A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS A LUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE* 

Hibernon Marinho Alves de Andrade Filho ** 

RESUMO

A constituição federal de 1988 ao tratar das garantias do devido processo legal inovou trazendo em seu art. 5°, LVI que são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito. Porém desde que foi codificada diversas correntes de estudo vem discutindo a coerência e funcionalidade desta norma. Apesar do posicionamento oficial do Supremo Tribunal Federal ser pela inadmissibilidade dessas provas que são consideradas ilícitas, existe uma corrente que defende a utilização do principio da proporcionalidade para admissibilidade ou não destas para convencimento racional do juiz no processo. Por o Brasil ser um estado de direito, e além das regras expressas serem considerados valores e princípios, teorias e jurisprudências vem ratificando a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos a fim de preservar liberdades públicas fundamentais.

PALAVRAS-CHAVES

Provas ilícitas. Princípio da Proporcionalidade. Liberdades Públicas Fundamentais.

1 INTRODUÇÃO

A proposta do trabalho é discorrer a respeito da admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos quando se refere a proteção de liberdades públicas fundamentais.

Inicialmente será definido o conceito de prova ilícita, e será abordado o que dizem as principais correntes que discutem essa questão a luz do ordenamento jurídico brasileiro, encerrando com a posição mais recente do Supremo Tribunal Federal.

Segue-se discutindo a respeito do principio da proporcionalidade, apontando como a aplicação deste viabiliza decisões mais coerentes no que concerte a admissibilidade ou não das provas obtidas por meios ilícitos.

Por fim demonstra-se por que mesmo contrariando a norma expressa no art. 5°, LVI da Constituição Federal de 1988 que veta a utilização de provas consideradas ilícitas, é válida sua admissibilidade ao se contrabalancear os direitos envolvidos e a fim de preservar as liberdades públicas fundamentais, dando destaque a legitima defesa.

 

2 A OBTENÇÃO DE PROVAS POR MEIOS ILÍCITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

                  A inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos está garantida no artigo 5°, LVI, da Constituição Federal de 1988.  É necessário, porém entender o que caracteriza a ilicitude de uma prova.

                  Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça coloca que:

“As provas ilícitas, conceitualmente, são as provas inaptas a formação do convencimento judicial por estarem inquinadas de vícios comprometedores da norma material, como também dos princípios constitucionais[1].”

                  Assim, compreende-se que as provas ilícitas violam direitos previamente estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro no momento de sua obtenção. Com isso surge a discussão em volta de sua validade e de seu caráter relevante no papel de ponte entre a verdade processual e a verdade real.

                  Essa discussão ainda é bastante relevante atualmente, se dividindo em três linhas de pensamento principais: Os que admitem o uso das provas ilícitas, os que não admitem independente do precedente por elas estabelecido, e os que acreditam que precisa ser aplicado o princípio da proporcionalidade a cada caso concreto analisado.

                  Os adeptos a admissibilidade das provas ilícitas defendem que a forma utilizada para obtenção desta, não invalida seu conteúdo, e infringe apenas os direitos materiais e não os processuais. Partindo do princípio que uma das finalidades do processo é a obtenção da verdade real, estas provas devem sim ser consideradas a fim de proporcionar decisões mais coerentes com a realidade.

                  Por outro lado, os adeptos a inadmissibilidade das provas ilícitas alegam que o Ordenamento Jurídico Brasileiro não pode absorver provas que violam direitos e deveres assegurados pela constituição e por leis substanciais, devendo com isso invalidar tanto as provas quanto qualquer efeito proveniente dela.

                  Porém, existe uma corrente intermediária que defende a analise individual dos casos concretos antes da admissão ou inadmissão das provas apresentadas.

                  Desde 1988 diversas decisões a esse respeito já foram deferidas pelo Supremo Tribunal Federal, apesar de não possuir caráter de sumula vinculante o ultimo pronunciamento desta casa, no ano de 2008, foi que:

“As provas ilícitas, bem como todas aquelas delas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reduzidas aos autos de forma indireta, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo porém o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas não decorrente.[2]”

 

3 A TEORIA DA PROPORCIONALIDADE E AS LIBERDADES PÚBLICAS FUNDAMENTAIS

                  Há uma corrente de estudiosos que acredita que as provas obtidas pelos meios ilícitos devem ser analisadas a luz do princípio da proporcionalidade, visto que existem casos extremos em que as liberdades públicas asseguradas na constituição e em leis substanciais tem menos importância que o direito que esta sendo tutelado.

