A SÍNDROME DE DIÓGENES PELO STF. 

Por: Marcio Roberto Lenco[1]

01/09/2016. 

 

Palavras chave: ADPF 378, jurisdição constitucional, direitos fundamentais, ativismo jurídico. 

 

INTRODUÇÃO: 

Análise empírica da ADPF 378 e a influência da jurisdição constitucional na interpretação dos direitos fundamentais suscitados. 

Em apertada síntese o presente escrito discorrerá sobre os temas constitucionais abordados na referida ADPF 378, que tratou de discutir o rito de impeachment (impedimento) do chefe do executivo, que em meio a um cenário político extremamente dividido no âmbito nacional, além de uma profunda crise econômica em andamento jamais vista antes na história desse país, e por fim em deflagração do maior esquema de corrupção da história moderna e já conhecida.

 Após anos de retrocesso e piora de todos índices sociais e econômicos, diversas denúncias ganharam corpo iniciando um processo que trouxe a luz um esquema formado por “quadrilha de criminosos travestidos de agentes públicos e com um projeto criminoso de poder ” que se abrigara no Palácio do Planalto (palavras do decano Celso de Melo) atuando sempre em atitude criminosa com o objetivo de destruir todas as instituições e mergulhar o país em um mundo de miséria e rebaixamento da própria condição humana. E que violou de maneira flagrante praticamente todos os valores e diretos individuais e coletivos insculpidos em nossa a Constituição Republicana.

Nessa atmosfera a população foi ás ruas pressionando e constrangendo a classe política a tomar medidas, exercendo assim a sociedade o seu direito de protesto, e fazendo valer princípios que até então havia sido invocados apenas para proteger o então governo de cleptocrátas, tais como o da dignidade da pessoa humana e a cobrança pela transparência e mudança do status quo que são valores de cunho universal. A sociedade buscou restabelecer a esperança em direção a luz, rejeitando um governo de obscuridade e escuridão e caminhando para um futuro de transparências institucionais.

Diante desse cenário o então presidente da Câmara dos Deputados acolheu apenas um, dos mais de 50 pedidos de denúncia protocolados contra a então Presidente da República, denúncia aceita é realizado juízo de admissibilidade por parte do presidente da Câmara, cumprida formalidade, há o prosseguimento da denúncia nos exatos termos do rito da lei 1079/50 a lei do Impeachment, rito usado no caso Collor em 1992, ou seja, após a promulgação da nossa carta maior de 1988, fora convocadas eleições para a formação da comissão e para o prosseguimento do rito tal qual o determinado pela CF/88, pela lei e pelo STF em 1992.

Cumpre por vez apontar que a atuação do STF nessa ADPF promoveu e protagonizou intervenção em demasia na lei e na própria jurisprudência da corte, praticou intervenção reversa na interpretação da carta maior, se valendo para tanto da chamada jurisdição constitucional, que em linhas gerais, seria o poder exercido pelos juízes e tribunais no controle direto, no exercício do controle de constitucionalidade e na interpretação de leis infraconstitucionais com base na própria constituição em vigor.

 

Síntese da jurisdição constitucional

Ao discorrer sobre o tema, usado como ferramenta para reinterpretar a CF é de se notar todos os preceitos que pertencem ao universo dos direitos fundamentais e que no  Estado constitucional e de direito, a Constituição tem valor de norma jurídica, o que significa dizer que ela é a orientadora para a produção de todas as leis e atos normativos, impondo limites e celebrando direitos, além das obrigações tanto para as pessoas como para o Estado, o que em suma, quer dizer que a Constituição busca ser centralizadora e detentora de todo poder jurisdicional por meio da suprema Corte e na visão desses ativistas poderiam eles dar o tom de como será interpretada a lei segundo seus interesses ideológicos, conforme visto até agora.

E no entender do próprio ministro Barroso ao tratar do tema esclarece que a jurisdição constitucional atua de duas formas, a primeira seria a de aplicação direta da Constituição ás matérias nela própria contida. Já a segunda seria de forma indireta e se daria quando o julgador a usa como parâmetro para aferir a validade de qualquer norma infraconstitucional ou então dar a ela maior sentido ao interpretá-la[2], o resultado disso foi acompanhado pela sociedade nacional e internacional, nesse sentido estivemos próximos de enterrar a democracia e mergulhar em um oceano de insegurança e incertezas.

 

Da ADPF 378 e o ativismo jurídico do STF.

