A ADEQUAÇÃO ENTRE OS INTERESSES DA LEI E OS INTERESSES EM QUESTÃO NA PERSPECTIVA DA ESCOLA DA JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES: ANÁLISE DA DECISÃO DE RECONHECIMENTO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS

Francisco Airton Girão Saboia Júnior¹

Lanuza Fernandes Damasceno²

Sumário: 1. Introdução; 2. Escola da Jurisprudência dos Interesses; 3.Fundamentos que afastam a escola da Jurisprudência dos Conceitos e a Escola da Exegese da decisão do STF de reconhecimento da União Homoafetiva;4. Adequação da Escola da Jurisprudência dos Interesses ao julgado do STF sobre o reconhecimento das uniões homoafetiva; 5. Conclusão; 6. Referencial Teórico.

RESUMO

O presente trabalho vai discutir e refletir sobre a importância da Jurisprudência dos Interesses na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao reconhecer as uniões homoafetivas, ao passo que irá esclarecer os motivos nos quais as ideologias da Jurisprudência dos Conceitos e da Escola de Exegese não se enquandariam diante dessa decisão, baseando-se na análise do pensamento daquela, que é marcado pela introdução de um elemento que busca um fim na compreensão e aplicação do direito e que permite ao intérprete desenvolver critérios que busquem proteger os interesses.

PALAVRAS- CHAVE

Jurisprudência dos Interesses. União Homoafetiva. Escola da Exegese. Jurisprudência dos Conceitos

ABSTRACT

This paper Will discuss and reflect on the importance of Jurisprudence of Interests in the decision of the Supreme Court to recognize the unions homoafetivas while Will clarify the grounds on which the ideologies of Jurisprudence of Concepts and the Scholl of Exegesis not enquandariam before that decision, based on analysis of the thought of that, which is marked by the introduction of na element which seeks na end to theuderstanding and application of the law and allows the interpreter to develop criteriathat seek to protect the interests.

KEYWORDS

Decisions of Interest. Homoafetiva Union. School of Exegeses. Jurisprudence of Concepts

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¹ Aluno do 4º Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

² Aluna do 4º Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

INTRODUÇÃO

As relações homoafetivas são legítimas, portanto, merecedoras de reconhecimento do Direito. Fácil vaticinar, contudo, extremamente complexo e adverso a tentativa de efetivação de tais direitos aos homossexuais e suas relações. Os preconceitos existentes baseados nos costumes, na sociedade patriarcalista, na influência da igreja, nos valores culturais e na estrutura social vigente representam grandes obstáculos, tratando a homossexualidade como algo “absurdo”. Conseqüentemente, grandes tabus são gerados e necessitam ser desmistificados pela evolução da sociedade que em muitos casos são concebidas via decisão judicial.

Recentemente constatamos um desses episódios de reconhecimento de direitos via decisão judicial do STF. A ADI 4227 reconheceu enfim a união homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Nada mais justo para uma situação verídica enfrentada por vários casais homossexuais que eram cerceados de seus direitos simplesmente pelo preconceito social aliado ao exacerbado dogmatismo jurídico que é corrente majoritária nas decisões judiciais.

O presente trabalho visa analisar a decisão do STF sob a ótica do resultado mediante adequação na Escola de Interpretação da Jurisprudência dos Interesses, fazendo a analogia e contra argumentação de como seria essa decisão pela interpretação do caso nas Escolas da Exegese e da Jurisprudências dos Conceitos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.  Escola da Jurisprudência dos Interesses

A Jurisprudência dos Interesses, desenvolvida na Alemanha teve como maior expoente Philipp Heck e como seguidores, Max Rumelin, Paul Oertmann, Soll, Muller- Erzbach, dentre outros, fixou princípios que deviam ser seguidos pelos juízes na elaboração de suas sentenças, e conheceu a ordem jurídica como um conjunto de leis que produzem efeitos na vida real, afetando a vida humana, que está sempre se modificando, de modo que os interesses cambiantes estão sempre em competição, apresentando demandas contraditórias (DINIZ, 2011 p.69).

Philipp Heck parte do entendimento de que a lei criada pelo legislador não consegue englobar toda realidade social, de modo que caberia ao juiz, a partir de pontos de vistas teleológicos, criar a norma aplicável ao caso concreto. Para ele “o pensamento legislativo é necessariamente insuficiente, especialmente quando se trata da nova codificação de um grande âmbito de relações. Também a lei bem elaborada apresenta lacunas e contradições que exigem uma atividade complementadora” (ROCHA, 2009 p. 94).

