A Adoção e o Direito à Família

 

 

       O caput do art. 226 da CF, ao dizer explicitamente que a família é a base da sociedade, cabendo ao Estado garantir a sua proteção, nos inspira a acreditar que, uma vez criada à relação entre pais e filhos, esta de imediato passa, em amplo sentido, a ser blindada pelo Estado. Da mesma forma o artigo 227, da Lei Maior, entre outras coisas, determina ao Estado que garanta a criança, ao adolescente e ao jovem, a dignidade, o respeito e a convivência familiar, colocando-as a salvo de toda e qualquer forma de violência e crueldade, levando-nos também a crer, que qualquer outra forma de se falar em proteção à família que não esta, seria agredir a Constituição, seria descumprir Princípios fundamentais ligados a dignidade e a vida do cidadão.   

Nesse sentido, quero inicialmente estabelecer uma insípida, porém oportuna relação, entre o disposto nos citados artigos, e o episódio ocorrido há cerca de um ano na cidade de Monte Santo, sertão baiano e que agora ganha proporções maiores pela matéria jornalística veiculada no Fantástico/Rede Globo de Televisão, no dia 14/10/12, onde segundo denúncias, cinco filhos de um humilde casal daquela região, a mando do magistrado da Comarca local, foram arrebatados da família a que pertenciam, de forma brusca e inexplicável aos olhos dos pais que nada puderam fazer em defesa da prole, e entregues a título de adoção a duas famílias abastardas do interior Paulista.

 Note-se que naquela ocasião, embora desprovidos de maior nível cognitivo sobre a barbárie que estavam sendo submetidos, os pais buscaram de imediato a tutela Estatal no sentido de reaverem seus filhos, e usando dos meios que julgavam dispor, procuraram as explicações necessárias para o impetuoso agir do Poder Público, uma vez que todo o trâmite processual correu sem a presença dos mesmos e muito menos do Ministério Público, sendo negado total acolhimento as suas rogatórias.

 Alheio ao sofrimento do casal, o Poder Público vem insistindo em transmitir a sociedade, uma aparente licitude do seu ato, afirmando a existência do devido processo legal e todos os demais requisitos referentes ao caso, mas que na verdade por ter sido um ato eivado de vícios, infelizmente só agora virou alvo de investigações por parte do CNJ e da Corregedoria de Justiça da Bahia, bem como da Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas, onde serão convocadas pessoas e autoridades envolvidas no caso de Monte Santo.

É necessário neste momento que se destaque a importância da correta utilização do direito de família em processos de adoção, onde não podemos, em hipótese alguma, perder de vista certos preceitos perfeitamente aplicáveis ao caso, tais como: a tutela do estado através dos representantes do M P, dos Conselhos tutelares e da Defensoria, que no caso não se fizeram presentes; os pais, legítimos representantes da prole junto às varas de família compõe a parte prioritária nas oitivas das salas de audiências; os Princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, elementares e por isso, imprescindíveis a qualquer tipo de julgamento; e ainda do Princípio doutrinário da desigualdade que aqui assume fundamental importância por estarmos diante de pessoas com parcos entendimentos jurídicos, indefesas perante a lei, quando comparadas aos demais sujeitos do processo, onde o Estado, até aqui potestativo para com eles, deveria nesse momento não permitir a aquiescência dos fatos em julgamento, e estender de modo diferenciado, suas asas protetoras, pois segundo a doutrina “é direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância com os critérios albergados, ou ao menos não vedados, pelo ordenamento constitucional.” (BASTOS, 2001, 1995, p.7).

Ora, todos estes requisitos não são meras formalidades processuais, pois basta um rápido olhar nos dispositivos legais para facilmente encontrarmos fundamentações pertinentes, como as contidas nos artigos 1º, §1º e 4º da Lei nº 12.010/09 (Lei Nacional de Adoção), artigos: 24, 92, I, II, V, VIII, 155 e 161, § 4º da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Artigos 1.637 e 1.638 do CC, Resolução do CNJ nº 54/2008 (Cadastro Nacional de Adoção), e muitas outras que poderiam aqui ser lembradas que só reforçariam a omissão brutal e ilegal praticada pelo judiciário brasileiro.

Aprofundando um pouco mais esta discussão, volto a lembrar da nossa querida e atual Constituição Federal, onde no artigo 1º, III, estabelece de modo genérico, a dignidade da pessoa humana como um Princípio fundamental, norteador de todos os demais, aplicável igualmente a todos nós, seres humanos, uma vez que não estratifica em momento algum a condição social do indivíduo.

Dessa forma é revoltante e inadmissível que um magistrado, instruído e moldado sob as rédeas das leis, dos Princípios e demais componentes do nosso ordenamento jurídico, possa ter tomado a decisão de afastar em tempo recorde, filhos dos pais simplesmente por considerá-los pobres, tomando a pobreza como um elemento agravante e terminativo na desagregação de uma família, não atentando sequer para um componente tão óbvio à existência do ser humano, que é a sua dignidade, desprezando ainda as trágicas conseqüências advindas desta ruptura selvagem dos laços afetivos, antes estabelecidos com os pais, avós e demais membros familiares, e que certamente irá refletir profundamente no psicológico de cada um e principalmente no dos filhos, que independente da idade, cor, sexo e posição social, fazem jus a um desenvolvimento pleno e saudável das suas personalidades.

Da mesma forma aspectos sociais e afetivos também não foram previstos no afastamento desses filhos, pois hoje embora convivendo em famílias financeiramente bem estruturadas, o que os tornam materialmente protegidos e seguros, certamente viverão por um longo tempo sob o choque de hábitos e costumes sociais, provocados pela mudança brusca e repentina no comportamento inter familiares, associada à ausência da afinidade afetiva antes existente com os pais biológicos e demais familiares, e que agora sob o Instituto da adoção, terá de ser novamente construída, e certamente sustentada nos traumas e na dor da separação e a custa de muitos sofrimentos.  

Finalizando esta breve reflexão não poderia deixar de ressaltar a sensação de indignidade que vivencio diante da arbitrariedade contida em atos dessa natureza, atos que vem se repetindo no dia-a-dia dos Tribunais e apesar de ilícitos, tornam-se diminutos diante da insensatez sem limites dos seus praticantes, daqueles que detentores da competência jurisdicional emanada pelo Estado, julgam e condenam aleatoriamente pessoas, tirando-lhes qualquer possibilidade de defesa, menosprezam sentimentos afetivos em troca de favores pessoais, agem sorrateiramente em formação de quadrilhas, julgando-se intocáveis, resgatando o abominável coronelismo do passado e ignorando o estado democrático de direito, que às duras penas, se transformou num dos maiores legados conquistado por todos nós, povo brasileiro. E nesse sentido, quem sabe um dia poderemos banir de vez este “estado arbitrário de direito”, quando a própria sociedade conseguir instalar a verdadeira maturidade nos Poderes Públicos e que estes se fiscalizem e façam cumprir comportamentos éticos de seus componentes, pois só assim ninguém mais será blindado em nome da Lei, e ai sim, terei certeza que a justiça se fará vencedora e mais uma vez cumprirá seu verdadeiro papel na busca da paz, dos interesses e do equilíbrio social.

                                                                                                                                  22.10.2012

 

PAULO ROBERTO DANTAS DE OLIVEIRA

Acadêmico de Direito