A AFIRMAÇÃO DO BOLETO BANCÁRIO COMO TÍTULO DE CRÉDITO: uma evolução da duplicata[1]

Marcos Henrique Sacramento Brito e Mozaniel Vaz da Silva[2]

RESUMO:

A abordagem do presente trabalho remeter-se-á à posição favorável acerca da consideração do boleto bancário como título de crédito. Com isso, serão elaboradas e exibidas todas as formas de embasamento necessárias e possíveis direcionadas à consunção da duplicata com o boleto bancário, afirmando este ser nada mais que uma inovação daquela. Para a satisfação de tal procedência, exibir-se-á primeiramente as características essenciais e notórias acerca de cada tipologia de duplicata, chegando até ao mais novo modelo, a “duplicata virtual”. Por esta, far-se-á um quadro comparativo com o boleto bancário, destacando suas semelhanças e diferenças, mas levando à uma sinonímia de ambos. Por fim, defendendo o tema central do Paper, se entoarão todos os fundamentos ensejados a se considerar o boleto bancário como uma real substituição da duplicata, possuindo aquele os mesmo caracteres básicos e necessários a esta, certificando-se assim que o boleto é um título de crédito legítimo.

Palavras-chave: Duplicata virtual; boleto bancário; desmaterialização; possibilidade; títulos de crédito.

1 INTRODUÇÃO

A duplicata, constituída como um verdadeiro título de crédito, sendo regida pela Lei 5474/68, vem gradativamente se encontrando em desuso, fato que decorre dos avanços da computação, com a implantação dos sistemas de processamento de dados, podendo assim o sacado responsável pela emissão de duplicatas emiti-la virtualmente, sendo desnecessária a sua materialização no papel. Assim, as instituições mercantis e financeiras utilizam-se de meios eletromagnéticos para a realização do pagamento por meio de procedimentos eletrônicos. Nascem assim as chamadas duplicatas virtuais, muitas vezes confundidas com o próprio boleto bancário por um ponto de vista da lei e da jurisprudência, mas de outro lado, sendo remetidos à visíveis diferenças, o que pode constituir o boleto como uma substituição da duplicata não em sentido material, mas como uma mera formalidade oriunda do aumento dos meios eletrônicos para a realização do pagamento de dívidas. Em torno dessa realidade, entra em foco a análise das primeiras duplicatas existentes no mundo fático e jurídico, que são as duplicatas mercantis – a mais conhecida e utilizada desde à existência das primeiras práticas de compra e venda realizadas pelos mercados – e as duplicatas de prestação de serviços, a qual possui poucas diferenças em relação à mercantil, oriundas devido à sua finalidade. A remissão das principais características de cada uma, de seus regimes jurídicos e as necessárias comparações a serem feitas darão entendimentos mais eficazes ao atual modelo de duplicata, afirmando que esta não perdeu as características de um verdadeiro título de crédito. Através de tal procedimento, será possível direcionar-se à motivação que enseja o principal objetivo do presente trabalho, que consta o de convencer, a partir de todos os argumentos cabíveis a uma fundamentação racional, acordados às características fundamentais e intrínsecas a cada tipo de duplicata, que a duplicata virtual constitui como um título de crédito legítimo e que o boleto bancário nada mais é que um sinônimo de tal duplicata, sendo muitas vezes até mesmo a utilização de ambos os nomes para se referir-se a um só tipo de documento.

No primeiro tópico do desenvolvimento, serão feitos um breve estudo de todos os modelos de duplicatas, inclusive a virtual, recapitulando as características essenciais do regime jurídico de cada uma, não procurando explicar nenhuma delas de forma exaustiva, de modo a não usurpar do tema central do trabalho. Neste tópico, buscar-se-á apenas mencionar pontos cruciais os quais darão suporte ao tema, dissertando, ao final, comparações entre cada uma das tipologias de duplicatas.

O segundo tópico já se direcionará aos argumentos necessários e possíveis que darão ensejo a verossimilhança da duplicata com o boleto bancário, sendo remetidos primeiramente às comparações das divergências existentes entre a defesa, por um lado, de que ambos são sinônimos, e por outro, que duplicata e boleto não se confundem de forma alguma. A partir de tais comparações é que poderão ser refutadas as considerações acerca de que ambos constituem documentos diferentes, aplicando-se justificativas que tornem todos os argumentos contrários à essa posição equivocados.

No terceiro tópico ocorrerá, finalmente, de forma sucinta e clara a defesa do tema central do trabalho, havendo um reforço de todos os fundamentos favoráveis elencados no tópico anterior, constituindo-se também de outras considerações essenciais à construção do convencimento. Assim, poder-se-á finalmente confirmar que o boleto bancário é um verdadeiro título de crédito, sendo ele nada mais que uma inovação do antigo modelo de duplicata, que já se encontra em desuso.

