PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS

 

 

 

Ana Paula de Morais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Arcos - MG

2008

Ana Paula de Morais

 

 

 

 

 

 

 

 

A ADOÇÃO POR PARES HOMOSSEXUAIS

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

 

Orientador: Professor Marcelo Leite Metzker

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Arcos - MG

2008

Ana Paula de Morais

 

A adoção por homossexuais.

 

Monografia de conclusão de curso apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito junto ao Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Arcos - MG, 2008.

 

 

 

 

 

 

MARCELO LEITE METZKER (Orientador – PUC Minas)

 

 

 

 

Examinador (1)

 

 

 

 

Examinador (2)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu dedico este trabalho ao meu marido, pela paciência que teve comigo, pelo tempo que ele ficou sozinho sem meus carinhos, e dedico também ao meu orientador pelas palavras de consolo nos momentos em que pensei que não conseguiria terminar este trabalho no tempo determinado, e a minha mãe querida. E não poderia deixar de dedicar a minha amiga Gizelle.

AGRADECIMENTOS

 

 

 

            A meu orientador, Prof. Marcelo Metzker, que me ajudou a realizar este trabalho, não me deixando desistir e me dando forças sempre;

           Ao meu marido Elson pela compreensão e apoio durante a produção deste trabalho;

           E a todos que de algum modo me ajudaram a realizar este trabalho.

          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.”

                                                                                      Fernando Pessoa

RESUMO

 

 

            O presente trabalho tem por objetivo abordar o tema “Adoção por pares homossexuais”. No desenvolvimento do assunto, objetivou-se avaliar a história do instituto, bem como seu conceito de acordo com a visão de alguns doutrinadores. A pesquisa consistiu em fazer também comparações entre a união homossexual e a entidade familiar; e entre o homossexualismo e o preconceito. Ainda analisou os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade; e o princípio da proteção integral à criança. Na questão da perspectiva jurídica da adoção por pares homossexuais na realidade social ficou comprovado como sendo uma realidade que já vem ocorrendo em nossa sociedade, como ficou evidenciado através de julgados e opiniões sobre o tema.

 

Palavras-chaves: Adoção. Homossexualismo. Entidade Familiar. Princípios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE ABREVIATURAS

 

 

art. - Artigo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE SIGLAS

 

 

CC - Código Civil

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

MT – Mato Grosso

PT – Partido Trabalhista

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

1        INTRODUÇÃO .................................................................................................   10                

2        EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO ..............................    12

3        CONCEITOS ....................................................................................................   15

 3.1 Adoção ..........................................................................................................   15

 3.2 União homossexual .....................................................................................   16

 

4        UNIÃO HOMOSSEXUAL X ENTIDADE FAMILIAR........................................   19

5   O PRECONCEITO E O HOMOSSEXUALISMO ..............................................   21

6    PRINCÍPIOS ....................................................................................................   23

6.1 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................   23

6.2 Princípio da igualdade ...................................................................................   26

 

 7 A ADOÇÃO POR PARES HOMOSSEXUAIS ...................................................   30

 7.1 O Princípio constitucional de proteção integral à criança e ao adolesce

 nte..........................................................................................................................   30

 7.2 A Perspectiva jurídica da adoção por pares homossexuais na realidade

social.......................................................................................................................  32

 

8 CONCLUSÃO .....................................................................................................   39

 

REFERÊNCIAS ......................................................................................................  41

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho visa abordar a realidade que vem ocorrendo nos tribunais quando tendem a tratar de matéria que diz respeito à adoção por pares homossexuais.

            Como podemos perceber a lei não acompanha com o mesmo dinamismo os fatos que acontecem na sociedade, portanto essa situação já é bastante atual e traz todos os tipos de opiniões, contra ou a favor desse tipo de adoção.

            Não há qualquer regra ou preceito legal que aprove a possibilidade da adoção por pares homossexuais que convivam em união estável.  Com base nos princípios constitucionais, analogia, costumes e princípios gerais do direito, esse tipo de adoção tem se tornado uma realidade.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil apresentam o instituto da adoção de forma a proteger o menor, por isso não trazem qualquer ressalva para a adoção ser cedida a um par homossexual.

            O primeiro ponto abordado será a evolução histórica do instituto da adoção, procurando mostrar à época em que tiveram os primeiros indícios da adoção, e qual era seu principal objetivo.

            Em seguida, esboçaremos um pouco sobre o conceito da adoção e das uniões homossexuais.

            Logo depois, faremos uma comparação entre a união homossexual e a entidade familiar, para compreendermos que a união homossexual é sim uma entidade familiar constitucionalizada.

            Na seqüência, falaremos a respeito do homossexualismo e do preconceito existente a respeito do assunto.

            Apontaremos ainda a importância dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

 E falaremos da importância do principio constitucional da proteção integral a criança e ao adolescente, analisando a perspectiva jurídica da adoção por pares homossexuais e como vem trazendo mudanças na realidade social.

 

          

 

 

2 Evolução histórica do instituto da adoção.

 

A adoção é um instituto que existe desde a antigüidade como forma de dar continuidade à família. Em Roma, a adoção tinha como característica a inspiração religiosa com o objetivo de perpetuar o culto doméstico.

Conforme Fustel Coulanges:

 

Quando alguém adotava um filho, precisava, como primeiro passo, iniciá-lo em seu culto. A adoção também se efetuava por meio de cerimônia sagrada que deve ter sido bastante parecida com a realizada por ocasião do nascimento do filho. Por meio dela, o recém-chegado era admitido no lar e associado à religião. Deuses, objetos sagrados, ritos, orações, passavam a pertencer-lhe em comum como o pai adotivo. Dizia-se do adotado in sacra transit, isto é, que passou ao culto da sua nova família. Por isso mesmo renunciava ao culto da família anterior. (COULANGES, 1975, p.59).

 

Logo nos entendimentos de Sílvio Rodrigues, observamos que:

 

A adoção decerto surgiu para assegurar a continuidade da família, no caso de pessoas sem filhos. Fustel de Coulanges, em sua obra célebre sobre a cidade antiga, mostra o surgimento da adoção como recurso derradeiro, no sentido de perpetuar o culto familiar. Aquele cuja família se extingue não terá quem lhe cultue a memória e a de seus maiores. Assim, a mesma religião que obrigava o homem a casar-se para ter filhos que cultuassem a memória dos seus antepassados comuns; a mesma religião impunha o divórcio em caso de esterilidade e que substituía o marido impotente, no leito conjugal, por um seu parente capaz de ter filhos, vinha oferecer, por meio da adoção, um último recurso para evitar a desgraça representada pela morte sem descendentes. (RODRIGUES, 2000, p...).

 

Naquela época, em Roma o direito conheceu três modos de adoção, de acordo com o que expõe Ana Paula Ariston Barion Peres:

 

O Direito Romano conheceu três modalidades de adoção: 1º) Adoção testamentária (adoptio per testamentum), que se destinava a produzir efeitos após a morte de testador, sendo necessária a confirmação da cúria; 2º) ad-rogação (ad rogatio), pela qual adotado capaz se desligava de sua família de origem e se tornava um herdeiro de culto do adotante, havendo o consentimento de ambos; 3º) adoção propriamente dita (datio adoptionem), pela qual o incapaz se desligava de sua família de origem, sendo três vezes, na presença do adotante. O pátrio poder se extinguia em relação ao pai biológico e passava para o adotante, que iniciava o incapaz nas práticas religiosas. (PERES, 2006, p.69).

 

Segundo Sílvio Salvo Venosa, a idéia principal da adoção já vinha desde a época da civilização grega, pois no caso de alguém morrer sem deixar descendente quem iria continuar o culto familiar ou o culto aos deuses- lares. Por isso, o pater famílias sem herdeiro apresentava a adoção com essa finalidade.