O mesmo autor citando Heck (1999, p.61) vai dizer que seguindo essa linha de entendimentos, a interpretação jurídica deveria transcender o direito positivo, sendo integrada pela noção de interesse, corporificando a denominada jurisprudência dos interesses e que para Heck,

[...] a característica peculiar dessa tendência consiste em que ela utiliza como conceitos metódicos auxiliares o conceito de interesse e a série de noções que estão com conexão com ele: estimação de interesses, situação de interesses, conteúdo de interesses, etc. Utilizam-se estes conceitos na análise dos problemas normativos, e na estruturação da reflexão desses conceitos auxiliares é ademais imprescindível para uma mais profunda penetração.

     Para Maria Helena Diniz (2011, p.69), na determinação judicial do direito deve-se proteger interesses atuais, os quais, para sua realização, dependem do conhecimento daqueles interesses, cuja satisfação foi exigida na formulação da norma jurídica que está sendo interpretada. Os juízos de valor contidos na lei exprimem interesses da comunidade. A competência do juiz não consiste em criar livremente um novo direito, mas em colaborar, dentro da ordem jurídica em vigor, na realização dos ideais que positivamente a inspiram. O mesmo irá se submeter à norma posta, porém se essa norma não regula certo fato, ou se o rege de modo deficiente, poderá o juiz construir normas.

Desse modo, pode-se dizer que a jurisprudência dos interesses concede ao juiz  não somente a função de conhecer a norma, mas também construir novas normas a partir do uso da analogia para situações ainda não previstas no ordenamento jurídico,tendo como suporte a valoração dos interesses motivaram a criação de determinado dispositivo que será aplicado ao caso concreto e não previsto, e que corrigirá a norma deficiente.

3. Fundamentos que afastam a escola da Jurisprudência dos Conceitos e a Escola da Exegese da decisão do STF de reconhecimento da União Homoafetiva

Partindo da Jurisprudência dos Conceitos, é sabido que ela teve como maior expoente Friedrich Puchta e que consistiu em uma corrente de pensamento jus-filosófico que apresentou a idéia de Direito como um sistema conceitual em forma de pirâmide, conhecida como pirâmide de conceitos. Desenvolveu-se entre o jusnaturalismo, com quem tentou romper, e o positivismo em quem encontrou a sua gênese (PEPINO; GAVIORNO; FILGUEIRAS, 2006, p.138).

De acordo com Arthur Kaufmann (2002), citado por Rocha (2009, p. 81), a jurisprudência dos conceitos reflete uma teoria jurídica lógico-racionalista, na medida em que atribui aos conceitos jurídicos a possibilidade de enclausurar o direito, sendo desnecessária qualquer valoração para a compreensão das regras jurídicas, mas sim a sua recondução a conceitos superiores.

O pensamento conceitual toma por fundamento a construção abstrata das normas jurídicas. Cria-se um sistema lógico-dedutivo estruturado em um conceito fundamental que subordina todos os demais. O conceito geral localiza-se no vértice da pirâmide e os específicos na base. O sistema conceitualista apresenta-se atrelado ao método lógico-dedutivo, a busca do conhecimento sistemático, nos sentidos ascendentes e descendentes. Os conceitos geral e específicos ou, em outras palavras, o conceito fundamental e os especiais comunicam-se nessa estrutura sistêmica piramidal, de estrita observância lógica (FERREIRA;  LIMA, 2007, p. 279).  

Dito isto, infere-se que os conceitos inferiores que estão na base são válidos apenas em termos lógicos, pois, os mesmos só se legitimam quando podem ser incluídos ou mesmo extraídos de conceitos superiores que estão no ápice da pirâmide.

De acordo com Larenz (1997), citado por Ferreira e Lima (2007), o erro está justamente nesta ligação entre a base e o vértice da pirâmide, já que os conceitos inferiores passam a ser entendidos somente segundo o conceito superior a que se integram e não pela sua função no contexto em que se inserem, o que resulta em duas afirmações: “ a construção dedutiva do sistema depende absolutamente da pressuposição de um conceito fundamental determinado quanto ao seu conteúdo,conceito que não é, por sua vez, inferido do Direito positivo, mas dado previamente à ciência jurídica pela filosofia do Direito. Só pode ser Direito o que se deixe subordinar a esse conceito fundamental.

