Sergio Pereira de Faria

Resumo

A Afetividade no Direito de Família: Consequências Jurídicas, diz respeito a estudo realizado dos principais fundamentos da política brasileira quanto à tutela familiar, bem como objetivos e recursos utilizados para alcançá-la. Este estudo esclarece dúvidas a respeito da existência de decisões no tocante à afetividade e constituição da família no Brasil atual, dando ênfase a questões sociais e culturais. Além disso, relaciona legislações existentes e possivelmente conflitantes, enfatizando que o tema é polêmico e atualmente se busca um novo conceito familiar, marcado pelo afeto. Ao findar o estudo, conclui-se que o novo conceito de família baseado na afetividade esbarra em empecilhos tais como o modelo tradicional de união, casamento entre homem e mulher com finalidade de procriar, e por isso vislumbram-se necessárias intervenções em âmbito legislativo e até mesmo jurisprudencial, com fins a regular a afetividade no Direito de Família no Brasil.


Palavras-chave: Afetividade; Família; Direito.


1. Introdução

A partir da análise das características das relações humanas no Brasil, busca-se promover a defesa de um novo conceito de família nos tempos atuais, não erradicando ou menosprezando o antigo conceito de união baseado no casamento entre homem e mulher com finalidade de procriar e constituir família, todavia busca-se apenas esclarecer que existe um novo conceito familiar baseado no afeto.

O Código Civil de 1916 caracterizava família apenas quando originada do instituto do matrimônio, e desta feita, até o advento da Constituição Federal de 1988, pode-se dizer que o conceito jurídico de família era muito limitado e taxativo.

A era é outra, a dignidade humana é ponto primordial a ser buscado para promover o melhor convívio social entre as pessoas, implicando no respeito ao direito pessoal e na busca constante da felicidade.

Necessita-se, pois, de mobilização social com fins a se combater qualquer discriminação porventura advinda da não aceitação do que difere do modelo 'arraigado' de família como anteriormente citado, a união resultante do casamento entre homem e mulher com fins a procriar.

Tal conceito é vanguardista para alguns, seja consequência da pobreza e/ou falta de instrução e/ou quaisquer outras possíveis escusas para a não aceitação da atual conjuntura social-psíquica pela qual passa o conceito da família brasileira atual, porém não se pode negar que modificações estão ocorrendo e devem ser analisadas.

Quanto à questão doutrinária, cita-se alguns autores para se promover ponderações a respeito do tema. Para Roberto Senise, a expressão família não se limita à concepção católica do termo, sendo desta feita, disposto em lei, a entidade constituída pelo casamento civil entre homem e mulher, a união estável entre homem e mulher, e a relação monoparental entre ascendente e qualquer de seus descendentes.

Já Maria Helena Diniz considera plurivalente o termo família, possuindo acepções, amplíssima, lata e restrita. No sentido amplíssimo abrange todos os indivíduos ligados pelo vínculo da consangüinidade ou afinidade. Na acepção lata além dos cônjuges ou companheiros e filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins. E na significação restrita, família seria o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação; entidade familiar a comunidade formada pelos pais que vivem em união estável ou por qualquer dos pais e descendentes, independentemente de existir vínculo conjugal.

O nobre jurista Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez declara que embora família continue a ser a base da sociedade e desfrute de especial proteção estatal, não mais se origina apenas do casamento, podendo ter origem também na união estável e formar-se por qualquer dos pais e seus descendentes.

Conforme assevera o nobre promotor de justiça do Estado de Minas Gerais e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) Leonardo Barreto Moreira Alves, há de se mencionar que o princípio do reconhecimento da união estável (art. 226, parágrafo 3o, Constituição Federal de 1988) e da família monoparental (art. 226, parágrafo 4o, Constituição Federal de 1988) foram responsáveis pela quebra do monopólio do casamento como único meio legitimador da formação da família.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (Grifo nosso)

Não se pode negar, pois segundo preceitua o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), houve o reconhecimento legal do conceito moderno de família:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I ? (...);
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa (...).
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (Grifo nosso)

Em que pesem os pensamentos outrora suscitados e contrários ao atual conceito de família balizado pelo afeto, levar-se-á em consideração os pontos atuais com fins a pormenorizar os efeitos do conceito de família e suas consequências jurídicas com fins a dissecar a discussão trazida a lume.