Já na Idade Média, com as novas influências da religião e com a ascendência do Direito Canônico, a adoção sofre um decaimento.

De acordo com Ana Paula Ariston Barion Peres:

 

Na Idade Média, a adoção entrou em declínio, pois era contrária aos direitos que os senhores pudessem ter sobre seus feudos, sendo os títulos transmitidos ius sanguinis. Já no Direito Canônico, o instituto passou despercebido, pelo fato de a família cristã estar alicerçada no sacramento do matrimonio. Além disso, a adoção poderia ser um mecanismo de fraude no reconhecimento de filhos adulterinos ou incestuosos, o que a Igreja terminantemente proibia. (PERES, 2006, p.70).

 

No Brasil, a adoção surgiu com o Direito Pré-Codificado, quando ainda valiam as Ordenações Portuguesas.

Conforme Caio Mário da Silva Pereira:

 

Com a promulgação do Código Civil de 1916, a adoção foi contemplada, com base no Direito Romano, salvo quanto à passagem do adotado à família do adotante, pois mantinham-se vínculos com a família biológica. Em conseqüência, permaneciam os direitos e deveres que resultam do parentesco natural, exceto o pátrio poder que passa para o pai adotivo. (PEREIRA, 2002, p.245).

 

O instituto da adoção foi disciplinado no Código Civil de 1916 nos artigos 368 a 378, passando a ser um ato jurídico que institui vínculos de filiação legal, desde que possua a manifestação da vontade.

Silvio Salvo Venosa a esse respeito pondera que:

 

Não obstante, a lei civil discriminava os filhos adotivos, impondo-lhes limitações no direito sucessório, que foram banidas pela Constituição de 1988, por força do princípio da igualdade entre os filhos, que os equiparou para todos os fins. A época, a finalidade principal do instituto era beneficiar os pais que não tinham e não podiam ter filhos, tendo sido as normas elaboradas com esse propósito. (VENOSA, 2004, p.333).

 

No entanto, a adoção no Código Civil de 1916 era para maiores de 18 anos, e sendo assim “a adoção do maior de 18 anos, por exemplo, promovia-se por escritura pública (art. 375), restringindo o parentesco ao adotante e adotado (art.376).” (RODRIGUES, 2004, p.338).

Em seguida, foi promulgada a Lei nº 3.133 de 1957, a qual veio para impor inúmeras mudanças em relação ao instituto da adoção.

Logo, “a idade mínima para adoção passou a ser 30 anos, a diferença de idade entre adotante e adotado passou a ser de 16 anos, os casados só poderiam adotar após 5 anos de casados, tendo ou não filhos legítimos”. (PERES, 2006, p. 72).

Mais tarde, a legitimação adotiva passou a ser disciplinada pela Lei n° 4.655 do ano de 1965. Conforme dispõe Silvio Rodrigues:

 

Tratava de instituto que tirava algo da adoção e algo da legitimação, pois, como naquela, estabelecia um liame de parentesco de primeiro grau, em linha reta, entre adotante e adotado e, como na legitimação, esse parentesco era igual ao que liga o pai ao filho consangüíneo. Essa nova legislação substitui a legitimação adotiva pela adoção plena, disciplinando-a nos arts. 29 a 37, com características muito próximas. A adoção plena distingue-se da tradicional adoção simples, pelo fato de inserir integralmente o adotado na família do adotante, rompendo os vínculos biológicos. (RODRIGUES, 2004, p. 337). 

 

Posteriormente, a legislação que abordava a legitimação adotiva foi revogada pela Lei n º 6.697/79 (Código de Menores), sendo que esta nova Lei passou a vigorar e substituiu a legitimação adotiva pela adoção plena, esta com muitas semelhanças daquela. (PERES, 2006).

Com a concepção do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (Lei nº 8.069), o instituto da adoção passou a dar prioridade ao interesse da criança e do adolescente, sob a perspectiva de que seu deferimento venha a oferecer real vantagem para o adotando.            

A meu ver a evolução histórica da adoção ocorreu juntamente com a evolução da humanidade, que de certa maneira vem se tornando cada vez mais complexa, e com número de pessoas aumentando cada vez mais e com isso aumentando também o grande número de crianças que são abandonadas pelos pais ou que por algum outro motivo ficaram sem seus pais. E como existem muitos casais que não podem ter filhos, a adoção foi um meio de suprir essa necessidade. Pois toda criança tem direito a ser criado e educado por sua família, seja ela a sua família natural ou uma família substituta, como está previsto no artigo 19º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Complementando esse entendimento, Fernando Freire, que foi citado por Vera Lúcia da Silva Sapko relata que:

 

A adoção não é mais um instrumento exclusivamente jurídico, mas um recurso de profundas manifestações éticas e sociais. De todos os sistemas alternativos de proteção às crianças e adolescentes abandonados, a adoção é o único que cumpre com todas as funções de relação filial. É o único sistema que colabora amplamente na internalização do sentimento de auto-estima, chave para processo de desenvolvimento de uma personalidade sadia e construtiva. (FREIRE apud SAPKO, 2005, p.111).

3 CONCEITOS

 

 

3.1 Adoção

 

A adoção possui vários conceitos, busquei alguns autores mais conhecidos dentro da seara civil com o objetivo de conceituar do melhor modo a adoção.

Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa:

 

Adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade, conforme o sistema do Código Civil de 1916, ou de sentença judicial, no atual sistema do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no corrente código. A filiação natural ou biológica repousa sobre o vínculo de sangue genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção moderna é, portanto um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico. (VENOSA, 2006, p.279).

         

Já para Caio Mário Pereira “a adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outro como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim”. (PEREIRA, 2002, p.231).

Para Sílvio Rodrigues adoção é “o ato do adotante pelo qual o traz para sua família, e, na condição de filho, pessoa que lhe é estranha. É um negócio solene porque a lei impõe determinada forma, sem que o ato não tenha validade”. (RODRIGUES, 2004, p.340).

Um conceito que em minha opinião melhor define a adoção é o de Clóvis Beviláqua que define a adoção como sendo ''o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho. ''

Após analisar cada conceito citado considero a adoção mais do que um ato, considero a adoção uma forma de deixar de lado o orgulho, o preconceito e aceitar um ser estranho como sendo filho seu com os mesmos direitos jurídicos. Além do mais, a adoção por homossexuais é de suma importância, tendo em vista o grande número de crianças que por muitos motivos não tem um lar, uma família, e a adoção vem se destacando cada vez mais, devido a essas adoções que tiram as crianças dos orfanatos e as levam para casas com direito a família substituta e a uma vida, sem dúvida, bem melhor do que elas tinham, pois passam a gozar de direitos jurídicos como filhos naturais das pessoas que a adotaram, ou simplesmente se tornam herdeiros únicos de seus pais adotivos. E também, com a adoção, aquele casal que não pode ter filho passa a ter a possibilidade de satisfazerem o sonho de ter seu filho.

Neste sentido, Sílvio Salvo Venosa enfatiza que “a adoção, na modernidade, preenche duas finalidades fundamentais: dar filhos àqueles que não podem ter biologicamente e dar pais aos menores desamparados. (VENOSA, 2004, p.329).

 

 

3.2 Uniões homossexuais

 

Vários países, já consideram a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, sendo estes a Dinamarca, Estados Unidos, Holanda e Suécia. Diante desta posição, Enézio de Deus Silva Júnior relata que:

 

Na Dinamarca (1989), na Suécia (1995) e na Noruega (1993), “a lei já admite casais homossexuais, conferindo-lhes quase todos os direitos que gozam os heterossexuais. Na Holanda, a equiparação é total – (...) país (...) em que dois homossexuais podem adotar uma criança, sem recorrer a subterfúgios. A certidão de nascimento sai como filiação mãe e mãe ou pai e pai”. (SILVA JÚNIOR, 2007, p.68).

