão que fizemos acima - em relação ao discurso do poder, que imprime a idéia de maldição a tudo que lhe parece perigoso; e neste momento o maldito era o comunismo ? as fontes nos levam a acreditar que é exatamente esta associação (entre a ANL e o comunismo) que o governo Vargas tentou creditar aos aliancistas. Um movimento popular, de massas, não poderia crescer tanto de tamanho. Isto representa um risco para a estabilidade do Estado. Era necessário acabar com aquele "perigo".
Ao nosso ver, muitos estudiosos se deixaram levar por este discurso. O discurso oficial imprime à ANL um caráter comunista. Uma perspectiva que sabemos não ser verdadeira. Os documentos analisados não nos permitem fazer tal associação. A não ser que apenas consideremos os documentos oficiais.
Não possuímos a pretensão de estarmos "certos" ou de ter encontrado a "verdade". Tais pensamentos apenas diminuem o trabalho de qualquer autor. Será que existe a verdade dos fatos? Tentamos, contudo, imprimir uma perspectiva crítica das fontes. Tentamos perceber as minúcias do discurso presente nestas fontes. Tentamos, enfim, acrescentar alguma coisa a este tema tão controverso. Esperamos que estas tentativas tenham sido bem sucedidas.


CONCLUSÃO


Longe de tentar encerrar a discussão, esta parte será destinada às considerações finais. Sabemos que as questões envolvendo as relações entre a Aliança Nacional Libertadora e o Partido Comunista do Brasil continuarão em aberto e a espera de novos estudos. Este trabalho pretendeu menos encerrar do que abrir a discussão sobre o tema.
Consideramos que a hipótese construída por nós no início de nossas pesquisas foi comprovada. Os discursos e a composição político-social da ANL e do PCB mostraram que os dois não se misturam. Ou seja, a ANL foi um amplo movimento heterogêneo e de massas que, mesmo com as influências comunistas, conseguiu se formar e manter-se na legalidade, até certo momento, como um organismo de pressão independente. Apenas após a ilegalidade, com a perda do apoio sobretudo das massas, o PCB manteve o controle total do movimento.
Mais do que comprovar a nossa hipótese, consideramos importante a nossa tentativa na direção de abrir o leque de alternativas para compreender o tema. Não tentamos estabelecer apenas uma explicação para o surgimento e o sucesso da Aliança Nacional Libertadora ? como a pura e simples transposição da idéia de frentes únicas defendida pela Internacional Comunista. Tentamos entender o movimento aliancista como fruto de uma série de fatores, na qual as peculiaridades internas imprimem um papel preponderante.
Consideramos também que a ANL não pode ser considerada um movimento comunista e muito menos que havia uma intenção original de tomada de poder através de um golpe. Os aliancistas desejavam estabelecer um organismo que congregasse diferentes elementos da sociedade que, unidos, pudessem obter o apoio para suas reivindicações. Inicialmente, estes objetivos eram basicamente antiimperialistas e antilatifundiários, acrescentando com o tempo um forte caráter antifascista, devido à polarização com os integralistas.
Vimos também que a história da ANL pode ser dividida em três partes: na primeira ? da formação ? as relações com o PCB se deram na esfera das influências, sejam elas de conceitos e idéias ou até de elementos comunistas que ajudaram a "montar" o movimento aliancista; na segunda fase ? da legalidade ? ocorreu um processo gradual de radicalização do movimento com a entrada em cena, cada vez maior, dos partidários comunistas, sobretudo de Luiz Carlos Prestes; na terceira e última fase ? da ilegalidade ? fica claro o total controle de elementos do PCB, tomando a frente da ANL e direcionando os rumos no sentido de realizar uma investida armada para implantar o Governo Popular Nacional Revolucionário.
Por fim, abrimos uma discussão que nos parece fundamental, não só para o nosso tema mas para todos os períodos históricos. Procuramos encontrar o que estava por trás do discurso, tanto governista quanto comunista, de associação entre ANL e PCB. Tentamos argumentar que ambos desejavam conquistar algo com esta associação.
Esperamos que este trabalho possa ter problematizado a respeito do mito que se criou dizendo ser a Aliança Nacional Libertadora um organismo de fachada comunista. Esta afirmativa serviu para que, ao longo do tempo, este amplo movimento, um dos maiores da história da República do Brasil e que por isto foi diminuído constantemente pela História Oficial, fosse desprezado e pouco estudado. Quando se colocou o rótulo de comunista na ANL, conseqüentemente este movimento foi jogado na clandestinidade, tornou-se marginal, obra dos "desordeiros vermelhos".
Talvez a marginalidade do movimento aliancista sirva para nós esquecermos de que as suas reivindicações são mais atuais do que nunca. Muitos ainda lutam pela Reforma Agrária que nunca saiu do papel. Outros muitos ainda lutam pela dignidade da população do campo. Batalham contra a dominação do capital estrangeiro no país e a enorme dívida externa que jamais acabará. Brigam pela liberdade em toda a sua plenitude. Empenham-se por um salário digno, que possa dar conta dos direitos mínimos garantidos pela Constituição. Enfim, hoje ainda lutamos por objetivos buscados pelos aliancistas. Quantos de nós devem ser aliancistas sem saber? Até quando nós continuaremos lutando pelas mesmas coisas que nossas gerações passadas? Até quando teremos que esperar pelas conquistas que a Aliança Nacional Libertadora reclamava? A atualidade das reivindicações aliancistas nos surpreende? Talvez o que nos surpreenda seja a resposta.



FONTES


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* Este trabalho é a íntegra da minha monografia de conclusão de curso em História (2006-UGF)