1 O REGIME JURÍDICO DA DUPLICATA

A duplicata, por ser um título de crédito típico e já consagrado há bastante tempo como tal, é regulado pela Lei 5.474, datada do ano de 1968 – a Lei de Duplicatas. Nela consta todos os requisitos essenciais do título que será estudado, abordando as características peculiares e essenciais, os princípios e a viabilidade junto às regras de todos aqueles elementos previstos em quaisquer títulos, tais como aceite, aval, endosso, protesto e execução. Com embasamento nessa lei, no Código Civil – que trata a respeito dos títulos de crédito em geral –, e também da doutrina, será traçado o alicerce que dará um melhor direcionamento e entendimento ao trabalho, analisando-se os tipos de duplicatas existentes, para assim extrair uma base não só para a melhor compreensão acerca das duplicatas, mas também para auxiliar e fundamentar no posicionamento adotado ao longo de todo o desenvolvimento acerca dos boletos bancários. Assim, poder-se-á tecer comparações da duplicata com o boleto bancário, a fim de estabelecer uma relação de verossimilhança.

Cada um dos três sub tópicos a serem discorridos a seguir abordará sobre um tipo de duplicata e estabelecerá comparações entre uma e outra.

2.1 Duplicata mercantil

O surgimento da duplicata deu-se com a duplicata mercantil, constituída por um valor correspondente às compras feitas em um determinado estabelecimento comercial, referente ao crédito (valor monetário) que o vendedor receberá pela venda dos produtos mencionados na fatura ou nota fiscal-fatura – devendo uma destas serem obrigatoriamente emitidas para que a duplicata possa ter validade e eficácia. Geralmente sua emissão se dá quando as compras são feitas a prazo, embora sua existência possa se dar também em compras à vista. Por haver necessidade da anterioridade de um contrato de compra e venda entre o sacador (vendedor e credor) e o sacado (comprador e devedor), esta se constitui como um título causal, devendo ser emitida tão-somente perante a existência de um contrato dessa natureza, dado pelos documentos da fatura ou nota fiscal-fatura.

Desse modo, a duplicata pressupõe a existência de um contrato de compra e venda mercantil ou de uma compra feita a comerciante, já perfeita e acabada. Ela resulta desta venda mercantil, quando não é o preço pago segundo a regra, isto é, imediatamente, logo que o contrato se ultima (RIZZARDO, 2013, p. 192-193 apudPLÁCIDO E SILVA, 1960, p. 560).

Ela é atualmente considerada como título legítimo, por ser amparada pela lei de Duplicatas. É um título à ordem de pagamento e possui tão-somente as figuras do sacadore sacado. Na duplicata estará contida obrigatoriamente a fatura, onde haverá a discriminação de todos os bens comprados, ou facultativamente a nota-fiscal fatura, “que é um instrumento único de efeitos comerciais e tributários (RIZZARDO, 2013, p. 192)” – substituindo esta a fatura. Estes deverão ser extraídos junto à duplicata mercantil, pois apenas ela se configurará como título de crédito e terá executividade, ao contrário do boleto bancário. Tanto a fatura quanto a nota-fiscal fatura não poderão ser configuradas como títulos de crédito sob nenhuma hipótese, visto nelas não constar nenhuma informação acerca do crédito devido; já o boleto bancário contém tais informações.

A respeito do aceite, este deve ser obrigatório, salvo as hipóteses de recusa expressas no artigo 8º da Lei de Duplicatas. Fábio Ulhôa Coelho assevera, sob o aspecto geral do aceite que “[...] é obrigatório porque, se não há motivos para a recusa das mercadorias enviadas pelo sacador, o sacado se encontra vinculado ao pagamento do título, mesmo que não o assine (2012, p. 525)”.

Segundo o artigo 13 da Lei de Duplicatas, a duplicata pode ser protestada por falta de aceite, devolução ou pagamento. “O protesto da duplicata pode ser feito, em qualquer caso, mediante simples indicações do credor, dispensada a exibição do título ao cartório (COELHO, 2012, p. 527)”. Dessa forma, há a dispensa do próprio título impresso, o que ocasionaria uma violação ao princípio da cartularidade. Portanto, pode-se cogitar que, se um título de crédito de existência física ignora sua própria existência, imaginar-se-á um título de crédito virtual, tais como a duplicata virtual e a chamada “duplicata escritural”, apelidado de boleto bancário – sendo ambas até mesmo sinônimas, como será visto e defendido no decorrer dos próximos capítulos.

A execução da duplicata deverá ser feita somente após o vencimento do título – assim como ocorre com qualquer outro título de crédito – entrando-se com uma ação cambial para poder se exigir o crédito deferido no título, referente ao pagamento do vendedor pelas mercadorias vendidas ao comprador. A prescrição, segundo o artigo 18 da Lei de Duplicatas, ocorre em três anos, a contar da data do vencimento, contra o sacado; e um ano contra os demais coobrigados e partir do pagamento a fim de se exigir o direito de regresso contra codevedores.