 

Maria Berenice Dias apóia esse entendimento de que a união entre pessoas do mesmo sexo deva ser considerada entidade familiar, e ainda expõe que “As relações homossexuais constituem uma unidade familiar que em nada se diferencia da união estável, razão pela qual podem e devem ser aplicadas, por analogia, às leis reguladoras do relacionamento entre homem e mulher.” (DIAS, 2001, p.96).

Como salienta Maria Berenice Dias:

 

A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, merecem ser reconhecidas como entidades familiares. (DIAS, 2001, p.102).

 

Portanto, não importa a opção sexual da pessoa, o que deve ser levado em consideração é o lado afetivo, ou seja, o sentimento que existe entre as pessoas que irão construir a família.

Importante destacar que Maria Berenice Dias considera:

 

Indispensável que se reconheça que os vínculos homoafetivos – muito mais do que relações homossexuais – configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito. Está na hora de o Estado, que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade, do direito social de escolha e do direito humano à felicidade. (DIAS, 2001, p.103).

 

Diante disso, vemos que a sociedade permanece preconceituosa em relação aos homossexuais e que não devemos continuar com essa visão em relação a eles, pois primeiramente antes de serem homossexuais eles são pessoas como todos são e que tem seus direitos resguardados pela Constituição Federal, artigo 5º, que expõe “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. E se é assim que eles são felizes, convivendo com pessoas de mesmo sexo, mantendo relação duradoura, ninguém poderá julgar e dizer se é certo ou errado.

No entanto, a capacidade procriativa não é fundamental para que a convívio de dois seres humano faça jus à proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família às relações homoafetivas. (DIAS, 2001).

Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

 

Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essas novas realidades, tornando-se agentes de grandes injustiças. Descabe confundir questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. (DIAS, 2001, p.102 e 103).

          

Portanto, na hora de decidir um caso sobre adoção por homossexual, devem os juízes analisar todos os pontos favoráveis que levaram esta pessoa a querer adotar uma criança, e deixar o preconceito de lado, pois a criança não pode ficar sem uma família, independente se vão ter dois pais ou duas mães.

No Brasil, não se encontra nenhuma norma privativa disposta a oferecer proteção legal às condutas homossexuais.

Nesse sentido, Vera Lúcia da Silva Sapko garante:

 

Como o casamento e a união estável pressupõem uniões entre um homem e uma mulher, inviável se torna a aplicação analógica desses institutos à união homossexual. Assim, as relações homossexuais são tidas como marginais, e estariam, efetivamente, privadas de qualquer proteção se aqueles que batem às portas do judiciário não tivessem encontrado juízes sensíveis e atentos ao seu dever de ofertar a proteção jurisdicional mesmo diante de omissões legislativas. (SAPKO, 2005, p.59).

Para Maria Berenice Dias, a justiça assumiu a responsabilidade de ver o novo ao dar juridicidade às uniões extraconjugais, só faltas agora expor igual independência e força quanto às uniões homossexuais. Pois ambas são relações afetivas, vínculos com compromisso amoroso. No entanto, com a existência desse gênero de união estável que admite relações hétero e homoafetivas, ambas fazem jus à mesma proteção legal. (DIAS, 2001).           

Conforme Maria Berenice Dias, a sexualidade é parte integrante da condição humana, portanto ninguém consegue se realizar como ser humano se não tem a liberdade de escolher a sua própria sexualidade. (DIAS, 2002).

Se o ser humano não pode escolher a sua própria vida sexual, onde está a liberdade garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal. E se a própria Constituição Federal garante a liberdade, não serão as pessoas com seus preconceitos que irão proibir uma prática já garantida constitucionalmente.

José Carlos Teixeira Giorgis relata que para os tribunais:

 

É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre os homossexuais, ante os princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preconceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e as coletividades possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. (GIORGIS, 2002, p.138).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 UNIÃO HOMOSSEXUAL X ENTIDADE FAMILIAR

 

De acordo com Paulo Luiz Netto Lôbo, as uniões homossexuais são entidades familiares resguardadas pela Constituição desde que comportem os requisitos de estabilidade, de ostensibilidade e de afetividade. (LÔBO, 2002).

Assim sendo, entre as entidades familiares explícitas há a comunidade monoparental, a qual dispensa a existência de par andrógino, ou seja, homem e mulher. (LÔBO, 2002).

Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo:

 

A ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque as normas do art.226 são auto aplicáveis, independentemente de regulamentação. Por outro lado, não vejo necessidade de equipará-las à união estável, que é entidade familiar completamente distinta, somente admissível quando constituída por homem e mulher (§ 3.º do art. 226). Os argumentos que têm sido utilizados no sentido de equiparação são indispensáveis, uma vez que as uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais, com sua natureza própria. (LÔBO, 2002, p.105).

          

Portanto, a união homossexual não deve ser equiparada a união estável, uma vez que esta só é possível quando constituída por homem e mulher, e a união homossexual constituída por homem e homem ou mulher e mulher, e já que a união homossexual é resguardada pela Constituição Federal não há razão para tentar equipá-la-á outro tipo.    

Conforme alerta Paulo Luiz Netto Lôbo:

 

Não se pode enxergar na Constituição o que ela expressamente repeliu, isto é, a proteção de tipo ou tipos exclusivos de família ou da família como valor em si, com desconsideração das pessoas que a integram. Não há, pois, na Constituição, modelo preferencial de entidade familiar, do mesmo modo que não há família de fato, pois contempla o direito à diferença. Quando ela trata de família está a referir-se a qualquer das entidades possíveis. Se há família, há tutela constitucional, com idêntica atribuição de dignidade. (LÔBO, 2002, p.107).

.        

Em virtude do que foi citado acima, pode-se perceber que a Constituição não deixou definido qual seria o modelo de entidade familiar que seria resguardado, portanto qualquer que seja a formação da família, ela será considerada uma entidade familiar protegida constitucionalmente, como todas as outras famílias naturais e normais formadas por homem e mulher. No entanto, a família formada por homossexuais também está incluída nesses modelos de entidade familiar, pois de acordo com os direitos fundamentais garantidos pelo art. 5º da CF o direito a escolher sua própria orientação sexual também se encontra exposto. Nesse sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo pondera:

A regra do § 4.º do art. 226 integra-se à cláusula geral de inclusão, sendo esse o sentido do termo “também” nela contido. “Também” tem o significado de igualdade, da mesma forma, outrossim, de inclusão de fato sem exclusão de outros. Se dois forem os sentidos possíveis (inclusão ou exclusão), deve ser prestigiado o que melhor responda à realização da dignidade da pessoa humana, sem desconsideração das entidades familiares reais não explicitadas no texto. (LÔBO, 2002, p.95).

        

Portanto, na hora de apreciar os casos concretos, o Superior Tribunal de Justiça tem consecutivamente assegurado o conceito ampliado e inclusivo de entidade familiar, no que diz respeito à aplicação de certas leis que tutelam interesses pessoais decorrentes das relações familiares.

          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5 O PRECONCEITO E O HOMOSSEXUALISMO

 

Não tem como tratar da questão das uniões ou do direito de adoção dos homossexuais sem fazer um breve resumo sobre a forma como a homossexualidade vem sendo focalizada pelas sociedades com o passar dos tempos.

O homossexualismo ainda tem sido encarado com muito preconceito, porque as pessoas consideram que os homossexuais são seres diferentes, e diante disso, se recusam a aceitar as diferenças como situações normais da vida. De nada vai adiantar fechar os olhos e querer esquecer tal fato, pois já é uma realidade e a cada ano se desenvolve mais ainda e ganha força especialmente do Direito de Família.