Se fizermos uso do dispositivo usado pelo ministro Ayres Brito art. 3º, IV CF/98 “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação”, para fundamentar sua decisão de reconhecimento da união homoafeitva, tem-se que de acordo com a Jurisprudência do Conceitos, o conceito superior seria a letra desse dispositivo, ao passo que os conceitos inferiores seriam todos os deduzidos  desse conceito superior. Porém, não seria possível deduzir um conceito adequado desse dispositivo para regular o caso, haja vista o conceito inferior não ser deduzido a partir do contexto em que está inserido que é o do reconhecimento da união homoafetiva.

Essa escola estabelece, para um longo período, a base metodológica adotada, posteriormente, pela metodologia da subsunção. A lógica dedutiva reflete profundas inadequações em relação à hermenêutica jurídica. O papel criador do juiz inexiste, considerando que o único movimento possível estava e permanece em subsumir o fato à norma. A extensão maior permaneceu em relação à colmatação de lacunas, implicando na justificativa, da necessidade inarredável, de sustentar a ficção da completude do sistema (FERREIRA; LIMA, 2007).

Se inexiste o papel criador do juiz, mais um motivo há para fundamentar que essa escola não seria adequada para explicitar a decisão do STF, pois, o que os Ministros fizeram foi nada mais que criar uma norma para regular um caso não previsto constitucionalmente.

Dessa forma, conclui-se que tanto o trabalho da ciência como o do juiz, torna-se uma atividade puramente lógica: os interesses e valores em jogo não mais aparecem (COING 2002 apud ROCHA 2009).

Observa-se nesse contexto que para a Jurisprudência dos Conceitos o juiz não tem uma atividade inovadora ou mesmo criadora, pois, ao adotar um sistema formalista no qual a interpretação dá-se de forma lógico-dedutiva, infere-se que a solução para o caso concreto encontra-se inclusa nesse sistema, não sendo necessária a criação de uma norma para ser aplicada ao caso.

Já o exegetismo francês, ao contrário da jurisprudência dos conceitos representou um formalismo legalista, na medida em que tendo por base a magnífica obra legislativa que foi o Código de Napoleão, pensavam os juristas franceses da época ser possível encontrar, no texto da lei, respostas para todas as controvérsias surgidas no âmbito do convívio social (CAMARGO,2001) .

O exegetismo defendia a idéia de que na lei encontrava-se a solução de todos os problemas. Ele apegava-se minuciosamente à literalidade do texto legal para a aplicação do Direito.

Se a escola de exegese apega-se a literalidade da lei, para ela não seria possível reconhecer a união homoafetiva pelo simples motivo de que na lei não há dispositivo específico que a regule. Se ela acreditava estar presente na norma a solução para todos os casos, a união homoafetiva seria a exceção à regra.

Para Rogério Machado Mello Filho (s.d), a Escola Exegética, estabeleceu que qualquer ato ocorrido no meio social estaria previsto numa lei, logo o Direito seria completo e poderia ser aplicado a qualquer caso. Os adeptos dessa escola entendem que a lei é absoluta, devendo o juiz extrair o significado dos textos para assim aplicá-lo ao caso concreto.

O mesmo autor ainda afirma que o direito, para os legalistas, seria o conjunto de normas emanadas e positivadas pelo Estado, ou seja, qualquer outra norma de uso social ou costume deveria ser ignorada. O magistrado deveria exercer apenas a sua função de aplicador da lei, sempre em conformidade com a vontade do legislador, em detrimento dos conceitos pessoais e valorativos.

Observa-se que para a escola do exegetismo também não é admitida a atividade inovadora ou criadora do juiz, pois, este deve se basear unicamente naquilo que está expresso pela norma, ou seja, na vontade do legislador.

Para José Durval de Lemos Lins Filho (2005), a atividade judicial deveria utilizar o método gramatical na busca do exato sentido da vontade geral explicitada na lei. A lei passava a substituir o arbítrio do soberano, sendo legítimo instrumento veiculador da vontade geral. E a utilização do método gramatical destina-se a assegurar o cumprimento da vontade geral evitando o retorno do arbítrio.

O artigo 4 do Código de Napoleão, ao proclamar que o juiz não pode recusar-se a julgar sob pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da lei, obriga-o a tratar o sistema de direito como completo, sem lacunas, como coerente, sem antinomias e como claro, sem ambigüidade que dêem azo a interpretações diversas. Somente diante de um sistema assim é que o papel do juiz seria conforme a missão que lhe cabe, a de determinar os fatos do processo e daí extrair as conseqüências jurídicas que se impõem, sem colaborar ele próprio na elaboração da lei. Foi nesta perspectiva que os juristas da escola da exegese se empenharem em seu trabalho, procurando limitar o papel do juiz ao estabelecimento dos fatos e à sua subsunção sob os termos da lei (PERELMAN 2000 apud ROCHA 2009 p.85).

