Ao pensar-se na nomenclatura do Planeta Terra, obviamente este não deveria se chamar Terra. O nome mais indicado seria Planeta Água, uma vez que 71% do mesmo é composto por água. Ao pensar em termos de conservação deste mesmo Planeta, constatar-se-á que os humanos ainda são extremamente incipientes para tal tarefa. O homem atingiu um nível tecnológico que se contrapõe e não possui o mesmo peso de sua evolução moral. Mas não se pode dizer que toda a humanidade assim se comporte.

                 A água doce é tão importante para o homem quanto os alimentos. Sabe-se que um homem pode sobreviver algum tempo sem eles, mas sem água, não. Na realidade um indivíduo precisa, em média, de dois litros de água potável para sua sobrevivência diária. Desde há pelo menos dez milênios o homem vem evoluindo, assim, modificando o seu meio ambiente. É de aceitar e de se prever que ele evolua ainda mais Ocorre que a devastação feita em nome da alta tecnologia e da busca pelo poder econômico, cada vez mais desenfreado, vem atingindo de sobremaneira este recurso natural ao qual todo o ser humano teria direito. Um dos impactos mais terríveis e de horrendas conseqüências está na enorme ferida provocada pelo descaso que houve e que continua havendo em relação à água doce de nosso Planeta Terra.

                 Constatou-se que em níveis mundiais a água potável torna-se cada vez mais rara e escassa e que construi-se uma teoria econômica fundamentada na lei do mais forte e de quem mais tem e quem mais pode. A escassez muitas vezes é parte desta política econômica desenfreada. Ocorre que água é sinônimo de vida e sem ela não há sobrevivência e existem países que dela praticamente já não podem mais se beneficiar. No meio ambiente há um mecanismo de inter-relacionamento constante, e uma vez quebrado este mecanismo, sofrem tanto o Planeta quanto os que nele habitam.

                 A poluição é uma constante em nossos dias e em nossos mananciais de água doce. Em nome do progresso o homem age sem qualquer consciência ou escrúpulos. A pobreza e a riqueza poluem, sendo a segunda de forma mais implacável e terrível. Os efeitos são marcantes. A humanidade apesar de já estar no século XXI, com uma tecnologia extremamente apurada, possui em torno de um terço dos habitantes do Planeta sem acesso à água potável. Leis, Regulamentos, Convenções Internacionais fazem parte deste universo de tentativas de se minimizar os danos causados pelos homens ao meio ambiente. O reconhecimento jurídico do direito que ao homem pertence, deverá fazer com que ele possa realmente desfrutar do meio em que vive e da quota que lhe cabe de água como ser integrante de toda esta biota.

                 Sabe-se que, de todos os males ambientais, a contaminação das águas é a que apresenta as piores conseqüências, e que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 10 milhões de mortes por ano são diretamente atribuídas a doenças intestinais transmitidas pela água. Um terço da humanidade vive em contínua debilidade resultante das impurezas da água e que outro terço está ameaçado pelo lançamento de substâncias químicas nas águas cujos efeitos em longo prazo são desconhecidos. Portanto, é necessário um rigoroso estudo de tal problema para que exista um gerenciamento seguro e eficaz, o qual proponha métodos de conservação e proteção dos recursos hídricos no intuito de que sejam realmente colocados em prática. A ecologia ambiental é um estado de equilíbrio dos ecossistemas. Este equilíbrio, ao que tudo indica, é uma expressão da “Consciência do Universo”. Como a intervenção do homem no Planeta Terra nem sempre foi exatamente construtiva e depende dele para que exista este equilíbrio ecológico, é indispensável o despertar da consciência ecológica individual em cada cidadão do planeta, para que possamos dele melhor desfrutar.

                 Certamente estamos a algumas centenas de milhões de anos da criação do Sistema Solar. Das modificações que este sofreu no transcorrer destes anos, uma foi essencial à vida. Precursora da própria existência do Planeta, a água ainda hoje permanece como elemento inerente à sobrevivência do Planeta e dos que nele habitam. Possui propriedades excepcionais, tendo um papel de vetor de calor e função de solvente. Também apresenta diversas propriedades: três estados físicos – sólido, líquido e gasoso – a temperaturas relativamente próximas, calores latentes de mudança de fase muito elevados, bem como capacidade calórica muito forte, que lhe conferem um papel principal no tocante à estabilidade da temperatura do Planeta e aos fenômenos climáticos. Portanto, usar os recursos hídricos de forma desordenada não só afeta a água doce, como também os oceanos, o clima, os solos e subsolos, os continentes, enfim, todo o mundo.