Os homossexuais não podem continuar sendo encarado como pessoas de outro planeta, o homossexualismo está presente por todo parte e o preconceito vem junto. Portanto de acordo com Luiz Carlos de Barros Figueirêdo:

 

Existe a homossexualidade. Existem preconceitos fortíssimos. Existem pais e mães homossexuais com filhos biológicos ou adotivos. Não se trata de seres de outros planetas ou de um problema distante e sim, de algo presente em cada cidade, em cada esquina, em cada família. É uma crueldade contra a espécie humana tentar retirar o tema da agenda de discussão e deixar de buscar soluções que atendam a todas as partes envolvidas. Não se trata de “lixo”, e muito menos de se varrer para debaixo do tapete, mas de vidas humanas que merecem respeito e dignidade. (FIGUEIRÊDO, 2002, p.25).

             

Hoje em dia, devido à luta pelas igualdades sociais, ao respeito aos direitos fundamentais e a revolução feminista, os gays e lésbicas conseguiram unir forças para se organizarem e buscarem a liberdade de se auto-identificarem como são realmente.

Mas mesmo assim, ainda na nossa sociedade o homossexualismo se esbarra no tabu do preconceito existente. Muitas expressões pejorativas são utilizadas para designar estes seres humanos, o que torna mais complicado a formação de sua auto-imagem, sendo esta já grande dificuldade de se seguir. (FIGUEIRÊDO, 2002).

Diante dessa visão preconceituosa, Vera Lúcia da Silva Sapko discorre:

 

Estes preconceitos, na realidade, estão arraigados na nossa sociedade, fruto de uma cultura em que a família sempre foi/é formada por homem e mulher e que qualquer união diversa constitui anormalidade, quando não aberração. Os homossexuais são vistos como uma doença contagiosa da qual devemos manter distância. É preconceito para o qual muito contribuíram alas conservadoras e influentes de diversas confissões religiosas, instituindo a procriação como o objetivo maior das uniões, condenando o prazer sexual como algo impuro e pecaminoso e vendo no homossexualismo uma aberração ou perversão, gerando uma espécie de senso comum adverso ao reconhecimento da diferença. (SAPKO, 2005, p.52).

                                  

Saliente-se que, aqueles que enxergam nas uniões homossexuais relações de afeto, são exatamente, aqueles que negam a possibilidade de estes indivíduos serem pais e mães, por considerarem a possibilidade de riscos intransponíveis às crianças e aos adolescentes.

No entanto, no Brasil o homossexualismo apesar de ainda ser visto com grandes restrições, o preconceito embora seja vigente e revelado em meio à sociedade, onde o homossexual prossegue sendo alvo de marginalização e tratamento diferenciado, sendo que o nosso direito veda qualquer espécie de discriminação, porém não consagra direito a essa parcela da população. (SAPKO, 2005).

Enfim, ultimamente o homossexualismo está começando a ter uma maior visibilidade, como podemos entender nas palavras de Maria Berenice Dias:

 

Os homossexuais estão começando a adquirir visibilidade, e seus direitos merecem ser reconhecidos, mesmo que nenhuma regulamentação até agora tenha recebido tais relacionamentos, tidos como não-convencionais.  Imperiosa a normatização desses vínculos afetivos, com a atribuição de direitos e a definição de obrigações. (DIAS, 2001, p.24).

 

      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6 PRINCÍPIOS

 

6.1 O princípio da dignidade da pessoa humana

 

Conforme o entendimento de Maria Berenice Dias:

 

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo configura claro desrespeito à dignidade humana, a infringir o princípio maior imposto pela Constituição Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que acaba por fortalecer estigmas sociais e causar sentimento de rejeição, sendo fonte de sofrimentos a quem não teve     a liberdade de escolher nem mesmo o destino de sua vida. (DIAS, 2001, p.87).

 

Como a CF/88 trás em sua redação do art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...”, não vejo motivos de haver tanta discriminação em relação aos indivíduos homossexuais.

No mesmo entendimento, Roger Raupp Rios, citado por Maria Berenice Dias, pondera que:

 

Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. (RIOS apud DIAS, 1998, p.34).            

         

A dignidade da pessoa humana inserida como princípio e fundamento na Constituição brasileira, sugere considerar o ser humano como alvo principal no universo jurídico.

A respeito desse princípio, Patrícia Fontanella Expõe que:

 

Figura como princípio básico de convivência dos seres humanos em uma sociedade politicamente organizada. Assim, não se permite a redução do homem à condição de objeto, quer pelo Estado, quer por outros indivíduos. Trata-se de valor fundamental da ordem jurídica brasileira, pois repudia qualquer maneira de instrumentalização do homem e recebe toda forma de sua desconsideração como sujeito de direitos. (FONTANELLA, 2006, p.42).

 

Logo, o princípio da dignidade da pessoa humana se caracteriza por dois aspectos importantes, que são o limite e a prestação do Estado. Para uma melhor compreensão destes aspectos, vejamos o que diz Ingo Wolfang Sarlet:

 

A dignidade da pessoa humana constitui-se, ainda, em limite e prestação do Estado. Limite no sentido de que a dignidade da pessoa humana não pode ser perdida ou alienada, e aos poderes estatais cabe a tarefa de respeitá-la, impondo-se a toda a sociedade. A prestação diz respeito à tarefa do Estado de [...] preservar a dignidade existente, quando objetivando promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade [...]. (SARLET, 2002, p.48).

 

Os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana estão interligados entre si, de forma que se fazem presentes na qualidade de valor informador da ordem jurídica. Conforme Ingo Wolfang Sarlet:

 

[...] verifica-se ser de tal forma indissociável a relação entre a dignidade da pessoa humana e os Direitos Fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá – apenas a partir deste dado – concluir que se faça presente, na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os Direitos Fundamentais inerentes à Pessoa Humana. Com efeito, sendo correta a premissa de que os Direitos Fundamentais constituem – ainda que com intensidade variável – explicitações da dignidade da pessoa, por via de conseqüência e, ao menos em princípio, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo, ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. (SARLET, 2002, p.89).

          

No mundo em que se vive hoje existe muitos conflitos, pluralidade e grandes alterações. Observa-se, que há uma divisão entre interesses, solidariedade e provocações, apenas retomando sua identidade no resgate da sua dignidade humana e na consciência da sua dignidade pessoal.

De acordo com a maioria das doutrinas que tratam do assunto, a dignidade da pessoa humana “independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos – mesmo pior dos criminosos, são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas [...].” (SARLET, 2002, p.43).

A Carta Magna dispõe o respeito à dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do próprio Estado Democrático de Direito.

Em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser respeitada a vontade de ser pai ou de ser mãe que cada ser humano possui independente de sua orientação sexual.

Já que tal vontade de ter filho que cada um possui é a realização como ser humano e o que compõe a tão desejada felicidade de cada um.

Seguindo essa idéia, Patrícia Fontanella relata:

 

Para os homens, especialmente em sociedades tradicionais, ser pai é uma marca de masculinidade; é gerado herdeiros, preferivelmente do sexo masculino, que os homens assumem um lugar de honra na família e na sociedade. Mas a maternidade pode ser um símbolo cultural ainda mais definitivo para as mulheres do que o é a paternidade para os homens. Em muitas culturas, é ela a mais importante fonte de identidade da mulher, na sua fonte primária ou mesmo exclusiva de status e valor na família e na comunidade. Mesmo nas sociedades modernas, o ideal de maternidade é promovido para as mulheres num tal grau que elas podem sentir que a vida, não tem sentido até da à luz a um filho. (FONTANELLA, 2006, p.44).   