Tal situação como descrita na parte introdutória ensejou a propositura da ADPF 378, impetrada pelo PCdoB, co-participe do projeto criminoso de poder com o objetivo de rediscutir o rito já determinado pela Constituição de 1988 e regulado pela lei 1.079/50 e utilizada no rito do Impeachment em 1992 e avalizada pelo STF naquela oportunidade, se valendo do aparelhamento do Estado para salvar seus comparsas da mão da justiça.

 A análise crítica e não menos técnica já se inicia com a propositura da própria ADPF que possui natureza jurídica de controle abstrato de constitucionalidade, servindo como precedente para julgamentos futuros, mas para o caso em apreço como cediço, obteve repercussão imediata no andamento do processo com sua suspensão e por fim a alteração de todo o rito, observando o movimento de ativismo jurídico praticado pelo STF.

Nos pedidos da referida ADPF 378 o PCdoB requereu dentre outros pedidos a necessidade de apresentação de defesa prévia, anulação da comissão especial, também pediu o afastamento dos regimentos internos de ambas as casas legislativas, possibilidade da Câmara em receber ou não a denúncia, suspeição do então presidente da Câmara e nova interpretação da lei 1079/50 dentre outros.

 

A ADPF 378 e o aparelhamento do STF.

 O Ministro Edson Fachin do STF e relator, na oportunidade em análise de juízo de admissibilidade entendeu estarem presente os pressupostos da ADPF, a violação a preceito fundamental, ato do poder público e a subsidiariedade. Tendo em vista grande discussão doutrinária acerca dos requisitos de admissibilidade da ADPF, deixamos exposto o entendimento de que a referida ADPF seria um mecanismo para proteger a rigidez do ordenamento jurídico, o que garante dessa maneira maior segurança jurídica, assim quando todos os outros meios não forem capaz de proteger as normas e princípios da Constituição, em ultima ratio seria cabível a ADPF. Ao nosso sentir não seria, portanto, cabível a presente ADPF se observado o cumprimento de todos os argumentos lógicos- jurídicos da lei 1079/50 e já analisados pelo STF em 1992 e sua própria jurisprudência.

Diante dos pedidos elencados na ADPF e relacionados com a ADI e ADI por omissão no bojo da própria ADPF, entendeu o STF ser possível pelo principio da fungibilidade a cumulação desses pedidos, ponto que causou certa resistência em grande parte de juristas e doutrinadores, mas em vista da constante judicialização do processo político em que se buscava a todo o momento rediscutir leis e ritos já estabelecidos pela própria corte suprema, o caminho do ativismo jurídico foi inevitável tendo em vista a própria composição da corte, a insegurança jurídica prevaleceu e a crise econômica com fechamento de empresas, desemprego, inflação, juros altos, sucateamento do país seguiu seu curso, tudo graças a suprema corte desse país que deu de ombros á sociedade largando á sua própria sorte.

 

O papel da Câmara no recebimento da denúncia e o STF

Outro ponto abordado na referida ADPF, foi o do papel da Câmara dos Deputados, onde o STF deu interpretação na direção de que a decisão da câmara de receber a denúncia não vincularia o Senado, em outras palavras, mesmo a Câmara recebendo e autorizando a abertura de processo o Senado não estaria obrigado a julgá-lo, o que contraria frontalmente a Constituição, a lei 1.079/50, a jurisprudência e a doutrina absoltamente majoritária.[3]

Nessa seara, o STF em voto capitaneado pelo Ministro Barroso e acolhido pela maioria de seus pares, deu sentido diverso do que apresenta a Carta magna a lei e a jurisprudência da corte, interferindo em outro poder e reduzindo o papel da Câmara com mera participação de um momento pré- processual, fazendo apenas o juízo de admissibilidade da Denúncia, inovando e criando regras para que o Senado pudesse ignorar o pedido da câmara com o procedimento de recebimento ou não da denúncia, como visto em flagrante inovação jurídica, invocada pela teoria da jurisdição constitucional, que a esse sentir se mostrou intervenção em demasia trazendo grande insegurança jurídica não apenas a esse conteúdo, mas insegurança ao próprio direito.