                 Sabe-se que as águas cobrem três quartos da superfície da Terra, no entanto mais de 97% da água do planeta é salgada e menos de 3% é doce. Desta, 77% estão congelados nos círculos polares, 22% compõem-se de águas subterrâneas e a pequena fração restante encontra-se nos lagos, rios, plantas e animais. Constata-se que os lagos, riachos e rios mundiais têm provido importantes serviços e recursos, como, por exemplo, água para consumo humano, água para agricultura, água para abastecimento de indústrias, água para lavagem, água para produção de energia, água para transporte, água para recreação e água para descarga de detritos de todas as espécies. Embora tal comportamento em relação a este bem precioso tenha propiciado um aumento da expectativa de vida do homem, demonstrou também uma certa tendência suicida, já que se despeja na natureza cerca de 30 bilhões de toneladas de lixo por ano. Observa-se que os recursos hídricos são os mais afetados por esta poluição.

                 Constatada a quantidade de água doce em nosso Planeta Terra e a forma de aproveitamento da mesma, cabe demonstrar a forma pela qual a mesma se encontra distribuída. Sabe-se que as águas doces estão distribuídas de forma bastante desigual em todo o mundo. Por ser tratada como um recurso ilimitado, grande parte do Oriente Médio, África, partes da América Central e oeste dos Estados Unidos da América (EUA) já se encontram carentes de água. Segundo a ONU e o Banco Mundial, a América do Sul é o continente mais rico do Planeta em recursos hídricos: são 334 mil m³/s. O Brasil, apesar do descaso e de uma política ainda não tão eficiente em termos de manutenção de recursos naturais, pode ser considerado privilegiado, pois possui uma bacia hidrográfica invejável, assim como um subsolo extremamente rico em água potável, dispondo de cerca de 20% das reservas de água doce do mundo. Cerca de 80% da água doce no Brasil está localizada na Amazônia, e os 20% restantes entre as demais regiões.

               O fato de o Brasil possuir estes 20% de água potável do Planeta, torna-o um país extremamente valioso e visado, pois sabe-se que em 25 anos um em cada cinco países sofrerá com a escassez de água. Esta escassez certamente gerará conflitos de ordem internacional, já que estudos da ONU indicam que em 2025 a falta de água afetará a vida de 3 bilhões de pessoas. O crescimento populacional e as exigências imediatas por energia e alimentação estão impondo, não só aos brasileiros, mas a toda a população mundial, crescentes demandas de água doce. A alta tecnologia alcançada pelo homem tem levado à drenagem de grandes reservatórios de águas subterrâneas e ao desvio de rios em prol de benefícios locais, no entanto, cumpre salientar que estes são feitos de forma desenfreada. Em conseqüência disso os lençóis de água na China, na Índia, nos EUA, e nos Mares Cáspio e de Aral, na Rússia, estão diminuindo gradativamente. A este respeito, Franco Montoro escreve:

 

 

A escassez e o uso abusivo da água doce constitui hoje, uma ameaça crescente ao desenvolvimento e à proteção do meio ambiente. A saúde e o bem estar de milhões de pessoas, a alimentação, o desenvolvimento sustentável e os ecos sistemas estão em perigo. É necessário e urgente que a gestão dos recursos hídricos se efetue de forma mais competente e eficaz do que vem sendo feita até hoje. Essa conclusão não é apenas teórica, nem se refere a um futuro remoto. O problema é atual e afeta a humanidade de hoje. A sobrevivência de milhões de pessoas exige uma ação imediata, competente e eficaz. Mas, se de um lado, o problema das águas representa uma ameaça à humanidade, de outro, ele representa aspectos altamente promissores. A água é um valioso elemento promotor do desenvolvimento e do progresso. A água se presta a múltiplas utilizações da maior importância econômica e social: o abastecimento das populações e das indústrias, a irrigação das culturas, multiplicando sua produtividade, meio de transporte, com diferentes tipos de hidrovias, produção de energia, através das grandes e pequenas usinas hidroelétricas, fator de alimentação, com o desenvolvimento da pesca, ambiente para o esporte, o turismo, o lazer. Hoje as populações rurais migram para os grandes centros urbanos. A própria urbanização, o crescimento industrial e tecnológico e a poluição que advêm destas mudanças tornam o prover de água potável uma tarefa difícil. Portanto, faz-se necessário um gerenciamento e uma política séria destes escassos recursos, com um controle radical da poluição. (MONTORO, APUD VIANNA, 2005, p. 250-251)