 

Quando um homem e uma mulher chegam à vida adulta, a maternidade faz parte desse momento, que de tão importante é capaz de integrar a formação da personalidade de cada ser humano. A realização do ser humano, portanto está ligada a capacidade de gerar, e a dignidade da pessoa se torna realidade nesse fato.

E quanto aos homossexuais e o seu direito de se tornarem pais e mães, Vera Lúcia da Silva Sapko defende que:

 

Os homossexuais, como quaisquer outros cidadãos, têm o direito de tornarem-se pais e mães, de realizar seu sonho de ter filhos como qualquer outra pessoa, de exercer, com autonomia e liberdade, o direito de deliberarem sobre o seu próprio corpo e sobre seu projeto parental, pois “a dignidade da pessoa humana é da pessoa em qualquer dos gêneros, masculino e feminino. Em cada homem e em cada mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade”. (SAPKO, 2005, p.100).

 

A Constituição Federal não limita em garantir a igualdade entre pessoas, apenas veda a discriminação em razão da origem, sexo, raça, cor, idade ou por quaisquer outras formas, conforme está disposto em seu art. 3º, inc. IV.

O desrespeito à dignidade humana de qualquer pessoa afeta a todos os outros, por ser uma ofensa à cidadania e à própria soberania popular. Por isso, a dignidade da pessoa humana engloba a todos sem excluir ninguém, e a discriminação que um sofrer refletirá no desenvolvimento do outro. (FONTANELLA, 2006).

O Estado não pode impedir a realização pessoal de seus cidadãos proibindo o direito de ter filhos adotivos aqueles que não podem ter filhos biológicos, deixando de promover as liberdades fundamentais de seu povo ao violar “os seus direitos fundamentais de igualdade, liberdade e não-discriminação, inviabiliza o exercício da cidadania e põe em risco a própria vivência democrática [...]”. (SAPKO, 2005)

Portanto, já que a Constituição não expressa claramente em seu texto, a solução é criar uma lei específica onde serão resguardados os direitos dos homossexuais, tanto para eles poderem unir-se quanto para poderem adotar crianças, respeitando assim a constitucionalidade do princípio da dignidade da pessoa humana.

Foi o que fez a ex Deputada Federal Marta Suplicy do PT em 1995 quando propôs o Projeto de Lei nº1. 151/95, que regularia a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, mas que ao obteve êxito e foi rejeitado pelo Congresso Nacional.

Celso Antônio Bandeira de Melo diz ser mais grave violar um princípio do que transgredir uma regra, pois ''representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais [...] ''. (MELLO, 199, p.230).

 

6.2 O princípio da igualdade

 

Alexandre de Moraes, em seus comentários à Constituição Federal de 1988, ao tratar do princípio da igualdade escreveu que:

 

A CF/88 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. (MORAES, 2005, p.180).

 

No entanto, segundo Alexandre de Moraes, o que é vedado são as distinções arbitrárias, as discriminações incoerentes, sendo que o tratamento desigual dos casos desiguais à medida que se desigualam é exigência do próprio conceito de justiça, afinal o que verdadeiramente resguarda são certas intenções, apenas se tendo lesado o princípio constitucional quando o membro discriminador não se localiza a serviço de uma finalidade amparada pelo direito. (MORAES, 2005).

A principal prioridade do princípio da igualdade é propiciar a garantia individual contra discriminações e perseguições, e também evitar privilégios.

Portanto, Tércio Sampaio Ferraz Júnior relata que:

 

[...] a lei (num sentido amplo que abarca todas as fontes formais) não poderá fazer qualquer diferença entre pessoas, entendida pessoa como conjunto de todos os papéis possíveis que se integram numa unidade de ação e de comunicação; admitem-se, pois, distinções quando a papéis isolados (o papel de mãe não será igual ao do pai nas suas qualidades específicas, ou a ocupação de um cargo público pode ser diferenciada em relação a outro); admitem-se também igualações entre desiguais, em termos de diferenciação e proteção (protege-se o economicamente mais fraco, o deficiente físico, as minorias) ou ainda manutenção de desigualdades (há proteções que cabem às e que as diferenciam e mantém diferente). (Mas proscrevem-se distinções que afetem a pessoa como feixe integral e comunicante de papéis – personalidade em termos de dignidade da pessoa). (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p.31).

            O princípio da igualdade precisa ser conceituado nas sociedades em que se vive hoje, considerando a importância das diferenças, admitindo sempre a influência do Estado quando essas ensejarem a discriminação.

Segundo Hans Kelsen “a igualdade dos indivíduos sujeitos à ordem jurídica, garantida pela Constituição, não significa que aqueles devam ser tratados por forma igual nas normas legisladas com fundamento na Constituição, especialmente nas leis.” (KELSEN, 1998, p.158). 

Neste sentido, com a lei garantindo a igualdade, continuar a ser estabelecido que os órgãos aplicadores do Direito só possam intervir naquelas diferenciações feitas nas leis que estão para ser aplicadas. (KELSEN, 1998).

De acordo com a abrangência do princípio da igualdade, que não se restringe em apenas equiparar os cidadãos perante a norma legal, contudo a lei não deve ser feita em discordância com a isonomia, no qual seu principal destino será os órgãos de criação do Direito.

A Constituição Federal estatui o princípio da igualdade e configura as garantias de realização dos direitos humanos, onde todos terão o mesmo tratamento perante a lei.

No entanto, o artigo 5º, caput e inciso I da Constituição Federal estabelece que:

 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade.

I. homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

 

E também, a Constituição Federal, faz referimento ao princípio da não-discriminação, como está descrito no artigo 3º, inciso IV, que dispõe:

 

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

                   

A respeito desse assunto Maria Berenice Dias relata sua opinião:

 

O princípio constitucional da igualdade, erigido como cânone fundamental, outorga específica proteção no que diz com as questões de gênero. Expressamente, tanto o inciso IV do art. 3º como o inciso I do art. 5º e inciso XXX do art. 7º proíbem qualquer desigualdade em razão do sexo. Ditas normas alcançam a vedação de discrimine à conduta afetiva do indivíduo no que diz com sua orientação sexual. (DIAS, 2001, p.77 - 78).

            Não existem dúvidas de que no Brasil os homossexuais, as mulheres e os homens são possuidores dos mesmos direitos e obrigações diante da lei, já que os preceitos são claros e não existe qualquer limitação ou exclusão, pois o dispositivo legal não aceita que isso ocorra.

Assim sendo, não existem contextos concretos para proibir aos homossexuais o direito de adotarem.

Deste modo, Vera Lúcia da Silva Sapko pondera que:

 

Dessa forma, a existência do direito à paternidade ou à maternidade deve ser assegurado, em decorrência do princípio da igualdade, a todas as pessoas, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, garantindo-lhes a mesma liberdade e autonomia, já que nada há que justifique uma distinção de tratamento entre elas no campo das liberdades públicas, sendo, todos, cidadãos e, portanto, destinatários, não só do princípio constitucional invocado, como também, dos princípios do pluralismo e da não-discriminação. (SAPKO, 2005. p.82 e 83).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7  A ADOÇÃO POR PARES HOMOSSEXUAIS

 

7.1 O Princípio constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente

 

Foi com a promulgação da Constituição que começou a ser tratada a importância do assunto da proteção integral da criança e do adolescente, pois em seu artigo 227 dispunha que:

 

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

No nível internacional, essa mesma proteção integral à criança e ao adolescente, ganhou impulso após a aprovação da Convenção sobre Direitos da Criança que fora adotada pela resolução L. 44 (XLIV), da Assembléia Geral das Nações Unidas de 20-11-1989, e em 1990 foi confirmada pelo Brasil. (SAPKO, 2005).

