A Alfabetização como direito efetivado

Renata Pereira Rezende*[1]

  1. Introdução 

O tema alfabetização tem sido muito discutido no cenário brasileiro de educação, por se tratar de algo que persiste de modo negativo por muitos anos no campo educacional. Muito se falam sobre métodos, planejamento, planos de ação e outras estratégias educacionais, é claro que são recursos importantes, mas, o que vale os recursos sem a noção de como usá-los e por que usá-los.

Os profissionais envolvidos no cenário educacional devem estar cientes do que há por trás deste processo de alfabetização, perceber a alfabetização não simplesmente como aquisição do código escrito, mas, como direito de cada cidadão, direito a algo que é seu.

Dentro do contexto da pedagogia social, sobretudo do direito à educação, enfoco  neste artigo a alfabetização como um direito  que precisa ser efetivado, ressaltamos a maneira que a percebemos como fundamental para o desenvolvimento do sujeito e sua integração autônoma na  e para a sociedade.

2. A Alfabetização como direito

 

Segundo a Declaração de Hamburgo (1997), a alfabetização é percebida como o conhecimento básico e necessário a todo cidadão envolto em um mundo em transformação, pois se constitui em um direito humano fundamental, o de aprender por toda vida, o de desenvolver habilidades e competências individuais e coletivas.    

Percebemos que a apropriação do código escrito constitui-se em uma das formas de os sujeitos compreenderem as suas próprias realidades e as realidades do mundo, permitindo que esses mudem suas concepções e busquem caminhos de mudanças para sua realidade.

O sujeito alfabetizado se ver como integrante de uma sociedade a qual ele também pode ser participante ativo, discutindo as desigualdades e buscando a efetivação dos seus direitos.

Para Moura (1999) o processo pedagógico e epistemológico que envolve a alfabetização, além de possibilitar, ao sujeito, a apropriação do sistema de representação da linguagem escrita deve também ser compreendido como objeto que possibilita a descoberta de novos conhecimentos e de intervenção em diferentes situações sociais.

Vista como direito de cada individuo a alfabetização também é percebida como fundamental para a vivência do sujeito no mundo, pois há uma exigência da própria sociedade em relação a este sujeito alfabetizado. Ferreiro (1996, p.58) confirma ao declarar que ”o funcionamento da sociedade global requer indivíduos alfabetizados, portanto, os indivíduos podem exigir o direito á alfabetização, o que não pode ser entendido como uma opção individual, mas como uma necessidade social”. 

A alfabetização para Freire (1996) é vista como porta de entrada para o mundo letrado que através de suas relações socioculturais o homem constrói, e é através dessa pratica que o sujeito adquire as bases para a apropriação das diferentes áreas do conhecimento produzido pela historia da humanidade.

A partir da apropriação da linguagem escrita, o sujeito estará apto a ser autor da sua história de forma a agir planejada e deliberadamente e a intervir criticamente na realidade.

“... dado que saber ler e escrever constitui-se uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda fundamento de outras habilidades vitais”. (Declaração Mundial sobre Educação para Todos, 1990).

O domínio da língua escrita através de um processo de construção do conhecimento e baseado numa visão critica da realidade, deve proporcionar ao sujeito uma maior visão da sua realidade. De posse deste instrumento cultural ele estará ciente das intervenções que poderia requerer, exigindo assim seus direitos e ao mesmo tempo exercitaria a cidadania.

Quando assumimos a alfabetização como um direito do cidadão, estamos cientes que o domínio da leitura e da escrita abre novos caminhos e diferentes maneiras de ver o mundo e agir sobre ele.

Garantir a cada cidadão este direito não é, somente uma oportunidade de aprender algo que já faz parte da humanidade, mas é o direito à qualidade e à vivência da vida com mais significado.

2.1 A alfabetização como processo de apropriação da leitura e da escrita

Segundo Moura (1999) tradicionalmente a alfabetização tem sido considerada como processo de aquisição do código alfabético, em que a escrita representa a transcrição de sons e fonemas.

Ao percebermos a alfabetização como processo de apropriação da leitura e da escrita, reconhecemos que a apropriação não faz parte de uma instrução sistemática, da aprendizagem de técnicas e de habilidades especificas.

A alfabetização está relacionada à vivência do sujeito, à maneira como percebe e vive neste mundo, por isso não é um conhecimento a ser transmitido, e sim construído com a participação deste sujeito.

 Segundo Ferreiro (1990, p.42), ”... a aprendizagem se insere (embora não se separa dele) em um sistema de concepções previamente elaboradas, e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras”.

Reduzir o processo de leitura e escrita a um conjunto de técnicas é desrespeitar o sujeito a sua vivência no mundo e o seu posicionamento no ato do conhecimento.