Tal fundamento encontra eco nas palavras de um dos maiores juristas em atividade e um dos autores da denúncia o douto professor Miguel Reale Junior em entrevista veiculada nos meios de comunicação em que naquele momento declarou “estar sendo praticado um ativismo de altíssimo grau no STF e que este não está contente apenas em julgar querendo também legislar”, afirmou que o rito usado no caso Collor foi alterado para beneficiar o então “governo com projeto criminoso de poder” e fez a seguinte ponderação; “como pode a maioria simples do Senado destituir uma maioria qualificada de 2/3 da Câmara”, inverteu-se a ordem em que o certo passa pelo errado e vice-e-versa.[4]

Tal situação assume grande relevo na medida em que quando instaurado o processo contra o Presidente da República, este será afastado do seu cargo provisoriamente pelo prazo máximo de 180 dias. Significa dizer que nos termos da CF a Câmara admitindo a acusação o Senado ao receber a denúncia é obrigado a instaurar o processo, na prática seria o papel da Câmara a decisão de afastar o presidente, mas o STF inovou e nesse ponto errou.

 

Do voto do relator

Na oportunidade o ministro Fachin então relator, em que pese críticas acerca da sua imparcialidade como tem sido demonstrado até agora, o ministro elaborou voto em direção a lei e ao entendimento consolidado da própria corte Suprema apenas como firúla jurídica, como óbvio ficou voto vencido, em mais uma oportunidade a escuridão pairou sobre a justiça e sobre a corte, afastando todos aqueles da virtude, desta forma nesses momentos aqui se vale de uma passagem escrita por Platão no livro A República acerca da justiça, e um cidadão ateniense chamado Adimanto em discussão com Sócrates exalta que a injustiça seria mais proveitosa do que a justiça, pois dela se obtém mais proveito  ao praticá-la.

Ressaltando observações do ministro Gilmar Mendes, descreveu que o STF deu um balão de oxigênio ao alterar o rito do impeachment e anulando os atos da câmara, além de inúmeras outras peripécias no desenrolar da ADPF 378, ainda nas palavras do ministro seria como se a corte suprema assumisse a complacência com maus feitos e uma “uma condição de Bizarrice que nos enche de vergonha” e nos iguala aos mais baixos.

Na mesma linha o ministro Toffoli, na mais alta conta de parcialidade, também defendeu a independência da câmara, mas em um belo ensaio de data vênias e o uso e abuso de termos jurídicos indecifráveis pela sociedade foi voto vencido, mas também não por menos  deixou de fundamentar o direito em sustenta o voto secreto em eleição, seja ou não da câmara, nesse sentido é garantia fundamental de nossa república a proteção ao escrutínio secreto, sob pena de voltarmos aos tempos  do “voto de cabresto” e das práticas de “coronelismo”, prática que tem se tornado um hábito mal e visto com freqüência  no Senado e no STF.

Já se encaminhado para a conclusão procurou-se mostrar que foram invocados direitos fundamentais de toda a espécie para a judicialização do processo de impeachment, por meio da ADPF 378 e por isso extrapolando todos os parâmetros da legalidade e do cinismo, se valendo da premissa de que “os fins justificam os meios”, desde que para defender seus interesses e de seus asseclas, se valeu da manipulação deliberada da lei usando de argumentos como a o da jurisdição constitucional, assim defendida pelo ministro Barroso, e que nas palavras do professor Reale ganharam contornos reais ao trata-se de um verdadeiro ativismo judicial, segundo sua opinião que é compartilhada por toda pessoa séria desse país.

Pode-se perceber isso com a intervenção no funcionamento da Câmara, inclusive restringindo direitos dos parlamentares e que pode por em cheque o futuro institucional da Câmara e do poder Legislativo, o STF se valeu de premissas equivocadas e uma revolução na jurisprudência da corte sobre a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário em assuntos internos de outro Poder da República, o princípio violado é base da nossa República que é a independência dos poderes e harmônicos entre si, vale lembrar que é cláusula pétrea.

 O supremo na ADPF se valeu da analogia, invalidando a aplicação dos regimentos internos no caso concreto o da Câmara, tendo em vista que a Câmara em seu regimento ainda prevê todo procedimento para o rito do impeachment naquilo que lhe compete, ao tratar da eleição para formação de chapa. E ainda mais, o ministro Barroso chegou a afirmar que nem mesmo eleição seria preciso para a formação de comissão que poderiam ser indicados ou escolhidos, lançando mão do dicionário Aurélio para dizer o que seria eleição.

Também o ministro Barroso foi casuístico em sua decisão (que foi acompanhada pela maioria em sinal de submissão ao compadrio), ao impedir a votação secreta e mais uma vez de forma equivocada se valeu do processo do então presidente Collor subvertendo e indicando situação diversa do caso concreto, que na câmara naquela oportunidade tinha ocorrido de forma aberta e já no Senado ocorrera de maneira secreta, o que mostra a incoerência do voto e por fim da decisão do STF.