Contudo, Vera Lúcia da Silva Sapko, expõe:

 

No preâmbulo da Convenção, os Estados-partes manifestaram seu convencimento de que a família é a unidade fundamental da sociedade e o meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em particular, das crianças, devendo receber a proteção e a assistência necessárias para poderem assumir plenamente suas responsabilidades perante a comunidade. (SAPKO, 2005, p.89).

                  

Vejamos que, os Estados-partes da Convenção reconhecem que a criança necessita viver em ambiente familiar, cercada de muito amor e felicidade para seu melhor desenvolvimento, de acordo com o que descreve Márcio Thadeu da Silva Marques:

 

Os Estados-partes também reconheceram que a criança, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade, deve crescer em um ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão, sendo preparada para viver uma vida individual na sociedade e ser educada no espírito dos ideais proclamados na Carta das Nações Unidas e, em particular, em um espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade. (MARQUES, 1999, p.346).

             Antes, quando ainda vigorava a Convenção, os assuntos a respeito dos menores não eram tratados com a devida importância. Foi com a Constituição Federal que esse assunto passou a ter maior abrangência e proteção.

Tânia da Silva Pereira descreve a respeito do assunto:

 

A Constituição Federal, entretanto, rompeu com tudo isto, não só garantindo às crianças e adolescentes os direitos fundamentais, entendendo serem eles detentores de todos os direitos atribuídos à pessoa humana, como também instituiu o princípio da prioridade absoluta no seu tratamento, deferindo-lhes proteção especial em razão de encontrarem-se em condição peculiar de desenvolvimento. (PEREIRA, 1999, p.28).           

 

No que diz respeito ao melhor interesse da criança e sua condição de sujeito de direito em desenvolvimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente adota os mesmos princípios.

 As condições propícias de desenvolvimento são asseguradas aos adolescentes e as crianças devido à efetividade desses direitos fundamentais garantidos. Pois estes carecem viver em um ambiente repleto de harmonia e de felicidade, sendo assim preparados para enfrentarem a vida na sociedade e para se tornarem justos, solidários e livres.

Para aqueles que são a favor da adoção pelos homossexuais, o princípio da proteção integral à criança consiste em ser um dos pilares principais.

Entretanto, não permitir ou dificultar essa adoção pelos homossexuais é o mesmo que negar a essas crianças abandonadas seja pelo motivo que for, o direito de serem colocadas em famílias substitutas, onde poderão encontrar todo o apoio indispensável para uma boa educação.

Quando houver uma ruptura do paradigma atual, aí então os homossexuais terão a chance de serem pais e mães. Neste sentido, Vera Lúcia da Silva Sapko argumenta que:

 

Como se vê, a necessidade de ruptura do paradigma atual, que inviabiliza o direito à paternidade e à maternidade para casais homoafetivos, não se funda, apenas, na negativa de vigência dos princípios da igualdade, da não-discriminação e do pluralismo, por consagrar a discriminação de tratamento aos homossexuais, mas também do princípio da proteção integral à criança, preferindo-se manter os infantes em instituições do que entregá-las a um casal que poderia lhes dar tudo de que precisam, notadamente, amor. (SAPKO, 2005, p.93).

            

            Dessa forma, o princípio da proteção integral à criança não constitui óbice ao direito de adoção pelos homossexuais, impondo-se seu reconhecimento como garantia de cidadania dessa parte da população e pelo respeito devido a eles por serem pessoas humanas.

 

 

7.2 A perspectiva jurídica da adoção por pares homossexuais na realidade social

 

De acordo com os direitos fundamentais, a adoção por pares homossexuais não encontra nenhum obstáculo. De certa forma, se encontra protegida pelos princípios da não-discriminação, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. (SAPKO, 2005).

No meio dos direitos da personalidade se encontra o direito de ter ou não filhos, pois ser pai e ser mãe faz parte da vida dos seres humanos. (SAPKO, 2005).

Mas, no entanto, por não haver previsão legal expressa no direito brasileiro que permita a adoção por homossexuais, não resta alternativa a estes homossexuais que é a de apelarem ao poder judiciário para verem reconhecido seu direito de ter filhos.

Sendo assim, Rodrigo da Cunha Pereira enfatiza que:

 

[...] o Direito é um dos mais importantes instrumentos da inclusão e exclusão das pessoas no laço social. É o Estado, através de seu ordenamento jurídico, que prescreve as normas de apropriação ou expropriação da categoria de cidadãos. A história já demonstrou que estes critérios de inclusão e exclusão trazem consigo um traço ideológico que não pode mais ser desconsiderado pelo Direito, sob pena de se continuar repetindo injustiças e reproduzindo muito sofrimento. (PEREIRA, 2000, p.53).

         

Para que seja reconhecido o direito de adoção para homossexuais, não basta que se instituam novas leis, como também terá que mudar toda a sociedade, conforme o que dispõe Vera Lúcia da Silva Sapko:

 

Dessarte, o reconhecimento do direito dos homossexuais de serem pai ou mãe não passa, apenas, pela edição de novas leis, mas, fundamentalmente, pela mudança na subjetividade de toda a sociedade e, por via de conseqüência, dos Juízes, com a adoção de valores e concepções mais consentâneos com o momento social, histórico e cultural que vivemos, promovendo o reconhecimento das diferenças, não como forma de inferiorizar, mas, isto sim, de enriquecer a vida social, garantido, assim, a afetividade das decisões judiciais na proteção do direito à paternidade/maternidade através da revitalização de seus pilares básicos: “a garantia de acesso à Justiça e a obtenção da justiça real”. 

 

 A adoção é o único caminho para que os homossexuais possam praticar seu direito de serem pais ou mães, e assim se realizarem como seres humanos.

O que dificulta essa adoção pelos homossexuais no Brasil é o fato de não haver nenhuma lei que permita, mas ao mesmo tempo, não há nenhuma lei que proíba. Do mesmo modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não limita a possibilidade de adotar e nem se refere à orientação sexual do adotante.

Assim sendo, Maria Berenice Dias pondera que: 

 

Limita-se o art. 42 a dizer: “Podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil”. A faculdade de adotar é outorgada tanto ao homem como à mulher, bem como a ambos conjunta ou isoladamente. Nada tem a ver com a opção de vida de quem quer adotar, bastando que sejam preenchidos os requisitos postos nos arts. 39 e seguintes. (DIAS, 2001, p.110).

 

Sendo que, na ausência de impedimento devera prevalecer o que diz o artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.

Se constitucionalmente é garantido a todo cidadão, independente de sua preferência sexual, o direito de guarda, tutela e de adoção não há motivos para indeferir um pedido de adoção feito por um homossexual, respeitando assim a dignidade humana.

E de acordo com Maria Berenice Dias:

 

Não é possível excluir o direito individual de guarda, tutela e adoção – garantido a todo cidadão – face a sua preferência sexual, sob pena de infringir-se o mais sagrado cânone do respeito à dignidade humana, que se sintetiza no princípio da igualdade e na vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem. Merece ser lembrado também o art. 227 da Constituição Federal, que atribui ao Estado o dever de assegurar à criança, além de outros, o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade, direitos que certamente os meninos e meninas não encontrarão na rua, quando são largados á própria sorte, ou depositados em alguma instituição. (DIAS, 2001, p.110-111).  

 

Como na legislação brasileira não traz disposto como seria formada a família substituta, e podendo ela ser formada por gays ou lésbicas, entendemos ser possível a adoção por pares homossexuais em face das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal.

O Código Civil de 2003 entrou em vigor contaminada pelo conservadorismo do paradigma vigorante revelando a força do preconceito soberano, veio obstruir o caminho tão dificilmente aberto, vedando a adoção por duas pessoas quando não forem casadas ou não viverem em união estável, também composta, apenas, por homem e mulher. (SAPKO, 2005).