                  Gilmar Ferreira Mendes coloca que:

“A proporcionalidade permite aferir a compatibilidade das opções políticas do legislador com os valores e os princípios insculpidos na carta magna, pois o ato legislativo não é um ato livre no fim. [3]”

                  Dessa forma infere-se que o principio da proporcionalidade vem descaracterizar das normas advindas do poder legislativo um caráter absoluto, deixando claro que é função do Judiciário não apenas segui-las, mas também interpretá-las e balanceá-las sempre que necessário para que suas decisões se aproximem cada vez mais do que é considerado justiça.

                  Ao mesmo tempo em que a constituição coibiu a utilização de provas ilícitas, ela estabeleceu o principio da ampla defesa, do convencimento racional do juiz, do contraditório, e da proporcionalidade. Sendo que este ultimo tem como função principal encontrar um meio termo entre as normas definidas pelo legislativo que muitas vezes se mostram até mesmo contraditórias.

                  Por não ser uma ciência exata, o direito necessita dessa ponderação, pois muitas vezes valores como liberdade e justiça se contrastam com direitos a intimidade. Ada Pellegrine Grinover ensina que:

“A aplicação do principio da proporcionalidade, na ótica do direito de defesa, também constitucionalmente assegurado, é forma prioritária, principalmente no direito penal, todo informado pelo princípio do favor rei. [4]”

4 A ADMISSÃO DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS A FIM DE ASSEGURAR A DEFESA DE LIBERDADES PÚBLICAS FUNDAMENTAIS

                  Dentre as liberdades públicas fundamentais destacam-se os valores referente a liberdade humana e ao ideal de justiça. Esses valores contrapostos a diversas regras de direito substancial expressas nas leis codificadas do ordenamento jurídico brasileiro, demonstram a importância da aplicabilidade do principio da proporcionalidade no que tange a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos.

                  Alexandre de Moraes coloca que:

“(...) as liberdades públicas não podem ser utilizadas como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal, por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito[5].”

                  Nota-se assim que é incoerente atribuir ao Brasil a característica de Estado de Direito, coibindo este de aproximar a verdade processual da real, afim de garantir direitos materiais expressos, que se contrabalanceados aos valores e princípios envolvidos, tem sua funcionalidade reduzida e muitas vezes praticamente irrelevante.

                  Por fim, ao tratar da legítima defesa das liberdades públicas fundamentais, torna-se mais incoerente a completa inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. A legítima defesa é um excludente de ilicitude, o que justifica o uso da prova no processo, além de que a pessoa ao agir em legítima defesa esta respondendo a condutas anteriormente ilícitas.

                  O ministro Moreira Alves observa:

“evidentemente, seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como o diálogo com os seqüestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significaria o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa[6].”

 

5 CONCLUSÃO

 

                  Ao final do trabalho, percebe-se que mesmo estando expressa na carta magna do país, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos é fruto de discussões e contradições no ordenamento jurídico brasileiro.

                  Apesar de proibida a utilização dessas provas ilícitas, existem correntes que defendem que estas devem ser sim utilizadas no convencimento racional do juiz, desde que os direitos violados em sua obtenção sejam contrabalanceados com os direitos e valores tutelados a luz do principio da proporcionalidade.

                  As liberdades públicas e sua legítima defesa são fatores que complicam ainda mais essa discussão, visto que ou por suas características fundamentais ou por seu caráter de excludente de ilicitude, abrem um precedente teórico e jurisprudencial que apontam para a incoerência da norma constitucional.

                 

REFERÊNCIAS

  • MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas Ilícitas: limites a ilicitude probatória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
  • MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica,2000.
  • GRINOVER, Ada Pellegrine; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 2 ed. São Paulo: Malheiros,2000.
  • MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Edição 25. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
  • Supremo Tribunal Federal - <<http://www.stf.jus.br>>
  • CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 2002. 5 em 1.São Paulo: Edições Jurídicas Manole,2003


* Trabalho elaborado por Hibernon Marinho Alves de Andrade Filho e Izabelle Smith Frazão Ramos para a Disciplina Teoria Geral do Processo, ministrada pelo Professor Elton Fogoça.

** Acadêmicos do 3º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[1] MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas Ilícitas: limites a ilicitude probatória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pag.31.

[2] STF- 2ª T. – HC n° 82.862/SP – Rel. Min. Cezar Peluso, decisão: 10-02-2008

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica,2000. Pag.24

[4] GRINOVER, Ada Pellegrine; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 2 ed. São Paulo: Malheiros,2000. Pág.135.

5 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Edição 25. São Paulo: Editora Atlas, 2010 pág.116.

6 STF - 1ª T. – HC n° 74.678-1/SP – Relator Min. Moreira Alves, votação unânime, Diário da Justiça, Seção I, 15 de agosto de 1997. Serviço de Jurisprudência do STF – Ementário n° 1.878-02.