4. Adequação da Escola da Jurisprudência dos Interesses ao julgado do STF sobre o reconhecimento das uniões homoafetiva

A princípio, é de fundamental importância analisarmos um pouco os aspectos históricos e a natureza jurídica da união homoafetiva, pois, a partir daí é que ficará mais fácil entendermos porque a Jurisprudência dos Interesses foi a escola de interpretação do direito cujos idéias mais se adequaram à decisão do Supremo Tribunal Federal.

  O modelo nuclear de família, formado por pais, mães e filhos, está mudando. Não existe mais a família dita “normal”, que permeia o imaginário do senso comum, até porque essa aparente “normalidade”, ditada por padrões patriarcalistas, pode revestir insatisfações dos membros que a compõe, ao passo que em uma família “diferente”, os membros podem possuir mais autonomia, individualidade e, conseqüentemente, mais felicidade. A família contemporânea possui, portanto, várias facetas (HOLANDA, s.d., p. 2).

Fator importante a ser enfatizado é que um grande responsável pelo rompimento desse modelo familiar que era do patriarcalismo foi o liberalismo homossexual, pois, inicialmente e essencialmente o modelo patriarcal era heterossexual.

Para Castells (1999) citado por Holanda (s.d, p.4), o homossexualismo sempre existiu, mas, foi apenas nas três últimas décadas que os movimentos sociais em defesa dos direitos dos homossexuais e da afirmação da liberdade sexual eclodiram, desafiando a estrutura tradicional do patriarcalismo. Esses movimentos, ainda segundo o mesmo autor, “põem em ação uma crítica corrosiva sobre o que e considerado sexualmente normal e sobre a família patriarcal”.

Com essas transformações ocorridas, Holanda (s.d.,p.4), concorda que considerada uma entidade familiar, a união homoafetiva gozará de toda a proteção do Estado, tal como as demais famílias (direito a alimentos, a sucessão, a divisão do patrimônio, em caso de dissolução da união, ao juízo especializado, como as varas de família, etc.), diminuindo, com isso, o preconceito social. Já considerada uma mera sociedade de fato, a união homoafetiva não terá especial proteção do Estado, nem mesmo proteção jurídica, uma vez que não existe lei especifica sobre o assunto.

Há alguns autores que não aceitam a união homoafetiva como entidade familiar. Estes se apegaram literalmente ao disposto no §º 3 do artigo 226, da Constituição Federal que “ para efeito da proteção do Estado, e reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Esses autores alegam que a união estável é necessariamente a união entre homem e mulher (sexos diferentes), desse modo, não é possível a união (casamento) entre pessoas do mesmo sexo, pois, se reconhecê-la, estaria se negando a união estável.

Porém, observa-se que uma interpretação literal do texto constitucional diante dessa complexidade na qual vive as relações sociais, seria o mesmo que dificultar o atendimento dos interesses da atual sociedade. Segundo Lenio Luiz Streck (2003) citado por Holanda (s.d,p. 11), “o novo paradigma constitucional estabelecido pelo Estado Democrático de Direito caminha lado a lado com o novo paradigma hermenêutico, que abandona a noção de reprodução de sentido e avança em direção a produção de sentido”.

De acordo com Holanda (s.d.,p.12), a família, especialmente na segunda metade do século XX, passou por uma transformação, na qual o afeto, ao invés do vinculo formal, passou a ser o elemento caracterizador da família. A união homoafetiva é uma realidade e merece proteção do Estado. O §º3 do artigo 226, da Constituição Federal, ao exigir a diversidade de sexo, para a configuração da união estável, está sendo desconexo com a realidade, ferindo, portando a dignidade humana.

A mesma autora ainda entende que a partir do momento que o afeto é a base das relações familiares, é necessário elastecer a especial proteção, por parte do Estado, a outras uniões. Cumpre, portanto, ressaltar que o afeto, elemento caracterizador das relações familiares, também está presente nas uniões homoafetivas, de modo que pode ser considerada uma entidade familiar, merecedora de proteção especial. Alias, as uniões homoafetivas preenchem todos os requisitos exigidos para configuração da união estável: relação contínua, duradoura, ostensiva e pautada no afeto (HOLANDA,s.d.,p.14).

Desse modo, após a análise do contexto histórico e jurídico da união homoafetiva, é possível compreender as motivações que levaram os ministros do STF a reconhecerem a união homoafeitva. Observa-se que o relator, o ministro Ayres Brito seguido pelos demais, argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. 

