Carol sempre gostou muito de ser criança. Muito moleca e brincalhona. O problema é  que ela gostava tanto de ser criança que não queria reconhecer que já não era mais uma. Não é à toa que sempre gostou muito do Peter Pan! Simplesmente não queria crescer! Ela já estava com catorze anos e ainda gostava de brincar de boneca, pique-esconde, pega-pega...... Ela nem gostava mais de passar tempo com as amigas de infância, porque estas, ao contrário dela, cresceram e amadureceram. Agora, gostavam é de falar de roupas, sapatos, maquiagem e......claro, garotos. E todas já usavam sutiã! Carol não usava, é claro. Tinha pavor daquela coisa desconfortável e, para falar a verdade, nem precisava de um.......

 

             Até do Rodolfo (seu grande amigo de infância) ela estava se afastando. Carol notara que ele andava muito estranho. Não era mais aquele velho companheiro de molecagens que uma vez fora.......... e ela não gostava daquele novo jeito do amigo. Todo comportadinho e educado. Educado até demais para o seu gosto. Ficava encarando e dando sorrizinhos para ela o tempo todo, puxando a cadeira para ela se sentar, abraçando e dando beijinho na bochecha dela ao se cumprimentarem e ao se despidirem.....certa vez eles foram ao cinema juntos e, ao invés de aprontarem e ficarem jogando pipoca nas pessoas durante o filme (como costumavam fazer), ficaram em silêncio o tempo todo, para o grande aborrecimento de Carol. Vez ou outra Rodolfo dava uma espreguiçada durante o filme e passava o braço pela cadeira dela, quase que encostando em seu ombro. E ali deixava o braço apoiado por um tempão.....e teve uma outra hora que ele disse ter visto uma pipoca no cabelo de Carol e ficou passando a mão no cabelo dela demoradamente, mas, estranhamente, não encontrou a tal pipoca. Se desculpou e disse que devia ter se enganado.....

 

            Rodolfo chamou ela para sair outras vezes, mas Carol ficava inventando desculpas para não se encontrar com ele. O modo como ele vinha se comportando já estava a deixando muito irritada. Era muito melhor brincar com os seus novos amigos. Sim, ela conseguiu novos amigos. Literalmente novos. A maioria ainda estava na quinta série.....

 

            É claro que as pessoas ficavam falando que ela já era uma mocinha e devia se comportar como uma, que devia andar com gente da idade dela e blá blá blá.......mas Carol não se importava. Achava que sua vida estava ótima do jeito que estava. Não queria que nada mudasse. Que tudo fosse assim para sempre.....

 

           Um dia, porém, o maior pesadelo de Carol aconteceu. ELA chegou. Sim, AQUELA de quem já ouvira falar muitas vezes nas aulas de ciência e nas conversas das amigas que já passavam pela tortura de tê-la.....Carol, porém, havia resolvido simplesmente ignorá-la. De alguma forma, achava que ELA nunca iria aparecer. Mas ELA resolveu dar as caras.......

 

            Certo dia Carol estava fazendo o dever de casa quando sentiu que estava com a calcinha molhada. Estranhou bastante, porque, apesar de ainda se comportar como uma criançona, não chagava ao ponto de fazer xixi na calça. Quando foi ao banheiro, porém, desejou que fosse isso. Como desejou que fosse! Ela ficou desesperada ao ver a calcinha suja de...de...de.....sangue! Isso não podia estar acontecendo! Ela foi correndo até a mãe chorando. A mãe a acalmou. Disse que era normal. Carol, porém, não a dava ouvidos. Continuava chorando. Não queria ser normal.....

 

            Depois desse dia infeliz, Carol prometeu a si mesma que, apesar de ter que passar pela tortura de menstruar todo o mês e usar aqueles malditos absorventes desconfortáveis (além de não poder entrar na piscina) durante esse maldito período, nada mais iria mudar na sua vida. Ainda ia brincar ao invés de falar de garotos e maguiagem e nem ia usar sutiã.....epa! Parece que agora não era bem assim.....seus peitos ficavam cada vez maiores.....e Carol já estava reparando alguns olhares dos meninos da escola......então, ela simplesmente não teve escolha! Teve de se submeter a usar o maldito sutiã!