Além disso, justifica-se a relevância do tema a ser abordado, haja vista a contribuição do estudo com fins a vislumbrar possíveis medidas para avanço da legislação brasileira, pois a análise bibliográfica que trata do assunto traz em seu bojo possíveis soluções e mudanças que possibilitem minimizar os efeitos dos entraves ainda existentes.


2. As Consequências Jurídicas da Afetividade no Direito de Família Brasileiro

2.1. O afeto e a família

Atualmente há que se falar em comprometimento mútuo quando se busca a definição de família nos dizeres da nobre jurista Maria Berenice Dias . Nesse contexto inserem-se por exemplo as uniões ditas homoafetivas, pois as pessoas se unem pelo afeto e isso é nada mais que o motivo pelo qual são traçadas estas linhas e pensamentos que desaguarão nas conseqüências jurídicas da afetividade no Direito de Família Brasileiro, pois a lei transmite a vontade das pessoas.

As decisões jurisprudenciais baseadas nesse novo conceito de família surtem efeitos inclusive no reconhecimento do direito sucessório, pois não se despreocupa das questões patrimoniais decorrentes das relações familiares.

"O direito de família contemporâneo tem voltado a sua atenção aos aspectos pessoais deste ramo das relações humanas, com a preocupação primordial de reconhecer à família a condição de locus privilegiado para o desenvolvimento de relações interpessoais mais justas, por meio do desenvolvimento de seres humanos (sujeitos de direito) mais completos e psiquicamente melhor estruturados".

Em razão disso, o foco do estudo é mostrar as mudanças que estão ocorrendo e a paulatina aceitação por parte da sociedade quanto ao novo conceito de núcleo familiar baseado na afetividade, as mudanças legislativas que precisam ser feitas e outros pontos tais sobrepujantes e aceleradores de mudanças com a melhoria do sistema educacional, identificação de situações onde e por qual motivo a discriminação ainda impera, programas de conscientização das famílias brasileiras, entre outros passíveis de implementação.

Diante dos pontos suscitados, o objetivo do estudo foca-se na demonstração que o afeto ?veio para ficar? e seus ditos efeitos colaterais, como a não aceitação, podem ser minimizados a partir da compreensão do motivo de sua existência na atual conjuntura social.

Desta forma, a partir deste objeto de pesquisa, busca-se promover análises sob pontos de vista diversos, incluindo jurídico, identificando, justificando e fundamentando a possibilidade ou não de aceitação por parte da sociedade brasileira deste, até certo ponto, controverso tema.

Não se pode negar que ainda persiste um discurso cultural e consensual na sociedade brasileira e que permeia as mais diversas camadas sociais. Tal discurso termina, ingenuamente, defendendo o matrimônio como única instituição capaz de originar família. Diante de tal, segue o estudo com germinações advindas do novo conceito de família.

2.2. Jurisprudências que relatam a aceitação do novo conceito familiar.

Apenas a título ilustrativo colacionam-se alguns julgados:

"HOMOSSEXUAIS. UNIAO ESTAVEL. POSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. E POSSIVEL O PROCESSAMENTO E O RECONHECIMENTO DE UNIAO ESTAVEL ENTRE HOMOSSEXUAIS, ANTE PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CONSTITUICAO FEDERAL QUE VEDAM QUALQUER DISCRIMINACAO, INCLUSIVE QUANTO AO SEXO, SENDO DESCABIDA DISCRIMINACAO QUANTO A UNIAO HOMOSSEXUAL. E E JUSTAMENTE AGORA, QUANDO UMA ONDA RENOVADORA SE ESTENDE PELO MUNDO, COM REFLEXOS ACENTUADOS EM NOSSO PAIS, DESTRUINDO PRECEITOS ARCAICOS, MODIFICANDO CONCEITOS E IMPONDO A SERENIDADE CIENTIFICA DA MODERNIDADE NO TRATO DAS RELACOES HUMANAS, QUE AS POSICOES DEVEM SER MARCADAS E AMADURECIDAS, PARA QUE OS AVANCOS NAO SOFRAM RETROCESSO E PARA QUE AS INDIVIDUALIDADES E COLETIVIDADES, POSSAM ANDAR SEGURAS NA TAO ALMEJADA BUSCA DA FELICIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL DE TODOS. SENTENCA DESCONSTITUIDA PARA QUE SEJA INSTRUIDO O FEITO. APELACAO PROVIDA". (TJRS, APELAÇÃO CÍVEL Nº 598362655, 8a CAMARA CIVEL, RELATOR: DES. JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 01/03/2000).

"RELACOES HOMOSSEXUAIS. COMPETENCIA DA VARA DE FAMILIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO EM SOCIEDADE DE FATO. A COMPETENCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO DE SOCIEDADE DE FATO DE CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO, E DAS VARAS DE FAMILIA, CONFORME PRECEDENTES DESTA CAMARA, POR NAO SER POSSIVEL QUALQUER DISCRIMINACAO POR SE TRATAR DE UNIAO ENTRE HOMOSSEXUAIS, POIS E CERTO QUE A CONSTITUICAO FEDERAL, CONSAGRANDO PRINCIPIOS DEMOCRATICOS DE DIREITO, PROIBE DISCRIMINACAO DE QUALQUER ESPECIE, PRINCIPALMENTE QUANTO A OPCAO SEXUAL, SENDO INCABIVEL, ASSIM, QUANTO A SOCIEDADE DE FATO HOMOSSEXUAL. CONFLITO DE COMPETENCIA ACOLHIDO". (TJRS, CCO Nº 70000992156, 8a CAMARA CIVEL, RELATOR: DES. JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 29/06/2000).

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em análise de contendas a respeito de bens de família reconheceu como entidade familiar a pessoa solitária e a comunidade formada por variados parentes, principalmente entre irmãos, conforme se depreende dos julgados:

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MÓVEIS GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE. LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR. CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI 8.009/90, ART. 1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 226, § 4º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.O CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR, DEDUZIDO DOS ARTS. 1º DA LEI 8.009/90 E 226, § 4º DA CF/88, AGASALHA, SEGUNDO A APLICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA, A PESSOA QUE, COMO NA HIPÓTESE, É SEPARADA E VIVE SOZINHA, DEVENDO O MANTO DA IMPENHORABILIDADE, DESSARTE, PROTEGER OS BENS MÓVEIS GUARNECEDORES DE SUA RESIDÊNCIA". (STJ, RESP N. 205.179-SP, DJ DE 07.02.2000).

"EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI Nº 8.009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMÍLIA.IRMÃOS SOLTEIROS. OS IRMÃOS SOLTEIROS QUE RESIDEM NO IMÓVEL COMUM CONSTITUEM UMA ENTIDADE FAMILIAR E POR ISSO O APARTAMENTO ONDE MORAM GOZA DE PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE, PREVISTA NA LEI Nº 8.009/90, NÃO PODENDO SER PENHORADO NA EXECUÇÃO DE DÍVIDA ASSUMIDA POR UM DELES". (STJ, RESP N. 159.851-SP, DJ DE 22.06.98).

Em análise histórico-cultural da sociedade brasileira, especialmente referendando as desigualdades sociais, mostra-se mais que complexa a defesa da afetividade como origem do núcleo familiar. No plano de conscientização, vislumbra-se uma inicial aceitação tímida, porém efetiva, inclusive ocorrida em âmbito jurisdicional conforme julgados supramencionados.