 

 

                 Comemoramos em 2003 o Ano Internacional da Água Doce, mas essa é uma discussão que irá se estender para as próximas décadas e gerações, uma vez que a sobrevivência do planeta depende da qualidade da água. Daí a importância desta iniciativa, e de se fazer das celebrações deste ano uma lembrança permanente. Embora seja um elemento abundante no planeta, apenas 2,53% do total constituem águas doces, próprias para o consumo humano. Em 2015, quase 3 bilhões de pessoas - 40% da população mundial projetada - devem viver em países com dificuldades de garantir água suficiente para atender a agricultura, a indústria e as necessidades domésticas da população. Trata-se de um problema com implicações políticas, econômicas e sócio ambientais gigantescas, que se reflete, desde já, na pobreza de grande parte da população mundial. Uma das metas do milênio estabelecidas pelas Nações Unidas, em 2000, previa a diminuição pela metade da população mundial sem acesso a água doce e potável até 2015. Para atingir esses objetivos, seria necessário levar água encanada a mais de 300 mil pessoas por dia e saneamento básico a mais de 500 mil.

                 A meta não será cumprida, mas ao contrário, estima-se que até essa data dezenas de milhões de pessoas tenham morrido em decorrência de doenças relacionadas à água, incluindo uma média de 6 mil crianças por dia. Como, então, gerenciar este recurso finito que tende à escassez e que definirá o futuro da vida no planeta? Quais parâmetros éticos, mudanças de atitude e comportamento orientarão um novo contrato social no que diz respeito aos recursos hídricos? Compreender a dimensão do problema é o primeiro passo para começar a resolvê-lo.

                 A água ainda tem sido vista como uma fonte de conflitos e apresentada em termos de catástrofe, escassez e contaminação. Necessitamos implementar uma agenda política positiva, voltada para uma visão mais construtiva da água como recurso essencial e compartilhado. A dificuldade de acesso à água potável e de saneamento básico deve ser encarada como uma violação dos direitos humanos e uma afronta à dignidade humana, e esse é também um marco que já orienta nossas ações. Um dos grandes méritos das celebrações deste Ano Internacional da Água Doce foi jogar luz sobre o falso mito da inesgotabilidade dos recursos hídricos, bem como trazer a base onde deve se estabelecer uma abordagem coerente da água com o desenvolvimento sustentável no mundo. Nunca se fizeram tantos seminários, estudos, publicações e manifestações sobre o tema como este ano. Este foi um passo importante. Cabe a nós, agora, fazer da boa teoria a prática, levando adiante as boas idéias apresentadas. Isso exige articulação entre Estado e sociedade civil, porque é problema de todos, sem exceção.

                  Em suma, elas resultaram no lançamento do Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, que fomenta a busca de soluções em vários níveis, nos campos da educação e da cultura, no setor de informação e difusão de práticas sustentáveis no manejo das águas. E uma de nossas conclusões mais fundamentais é a de que as comemorações deste Ano Internacional da Água Doce não se esgotam em 2003. Mais do que isso adentram todo o século XXI. Deste debate, pode surgir uma nova sociedade, mais sintonizada com a natureza e consciente de que a sustentabilidade do planeta depende do esforço conjunto em favor de um futuro viável comum.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

 

 

CORSON, Walter H. Manual global de ecologia: o que você pode fazer a respeito da crise do meio ambiente. Trad. Alexandre Gomes Camaru. 2. ed. São Paulo: Augustus, 1996. p. 158.

 

VIANNA, Regina Cecere.  Os Recursos de água doce no mundo – Situação, normatização e perspectiva. Edição comemorativa, 45 anos Direito/FURG. JURIS, Rio Grande, 11: 247-269, 2005.