 

             Depois desse outro acontecimento infeliz para Carol, agora ela estava certa de que seria a última coisa que mudaria na sua vida. Ainda ia brincar com os seus amiguinhos e se divertir muito.....mas, pera aí! Alguma coisa estava ficando muito errada! Estranhamente, Carol já não estava achando muita graça em ficar brincando de pega-pega ou pique-esconde......nem em brincar de boneca.....a única coisa que ainda gostava de fazer era admirar as suas bonecas. Como elas eram arrumadas, maquiadas e bonitas! Certo dia, Carol deu uma olhada no espelho e disse para si que queria ficar bonita que nem elas! Resolveu, então, ir ao shopping com as velhas amigas (sim, as “velhas” da idade dela) para fazer umas comprinhas.....e para uma coisa que Carol achava ser tão chato, foi até que bem divertido! Compraram roupas, sapatos e maquiagem.....Carol mal se reconheceu quando deu uma olhada no espelho e se viu de vestido, sapato de salto alto e (sim!) maquiada! Nunca se achara tão linda!

 

            A partir de então, Carol passou a se preocupar em ficar sempre bem arrumada. Não só porque  queria se sentir bonita, mas também porque adorava atrair olhares....principalmente dos (sim, eles mesmos!) garotos. Melhor ainda era comentar depois com as amigas sobre qual menino era o mais bonito, qual era o mais feio, quais eram  razoáveis.......e para uma coisa que ela também achava ser tão chato, na verdade era bem legal!   

 

            Tinha uma outra coisa que achava que também poderia ser bem divertido.......resolveu, então, ligar para o Rodolfo (o velho amigo de infância que ela andava ignorando......lembra, né?) e combinar de irem ao cinema. Ele pareceu bem feliz pelo telefone e concordou na hora. Carol também ficou bem feliz. Estranhamente feliz. Sentia um frio no estômago. O quê seria aquilo? Quando se encontraram na porta do cinema, Carol percebeu que algo estava de fato muito estranho: ao vê-lo, seu coração bateu mais rápido e, automaticamente, deu um sorriso  para ele (ele, como já vinha fazendo, sorriu para ela também) e, dessa vez, diferente das outras, ela adorou quando ele a cumprimentou com um beijo na bocheca e um abraço! Também adorou quando ele envolveu o braço na sua cadeira do cinema! Gostou tanto que resolveu entrar na dele: Foi chegando cada vez mais perto dele até que pousou a cabeça no ombro dele e ali ficou aconchegada.....mal conseguia prestar atenção no filme......e nem Rodolfo parecia prestar.....ele estava mais concentrado em chegar o braço (que envolvia a cadeira) cada vez mais para perto do ombro de Carol.....até que finalmente envolveu o ombro dela por completo. Ela olhou para ele e ele para ela. Foram ficando mais e mais próximo um do outro e, por fim, aconteceu......sim! Um beijo daqueles de cinema (nesse caso, no sentido literal também!). Carol nunca ficara mais contente por estar sentada no cantinho do fundo do cinema. O lugar é ruim para quem quer ver o filme. Mas não era o caso deles. Estavam adorando aquela “privacidade”. Carol se sentia tonta de felicidade. Borboletas faziam festa no seu estômago.....ela mal podia esperar para contar para as amigas.....

 

           Tem razão, essa foi a gota d’água......Carol finamente reconheceu que não era mais criança. E para algo que a assustava tanto de enfrentar, na verdade não era tão ruim! Nem um pouco ruim, para ser mais franca. Ela não concordava mais com Peter Pan. Achava ele muito bobo, isso sim. Afinal de contas, crescer é bom.