Adiciona-se ao elencado acima, factualmente que danos diversos podem ser causados às crianças que convivem em núcleos familiares homoafetivos, por exemplo, restando necessários acompanhamentos educacionais e psicológicos responsáveis por parte governamental, com mudanças inclusive nas políticas públicas de fomento dessas famílias.

Incluem-se ainda possíveis prejuízos mensuráveis ao longo do tempo, como impossibilidade do indivíduo ascender socialmente e ter acesso a recursos financeiros em virtude da não aceitação social do núcleo familiar ao qual pertence tal indivíduo, entre outros que podem ser suscitados, apesar de algumas pessoas defenderem de forma veemente que tais fatos acima suscitados seriam improváveis, há que se pautar pelo excesso de zelo ao invés de pecar pela falta dele.

Desta feita, infere-se que os prejuízos psíquicos podem advir e devem ser tomados em conta, excedendo o âmbito familiar, pois, na verdade, tal constatação tem reflexo social, afetando a coletividade, desde o indivíduo, sua família e a sociedade como um todo, de sorte que os efeitos negativos gerados ou vividos propagam-se, dando origem a uma sociedade onde prevalece a desigualdade, o individualismo, consequências do estilo socialmente adotado.


2.3. O que observar quando da formação familiar baseada na afetividade.

Conforme elenca a jurista Maria Berenice Dias, as ditas novas famílias constituídas a partir do conceito de afetividade, em especial os homoafetivos, têm o direito de se constituírem com prole.

Insurge desta feita, a nobre jurisconsulta, com a observância da possibilidade de adoção, vez que se trata de pares com incapacidade reprodutiva, todavia com potencial para exercerem a paternidade/maternidade de forma responsável, nos dizeres da jurisperita .

Mas não basta apenas alterar a legislação e adequá-la à nova realidade social. Há que se socializar de maneira correta, em outras palavras, possibilitar adequado desenvolvimento social dos indivíduos.

Por certo a família é ponto singular com fins a permitir a dignidade
humana e garantir a realização plena dos indivíduos.

Isto posto, carreia-se o necessário acompanhamento educacional, psíquico e até espiritual, o diálogo rotineiro, a transferência de maturidade e de lições de vida, a participação efetiva na escolha da escola, do esporte, entre outros pontos.

Renovar sempre as experiências e se conhecerem mutuamente para acompanhar as gradativas mudanças dos filhos é habilitar um ser humano intelectualmente sensato e coerente de valores, com fins a promover um seguro envolvimento social, definindo assim o real papel dos pais contemporâneos na formação da sociedade brasileira.

Sugere-se não vislumbrar apenas o sentido social, mas diversos outros pontos quando se fala em inclusão das ditas crianças surgidas dentro deste novo conceito de família na sociedade atual, principalmente a busca da construção de cidadania com valorações de experiências e focando aspectos que auxiliem no desenvolvimento humano, como os culturais, psicológicos e inclusive espirituais.

Como outrora mencionado, tais perspectivas necessariamente poderiam se congregar a programas sociais, buscando desta feita a redução dos pensamentos e atos discriminatórios que persistem na atual sociedade brasileira.


3. Estrutura de análise metodológica do estudo realizado

A metodologia é o meio utilizado para consecução do trabalho proposto. O estudo se desenvolveu, predominantemente, por meio de pesquisas bibliográficas, recorrendo-se a fontes históricas e doutrinárias que discutiam sobre a questão em enfoque, além das fontes primárias, como as decisões jurisprudenciais já estabelecidas.

O enfoque do presente foi interdisciplinar, em razão do estudo ter sido realizado através de matérias pertinentes a Ciência Jurídica, tal como Direito Civil, em especial Direito de Família e, além disso, matérias pertinentes à Psicologia, Educação, dentre outras engendradas e colacionadas ao tema em tela.

A vertente teórico-metodológica foi jurídico-dogmática, em face da capacidade metodológica trazida pela Ciência Jurídica, mas ocorre que, coadunou-se a esse pensamento a necessidade de se buscar no empirismo a resposta para o problema, uma vez que os elementos que ensejariam possíveis soluções respaldam-se em respostas do mundo real.