Vale dizer que o próprio Estado Democrático de Direito não comporta essa visão discriminatória, a qual negaria os princípios da sociabilidade, do pluralismo e da isonomia, desobedecendo diretamente o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana e impedindo a formação da identidade de cada indivíduo. (SAPKO, 2005). 

No Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil, a adoção exerce um papel na sociedade atualmente considerável, por isso deve ser compreendida e deixar de ser preconceituosa. (SILVA JÚNIOR, 2007).

Se os magistrados, em especial, avançarem nas suas decisões poderão ajudar a lutar contra os equívocos do preconceito acerca da adoção. (SILVA JÚNIOR, 2007).

Depois que foi criada a Lei Maria da Penha, a lei nº 11.340 de 2006, as uniões homossexuais foram inseridas de modo expresso no conceito de família. Dois artigos dessa lei compendiam este novo conceito de família, conforme podemos verificar de acordo com o que relata Maria Berenice Dias:

 

Diz o seu artigo 2º: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (...) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”. O parágrafo único do artigo 5º reitera que independente de orientação sexual todas as situações que configuram a violência doméstica e familiar. (DIAS, 2007, p.35).

 

A lei tem enorme repercussão, de maneira que sendo garantida proteção legal a fatos que ocorrem no recinto doméstico, vale dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são entidades familiares. (DIAS, 2007).

No entanto, Leonardo Barreto Moreira Alves assegura:

 

Violência doméstica, como diz o próprio nome, é violência que acontece no seio de uma família. Assim a Lei Maria da Penha ampliou o conceito de família alcançando as uniões homoafetivas. Pela primeira vez foi consagrado, no âmbito infraconstitucional, a idéia de que a família não é constituída por imposição da lei, mas sim por vontade dos seus próprios membros. (ALVES, 2007, p.149).

Depois da nova definição de entidade familiar apresentada pela Lei Maria da Penha, não incumbe mais discutir a natureza dos vínculos formados por homossexuais. (DIAS, 2007).

Pois, com essa nova definição legal, não há porque querer eliminar do âmbito judicial o amor entre os iguais, já que suas discórdias são reconhecidas como violência doméstica. (DIAS, 2007).

Maria Berenice Dias relata que:

 

O conceito legal de família trazida pela Lei Maria da Penha insere no sistema jurídico as uniões homoafetivas. Quer relações de um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres ou constituídas entre dois homens, todas configuram entidade familiar. Ainda que a Lei tenha por finalidade proteger a mulher, acabou por cunhar um novo conceito de família, independente do sexo dos parceiros. Assim, se a família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Ainda que eles não se encontrem ao abrigo da Lei Maria da Penha, para todos os outros fins impõe-se este conhecimento. Basta invocar o princípio da igualdade. (DIAS, 2007. p.38).

 

Apesar de no Brasil a adoção por homossexuais não ser comum, já existem vários julgados a respeito do assunto. (DIAS, 2001).

Portanto, no caso desses julgados quando a lei é omissa, os juízes devem resolver o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, conforme está disposto no art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil.

Então, nota-se que em São Paulo, o Tribunal de Justiça no dia 31/07/1997 deferiu a guarda de uma criança a um homossexual, conforme podemos conferir na Apelação Cível nº 35.466-0/7 Câmara Especial onde o Presidente Relator declara seu voto:

 

CRIANÇA OU ADOLESCENTE – GUARDA – PEDIDO FORMULADO POR HOMOSSEXUAL – DEFERIMENTO – Medida de natureza provisória que pode ser revogada se constatado desvio na formação psicológica da menor. Assim é que realizada uma primeira avaliação psicológica, ficou constatado que a criança vinha se desenvolvendo bem do ponto de vista psicológico, tendo a psicóloga afirmado peremptoriamente que a homossexualidade de seu adotante, ainda não inteiramente compreendida pela criança, não se constitui como um fator de perturbação emocional para ela até o momento. Além disto, não se pode olvidar que a criança vive em companhia do apelado desde os 45 dias de vida, vale dizer, há mais de nove anos, de tal arte que uma mudança brusca poderia sim trazer conseqüências desfavoráveis à criança. Ante o exposto nega-se provimento ao recurso (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 35.466-0/7. Câmara ESPECIAL. Relator: Des. Dirceu Melo. Apelante: Ministério Público Apelado: H. F. C. Data do Julgamento: 31-07-1997). (DIAS, 2001, p.272-273).

 

 Através da utilização da analogia e dos princípios gerais do direito, foi concedida a adoção de dois menores a duas mulheres, na cidade de Bagé lá no Rio Grande do Sul, no dia 05 de abril de 2006, conforme relata Enézio de Deus Silva Júnior:

 

Até o momento, a mais impactante e positiva abertura judicial se deram na cidade de Bagé/RS, quando o Dr. Marcos Danilo Edon Franco, Juiz da Infância e da Juventude, possibilitou a constituição do vínculo legal de filiação, através da adoção, de duas mulheres para com dois menores. Ambas convivem juntas, em união afetiva sólida, há mais de oito anos, e uma delas já havia conseguido a adoção das duas crianças. A decisão do magistrado revelou extrema sensibilidade e coerência, ao estender à companheira da mãe adotiva o vínculo de maternidade para com os menores, pois, além de esses já estarem, de fato, sendo educados e convivendo com ambas, pedido da outra mãe socioafetiva se baseou no claro desejo de compartilhar, juridicamente, com a sua companheira (já legalmente, mãe adotiva), as mesmas responsabilidades e deveres jurídico-parentais para os pequenos. Mesmo diante da posição do Ministério Público da comarca em questão, ao vislumbrar, de modo literal, a legislação brasileira (entendendo que a adoção por casal convivente em união estável só poderia ocorrer na união entre homem e mulher), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da Sétima Câmara Cível, negou provimento, por unanimidade, à Apelação Cível interposta pelo MP (Proc.70013801592), confirmando a viabilidade de adoção por casal homoafetivo no Brasil. Admirável, em sua sensibilidade e preparo jurídico-científico, o Desembargador Relator Dr. Luis Felipe Brasil Santos afirma: “Se o casal tem todas as características de uma união estável – vivem juntas com o intuito de construir família, tem relação pública e duradoura – não importa o sexo das pessoas. Elas devem ser tratadas com todos os direitos de uma família. Podem adotar em conjunto”. (SILVA JÚNIOR, 2007, p.141).

 

Também, no estado do Rio de Janeiro, em 2006, foi deferido um pedido de adoção a duas mulheres que mantinham relação estável embasado no princípio da igualdade.

Enézio de Deus Silva Júnior relata este caso:

 

Veio da Vara da Infância e da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro, que, pela primeira vez, permitiu que um casal de mulheres, pelo primado do princípio constitucional da igualdade (com relação aos casais ditos convencionais) avançasse, em passos processuais, rumo à adoção de uma criança em conjunto. O caso se refere à jornalista L. M. C. e à radialista A.        C. D., que mantêm uma relação estável há mais de cinco anos. Residentes no Bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, as mulheres se articulavam, frente ao Poder Judiciário, há três anos, pleiteando esse direito. A sensibilidade e a coragem ético-humanística do magistrado, Dr. Sandro Pithan ficou demonstrada com a permissão, por ele concedida, de ser também incluído, no dia 15.05.2006, nome de D. (da outra companheira) como pólo ativo no processo de adoção da criança C., de 2 anos e seis meses. As duas conviventes, neste sentido, têm deferida a guarda provisória do menor até o mês de agosto de 2006 e serão somados ao nome de C. (do menor), os sobrenomes da jornalista e da radialista. (SILVA JÚNIOR, 2007, p.148).