Para Freire (1987, p.21) “... a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquela”. Assim para o autor, antes do sujeito aprender a leitura do objeto na palavra escrita, ele já o compreende através da sua vivência no dia-a-dia, e é esta compreensão da realidade que deve ser respeitada e estimulada para novas aprendizagens, sendo o sujeito aqui percebido como: um ser no mundo, como o mundo e para os outros.

A junção e jamais a dicotomia da experiência vivida e da experiência escolar possibilitará uma compreensão mais profunda, para que durante a aprendizagem da palavra escrita, o sujeito dê continuidade a novas descobertas e faça dessa compreensão algo concreto e não abstrato para ele.

Nesta visão, o processo de alfabetização é visto como a oportunidade dada ao sujeito de construir-se e reconstruir-se a partir do seu próprio conhecimento.

Para Ferreiro (1990) esta capacidade é adquirida antes do sujeito entrar na escola, já faz parte do sujeito ainda criança, porque compreende a natureza da escrita e constrói suas próprias concepções a respeito deste sistema, sem esperar indicação ou autorização para adquiri-las,porque não se trata de um produto escolar,mas um objeto cultural resultado do esforço coletivo da humanidade. 

“Se pensarmos que a criança aprende só quando é submetida a um ensino sistemático, e que a sua ignorância está garantida até que receba tal tipo de ensino, nada poderemos enxergar. Mas se pensarmos que as crianças são seres que ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender, talvez comecemos a aceitar que podem saber, embora não tenha sido dada a elas a autorização institucional para tanto” (FERREIRO, 1990, p.27).

Por não ser a escrita algo específico da produção escolar e, sim, percebida como objeto cultural, criado pelo homem para sua interação social, a criança já busca entender os significados destas marcas sem estabelecer uma única forma de aprendê-la.

”Imersa em um mundo onde há a presença de sistemas simbólicos socialmente elaborados, a criança procura compreender a natureza destas marcas especiais. Para tanto, não exercita uma técnica específica de aprendizagem” (FERREIRO, 1990, p.43).

Freire (1987) salienta a importância do ouvir o outro, de estar atento à maneira como o sujeito se expressa e a partir dessa expressão criar meios de interagir a palavra falada e a palavra escrita. Segundo o autor, no processo de alfabetização deve-se partir do conhecimento da realidade dos alfabetizados e, paulatinamente ajudá-los na caminhada em direção ao conhecimento da linguagem escrita.

Segundo Moura (1999), para estes autores o importante, neste momento de apropriação da leitura e da escrita não é preocupar-se com a transmissão de técnicas, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida. Por isso que a alfabetização não é um ato de memorização mecânica das sentenças, das palavras, das silabas, desvinculadas de um universo existencial, coisas prontas ou semimortas, mas uma atividade de criação e recriação. Neste sentido, concebem a alfabetização como ato de conhecimento, como ato criador.

Concebemos a alfabetização como algo amplo, que produz a abertura de novos caminhos e de novas formas de ver o mundo com mais criticas e mais consciência.

                                     

3. Considerações Finais

 

Desenvolvermos  aqui um trabalho sobre a concepção de educação que acreditamos e defendemos. Uma educação de direitos, de significado e de respeito.

Nas nossas leituras de mundo segundo o saudoso educador Freire e ao mesmo tempo nas nossas leituras das palavras, pudemos perceber como a alfabetização é importante para a efetivação social do sujeito.

Cremos que é esta visão que deve ser assumida pelos profissionais da educação, um novo olhar sobre o processo da alfabetização, que muitas das vezes passam simplesmente como o ensino de técnicas e habilidades.

Fazer destes momentos de aprendizagem da alfabetização oportunidades de descobrir-se como participante de um mundo do qual também posso agir é uma responsabilidade que cabe a cada educador, independente da função ou cargo que ocupa.

O valor ao aluno, o respeito a sua historia e a reflexão constante da prática educacional é algo que não pode deixar de existir na vida de um educador comprometido com a educação.

           

Referências Bibliográficas              

Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, Tailândia, 1990.

Educação de Jovens e Adultos: Inês Barbosa de Oliveira e Jane Paiva (orgs), Rio de Janeiro, DP& A, 2004.

FERREIRO, Emília: Reflexões Sobre a Alfabetização; São Paulo: Cortez, 1990.

FERREIRO, Emília: Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

________,(1982). Ação Cultural para liberdade e outros escritos. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

________,(1996).Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

                                               



[1] Graduada em Pedagogia pela Universidade Vale do Rio Doce  - UNIVALE

Especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais – UNIVALE

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