As fontes para produção do saber jurídico foram primárias, alçadas em jurisprudências, bem como secundárias, artigos jurídicos, doutrinas. Além disso, seguiu-se o bom senso de subscrever que, ambas as fontes estariam no contexto da fonte direta, aquela buscada no próprio ordenamento jurídico.

Ressalta-se que as tarefas de pesquisa relacionadas ao levantamento bibliográfico, coleta e análise dos dados foram realizadas por uma única pessoa, razão pela qual as ponderações a respeito do tema representam o ponto de vista do autor do projeto coadunado com alguns pensamentos divergentes colacionados com a bibliografia levantada, o que proporcionou a formação de um ponto de vista não findado a respeito do tema trazido a lume, inclusive assunto este, a priori, considerado de vanguarda e um tanto quanto polêmico.

4. Conclusão

Conforme estudos relatados na bibliografia consultada, tanto as políticas públicas como os esforços financeiros governamentais devem ser considerados quando da análise da afetividade e sua influência na formação da família brasileira atual, sendo o grau de envolvimento dos mais diversos setores governamentais essenciais para tal feito.

Ocorre que, a partir da Constituição Federal de 1988, houve o reconhecimento da união estável (art. 226, parágrafo 3o) e da família monoparental (art. 226, parágrafo 4o). Além disso, há que se pontuar como ponto primordial a existência de um princípio denominado dignidade da pessoa humana (art. 1o, III), razão pela qual a família, anteriormente tratada pelo Código Civil de 1916 sob a ótica do matrimônio e com visão eminentemente patrimonialista, restou num agrupamento aberto, plural, multifacetário, personalista, difusor da felicidade de cada um dos seus componentes, de maneira que o afeto é o primordial e único requisito de constituição.

Pontua-se ainda, que de maneira infraconstitucional o conceito moderno de família foi modificado através do art. 5o, II, da Lei n. 11.340 (Lei Maria da Penha) já supramencionado, sendo necessário, nem que seja por coerência jurídica, a recepção de tal a nível constitucional.

Em razão da já existência do conceito legal, vislumbra-se aprioristicamente reconhecida a união homoafetiva (entre mulheres pela Lei Maria da Penha e entre homens pelo princípio constitucional da igualdade) como entidade familiar no cenário social brasileiro atual.

Resta, portanto, a necessária indagação se há interesse na aprovação de um projeto de lei para disciplinar tal matéria, vez que afasta-se completamente a incidência da célebre Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal que caracterizaria tal união como sociedade de fato, pois vislumbra-se que tal se encaixa no conceito de entidade familiar nos moldes asseverados pela lei supracitada, sendo inclusive passível de apreciação sempre na Vara de Família e nunca em uma Vara Cível.

Vale ainda lembrar, caso as necessidades financeiras e políticas sejam superiores às capacidades e possibilidades das autoridades, deve-se reconhecer uma mudança importante por parte da sociedade frente ao tema tratado, a exemplo da farta jurisprudência existente, inclusive com algumas relatadas no estudo.

Soma-se ainda ao exposto acima, a necessária atuação do Ministério Público, dos juízes, demais autoridades e cidadãos como um todo com fins a promover mudanças sociais e inclusive buscando alterações em âmbito legislativo, entre outros pontos que devem ser ponderados e solucionados.

Quanto ao ponto da aceitação social da formação de novas famílias originadas do conceito de afetividade, há uma longa caminhada a ser feita e diversas barreiras a serem transpostas, enfatizando que o assunto é vanguardista e de suma importância, pois no caso em tela verificam-se necessárias modificações na legislação.

Ao ensejo cabe ainda salientar o fato da sociedade estar se mobilizando e diversas discussões estão sendo trazidas à tona, restando pois, provado, que ainda não há pacificação a respeito da questão trazida a lume.



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