 

Ultimamente, o Congresso Nacional vem principiando algumas decisões acerca da adoção por homossexuais que vivem em união estável.

Grande avanço obteve o reconhecimento do direito da adoção por homossexuais, após a aprovação de um relatório pela Comissão Especial da Lei da Adoção, na Câmara dos Deputados em janeiro de 2007, que teve como autora a Deputada Teté Bezerra do PMDB do MT. A referida Lei prevê a criação de dois cadastros nacionais de adoção, sendo que o primeiro cadastro constará o nome da criança e do adolescente que podem ser adotados e o segundo cadastro será para as pessoas que interessam adotar. (SILVA JÚNIOR, 2007).

A lei permite a adoção por pares homossexuais que mantenham união estável e estabelece prazos para ser decretada a perda do pátrio poder com o intuito de agilizar a entrada dos nomes no cadastro, e garante ainda o direito a licença de 15 dias para os adotantes.

No caso desta lei ser sancionada, ela integrará o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Conforme a Comissão Especial da Lei da Adoção, “o juiz deve analisar o que representa maior vantagem para a criança ou adolescente a ser adotado, sendo primordial o seu bem estar”. (SILVA JÚNIOR, 2007, p.147).

Hoje em dia, a sociedade esta sendo mais compreensiva, ao passo de aceitar e ver que a opção sexual de cada indivíduo não muda sua essência de ser humano, e que como ser humano necessitam se realizar pessoalmente e que ter filhos faz parte dessa realização. Sendo assim, perante os princípios da igualdade, da não-discriminação e da dignidade da pessoa humana, esta realidade de se tornarem pais e mães se encontram amparadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8 CONCLUSÃO

 

 Ao final desta pesquisa, concluiu-se que a adoção teve seu início no Direito Romano, sendo regulado por vários ordenamentos legais, que vem passando por inúmeras transformações em sua estrutura e na sua formação. Seu principal objetivo era perpetuar o culto doméstico.

Várias leis disciplinaram o instituto da adoção, e cada uma com o mesmo objetivo de proteger o adotado. Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção passou a dar prioridade ao interesse da criança e do adolescente, ou seja, os menores de 18 anos.

Apesar de ser uma questão muito polêmica e que traz diversas discussões acerca do assunto, onde as opiniões ainda se divergem bastante, a adoção por pares homossexuais está cada vez mais presente em meio a nossa sociedade. Os homossexuais vêm lutando muito pela aprovação de seus direitos, em especial pelo reconhecimento de sua capacidade de adotar.

Embora já exista vários julgados positivos a respeito da adoção pelos homossexuais, ainda não há lei expressa que autorize essa adoção, ao mesmo tempo, também não há nenhuma lei que vede essa possibilidade.

A adoção por homossexuais mais cedo ou mais tarde terá que ser regulada por lei específica e ser aceita pela sociedade. A sociedade não pode continuar ignorando uma situação que existe por toda a parte, e que precisa de proteção jurídica que garanta e assegure seus direitos fundamentais de igualdade e de dignidade da pessoa humana.

Os homossexuais realizaram movimentos para que seus direitos fossem concretizados, em especial a questão da adoção, mas somente conseguirão realizarem estes direitos no momento em que a questão moral for deixada de lado. Devem ser analisadas as questões técnicas da relação do homossexual com a criança a ser adotada, porque é muito melhor uma criança viver com um par homossexual onde terá um lar, uma família, amor, carinho e educação do que viver em um abrigo apropriado ou até mesmo nas ruas.

As legislações vigorantes que dispõem sobre a adoção não restringem à questão da adoção por pares homossexuais, nem mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente traz restrições a este assunto, o problema é que a lei menciona que a adoção pode ser realizada por apenas um dos homossexuais.

Portanto, a vontade dos homossexuais é ver essa situação regularizada, e assim dar um fim no preconceito e na discriminação que tende a permanecer na nossa sociedade.

O direito de adoção dos homossexuais encontra argumentos que o viabilizam e se encontram amparados pelos princípios da não-discriminação, da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Para que seja aprovada a adoção por pares homossexuais, é preciso levar em conta o bem estar da criança, observando se ela terá um desenvolvimento saudável no seio da família adotante. E não se pode deixar de lado um dos pilares fundamentais da adoção por homossexuais que é o princípio da proteção integral da criança.

No que tange a perspectiva jurídica da adoção por homossexuais, aos poucos essa adoção vem ocupando seu espaço na sociedade. Pois existem nos dias de hoje muitas crianças que conseguiram ter sua família substituta e o fato de ser uma família formada por pares homossexuais em nada prejudica a felicidade de se ter um lar para viver, e poder receber amor e carinho.

Enfim mesmo que ainda exista muito preconceito a respeito dos homossexuais, eles estão aos poucos conseguindo fazer valer seus direitos garantidos constitucionalmente, se igualando a todos, independentemente de sua orientação sexual, e provando que são capazes de serem pais ou mães, e acima de tudo sendo respeitados, pois perante a lei somos todos iguais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5º. II, parágrafo único, da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Revista Brasileira de Direito de Família, n. 39, p. 131 – 153, Porto Alegre, Síntese, IBDFAM, dez – jan. 2007.

 

BRASIL. Lei 3.133/57, 08 de maio de 1957. Dispõe sobre adoção. Diário Oficial da União, Brasília 9  mai. 1957.

 

BRASIL. Lei 4.655/65, 02 de junho de 1965. Dispõe sobre a legitimação adotiva. Diário Oficial da União, Brasília 3 jun. 1965.

 

BRASIL. Lei 6.697/79, 10 de outubro de 1979. Código de Menores. Diário Oficial da União, Brasília 11 out. 1979.

 

BRASIL. Lei 8.069/90, 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília 17 jul. 1990

 

BRASIL. Lei 11.340/06, 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Diário Oficial da União, Brasília 8 ago. 2006.

 

BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2007.

 

BRASIL. Projeto Lei 1.151/95, 28 de junho de 1995. Regula a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo.

 

COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Tradução de Jean Melville. São Paula: Martin Claret, 2003.

 

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

 

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: preconceito e justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

 

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Legitimidade na Constituição de 1988. In Constituição de 1988: legitimidade, vigência, eficácia e supremacia. São Paulo: Atlas, 1989.

 

FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para Homossexuais. 1º Ed. Curitiba: Juruá, 2002.

 

FONTANELLA, Patrícia. União Homossexual no Direito Brasileiro: enfoque a partir do garantismo jurídico. Florianópolis: OAB/SC, 2006.

 

GIORGIS, José Carlos Teixeira. A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica, Família e Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. In: Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, III., 2002 Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

 

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6º Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

 

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerus clausus, Família e Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. In:Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, III., 2002 Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

 

MARQUES, Márcio Thadeu da Silva. Melhor interesse da criança: do subjetivismo ao garantismo! In: Pereira, Tânia da Silva (Coord). O Melhor Interesse da Criança: Um Debate Interdisciplinar. Rio de Janeiro: renovar, 1999.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6º Ed. atualizada até a Emenda Constitucional nº 52/06. São Paulo: Atlas, 2006

 

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 3º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

 

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 2º Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

 

PEREIRA, Tânia da Silva. O Melhor Interesse da Criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

 

PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais. Fronteiras da família na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

SAPKO, Vera Lucia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: Sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. 1º Ed. Curitiba: Juruá.

 

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2º ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

 

SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Adoção por casais homossexuais. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 30. Assunto especial. 2005.

 

SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A Possibilidade Jurídica da Adoção por Homossexuais. 2º ed. Curitiba: Juruá, 2007.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 4º Ed. São Paulo: Atlas, 2006.