Dessa forma é possível afirmar que o caso da ADPF 378, não foi apenas um ponto fora da curva, mas um sinal de alerta á toda sociedade que deve estar vigilante e buscar formas institucionais de limitar o poder que chega ao absurdo de querer controlar os outros poderes sem se sujeitarem ao controle da lei, como constantemente afirmado pelos ministros de que eles não estão sujeitos ás criticas da sociedade, nem se submetem ao julgo público e pelo visto também não se submetem a lei, ao olhar para aquela corte se tem a nítida impressão de ouvir os ecos de Luis XIV[5], “o Grande”, o “Rei Sol, na célebre frase que o tornara inesquecível “Je souis la Loi, Je souis I’Etat; I’Etat c’est moi” [6]ou se aproximando das personalidades envolvidas poderíamos ouvir o que pregava Mussolini, “Nada acima do Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”[7]

Hoje se vivencia momentos delicados em que as instituições estão sendo testadas e com enormes conflitos entre os poderes e com retóricas ácidas que pode significar a perda de conquistas advindas com a segurança jurídica e o respeito às leis e as instituições estabelecidas, cabe sim, o papel do STF em ser guardião da Constituição, mas não cabe a ele legislar em prol de uma ideologia ou para agraciar apadrinhados que violaria mais um principio fundamental considerado cláusula pétrea, que é o princípio da isonomia, aqui sim devemos celebrar e protegê-lo como fundamento em si mesmo.

Estar-se-á o cidadão a percorrer por todos os cantos como o filósofo Diógenes de Sínope, também conhecido como Diógenes, o Cínico, ou o “Cão”, que viveu em Atenas entre (aproximadamente) 412 a.C e 323 a.C, que andava pelas ruas de Atenas carregando uma lamparina acesa durante o dia, alegando que estaria procurando por um homem justo e honesto, não resta dúvida que deveria a lamparina estar agora nas mãos da guardiã Têmis[8] no lugar da balança ou mais precisamente de Dice ou Diké[9], essa sim, a deusa da justiça e dos julgamentos, pois até o símbolo a justiça e o modo de se fazer justiça se apresenta equivocado.

BIBLIOGRAFIA:

  • ADPF 378.
  • Constituição Federal de 1988.
  • Lei 1.079/50 – lei do Impeachment.
  • Artigo do Min. Luiz Roberto Barroso - “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”, publicado na Revista de direito do Estado 13:71, 2009.

 

[1] Advogado, Assessor e Consultor Jurídico e Empresarial, Especialista em Direito Cível e Trabalhista.

[2] Artigo do Min. Luiz Roberto Barroso - “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”, publicado na Revista de direito do Estado 13:71, 2009. 

[3] Artigo 51, I e 52, I da CRFB/88. Para a lei 1079/50 nos artigos 23 §§ 1º e 5º e art. 80 e 81 e na doutrina elencamos nomes como o de José Afonso da Silva, Pedro Lenza, Bernardo Gonçalves Fernandes, Juliano Taveira Bernardes.

 

[5] Rei da França nascido em 1638 e morte em 1715, líder do movimento absolutista do Estado moderno na Europa, “Rei Sol”, pois o Sol era seu emblema. É o Sol que dá vida a todas as coisas, mas também é o símbolo da ordem e da regularidade. Descrição que reinou como um Sol sobre a corte e sobre a França.

[6]  Tradução: “Eu sou a Lei, Eu sou o Estado, o Estado sou eu

[7] Benito Amilcare Andrea Mussolini governou de 1922 a 1943, primeiro-ministro e depois Primeiro Marechal do Império italiano, um dos fundadores do fascismo que tinha elementos de nacionalismo, corporativismo, sindicalismo nacional, expansionismo, progresso social e anticomunismo combinado com a censura.

[8]Deusa Têmis , mitologia grega, filha de Urano e Gaia, deusa-guardiã dos juramentos e da lei, a balança empunhada serve para equilibrar a razão ao julgamento, sem espada e segurando uma cornucópia.

[9] Diké ou Dice representa a Justiça, também é vigadora da violação das leis, representada descalça com os olhos bem abertos em busca pela verdade, era inimiga da mentira, pune quem viola e justiça atravessando o coração dos injustos com a espada. Assim com a mão direita sustenta uma espada( símbolo da força do direito) e na mão esquerda uma balança de pratos ( representa a igualdade no direito).