Foi visto anteriormente que não há norma que regule a união homoafetiva. Dessa forma, a jurisprudência dos interesses começa a atuar com tamanho grau de importância a partir do momento em que o Ministro Ayres Brito usa um dispositivo da Carta Magna e por analogia o aplica a esse caso, pois, é sabido que essa escola de interpretação do direito não concede ao juiz apenas a faculdade de conhecer, mas de através da analogia construir novas normas que regulem situações não previstas na Constituição.

Construir novas normas não significa para essa escola criar livremente o direito, mas colaborar a partir da norma vigente para que o direito proteja os interesses, o que na visão de Ferreira e Lima (2007, p.284), são de fato legítimos interesses sociais, vale dizer, os interesses dos sujeitos de direito e grupos sociais na ordem sócio- jurídica.

Para que o STF chegasse a tomar essa decisão, é possível dizer e isso num olhar voltado para a jurisprudência dos interesses, que levou-se em consideração que a norma criada pelo legislador não foi capaz de englobar toda a realidade social, haja vista a insuficiência ou mesmo carência de norma para regular esse caso concreto.

Portanto, a interpretação jurídica realizada pelos ministros do STF transcendeu o direito positivo, pois, tomou-se como motivação o interesse a ser tutelado, ou seja, o intérprete e especificamente nesse caso os ministros passaram a ter outros horizontes para além do texto normativo, o que vale dizer, o interesse.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A histórica decisão do STF de reconhecimento como instituto jurídico da união homoafetiva teve evidente elucidação e concretização do que manifesta a Escola de Interpretação das Leis Jurisprudência dos Interesses, pois, a partir desta perspectiva foi possível a inovadora decisão com base em uma interpretação que como defende JHERING o direito não é criado por conceitos, mas por fins ou valores cuja realização se persegue.

Como constatamos no trabalho acima, as relações conjugais e familiares sofreram mutações ao longo do tempo e principalmente nas últimas três décadas onde ficaram evidenciados os principais pilares de sustentação do organismo familiar, que substituíram o patrimônio e patriarcalismo pelo afeto e acompanhamento familiar.

Portanto, a lúcida solução do STF conjugou perfeitamente o que HECK caracterizou como atividade criadora do juiz que aliou os interesses da lei e os interesses em questão com o fim de garantir um direito legítimo que por outras interpretações eminentemente dogmáticas se tornariam impossíveis de efetivação e justiça social.

REFERENCIAL TEÓRICO

 

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

FERREIRA, Jussara Susi Assis Borges Nasser. LIMA, Maria Beatriz Gomes de. História do Pensamento Jurídico: Hermenêutica e Modernidade. Rev. Ciên. Jur. e Soc. da Unipar, v. 10, n. 2, p. 275-290, jul./dez.2007. Disponível em: http://revistas.unipar.br/juridica/article/view/2025/1767. Acesso em 16 de março de 2012.

FILHO, Rogério Machado Mello. A aplicação do Direito sob a Ótica das Escolas de Interpretação das Normas Jurídicas. Artigos, Pareceres, Memoriais e Petições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_50/artigos/art_rogerio.htm. Acesso em 20 de maio de 2012.

HOLANDA, Caroline Sátiro de. A natureza Jurídica da União Homoafetiva. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Caroline%20Satiro%20de%20Holanda.pdf. Acesso em 13 de maio de 2012.

LINS FILHO, José Durval de Lemos. Breve crítica ao paradigma juspositivista de interpretação normativa: a realização da justiça como um dos valores fundantes do Estado Moderno. Argumentum, Recife, V.1,p.219-248,2005.

PEPINO, E.M.L.S.F. GAVIORNO. G.V.S.D.C. FILGUEIRAS. S.V. A Importância  da Jurisprudência dos Conceitos para a metodologia Jurídica. revista_depoimentos_07_revisao.p65 137 8/6/2006. Diaponível em:  http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadepoimentos/n7/6.pdf. Acesso em 07 de março de 2012.

 

ROCHA, Sérgio André. Evolução Histórica da Teoria Hermenêutica: Do formalismo do século XVIII ao Pós- Positivismo. Lex Humana (Petrópolis, nº 1, 2009,p.77).Disponível:http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCUQFjAA&url=http%3A%2F%2Fseer.ucp.br%2Fseer%2Findex.php%2FLexHumana%2Farticle%2Fdownload%2F5%2F4&ei=UcFiT9CyLtKztweLmOn0Bw&usg=AFQjCNFrA_R6Q-niM7f-IdPy4fSRHQ-S9A. Acesso em 10 de março de 2012.