2.2 Duplicatade prestação de serviços

O crédito do prestador de serviços pode ser documentado mediante uma duplicata – consoante aos artigos 20 a 22 da Lei de Duplicatas – tendo esta também causalidade, agora não à um contrato de compra e venda, mas ao de prestação de serviços.

A duplicata de prestação de serviços pode ser emitida por sociedades empresárias cuja atividade são serviços. A pessoa física também pode emiti-la, desde que desenvolva empresarialmente a atividade econômica de fornecedora de serviços ao mercado, mas essa hipótese é raríssima (COELHO, 2012, p. 535).

A importância da emissão dessa tipologia de duplicata revela-se apenas tão somente na existência de uma efetiva prestação de serviços, de qualquer natureza, sendo legal e/ou legítima, não importando se a pessoa é jurídica ou física. Portanto, ela não possui eficácia e validade apenas à empresas, mas para qualquer pessoa natural que tenha prestado qualquer tipo de serviço.

Perante as características exclusivas apenas da duplicata de prestação de serviços, assevera Fábio Ulhôa Coelho:

A duplicata de prestação de serviços está sujeita ao mesmo regime jurídico da duplicata mercantil. Apenas duas especificidades devem ser destacadas: a) a causa que autoriza sua emissão não é a compra e venda mercantil, mas a prestação de serviços; b) o protesto por indicações depende da apresentação, pelo credor, de documento comprobatório da existência do vínculo contratual e da efetiva prestação de serviços. Em razão do regime comum desses títulos, encontra-se a sociedade empresária prestadora de serviços obrigada à escrituração do Livro de Registro de Duplicatas, à emissão da fatura ou nota fiscal-fatura discriminatória dos serviços contratados etc (2012, p. 535).

Além do contrato de prestação de serviços, o sacador deve emitir a duplicata não somente com a fatura ou nota fiscal-fatura, mas também com a comprovação de que houve a verdadeira contratação e que o serviço foi prestado. Esses documentos comprobatórios – necessários para a efetuação do protesto (caso haja inadimplemento) –, não se confundem com a fatura ou nota fiscal-fatura, haja vista que naqueles haverão tão somente a declaração de comprovação da efetivação do serviço e da existência do contrato, enquanto que nessas serão descritas os tipos de serviços prestados.

Em relação ao aceite, endosso, protesto e execução, as regras são as mesmas previstas à duplicata mercantil.

Um aspecto bem interessante e que não pode ser deixado de lado refere-se ao registro da duplicata em meio eletrônico, configurando-se a duplicata virtual. Assevera-se que não apenas a duplicata de prestação de serviços, mas também a mercantil é passível de registro através de meios eletromagnéticos – embora seja de facticidade mais comum a existência de duplicata virtual de prestação de serviços, de onde provém a maioria dos boletos bancários.

Como os regimes são os mesmos, não há dúvidas de que a duplicata de prestação de serviços admite, tal como a mercantil, registro exclusivo em meio eletrônico. Observa-se apenas que os elementos mencionados em lei, para fins de permitir o protesto por indicações (LD, art. 21, §3º, in fine: efetiva prestação dos serviços e do vinculo contratual que a autorizou) podem ser provados por relatórios do sistema do prestador de serviços, cuja geração depende do acionamento, pelo adquirente, de suas senhas e códigos. Aliás, há tempos os empresários, bancos e cartórios de protestos não diferenciam o processamento das informações de um ou outro tipo de duplicata (COELHO, 2012, p. 535).

O autor aduz, a partir desse trecho, que a duplicata comum já se encontra em substituição pela duplicata virtual. A duplicata virtual engloba os dois tipos de duplicatas, mas elas só poderão ser produzidas por empresas ou instituições financeiras que possuam cadastro no sistema eletrônico competente para tal feito. Para isso, é necessário que se tenham uma senha para o acesso às duplicatas, para que dessa forma apenas os legitimados possam fazer e/ou emitir duplicatas, proporcionando segurança jurídica. Se não houvesse tal sigilo, qualquer um que entrasse no sistema poderia fazer uma duplicata, ensejando assim práticas abusivas e descontroladas, as quais podem provocar sérios danos patrimoniais às empresas, financeira e supostos devedores. Além disso, a assinatura eletrônica, como já incideem todosos ramos do direito que utilizam o sistema digital, sobretudo no tangente ao processo eletrônico, decorre da criptografia assimétrica, onde há a autenticação de seu autor de forma mais rápida e segura. Só assim é possível que ocorra a assinatura na duplicata virtual, visto que esta é um dos requisitos obrigatórios para qualquer título de crédito se torne legítimo.

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