Resumo

Atualmente milhões de pessoas mantêm relação de consumo com instituições financeiras, que por diversas vezes abusam do poder econômico que possuem, em prejuízo do consumidor.

Um dos abusos praticados se refere a múltipla incidência da tarifa que se denomina “adiantamento de depositante”, cujo fato gerador é o excesso de cheque especial.

A questão é polêmica e está atualmente em discussão no poder judiciário do Rio de Janeiro, por força de Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério Público Estadual, que conseguiu liminar que suspende a aplicação da tarifa. 

Abstract 

Today millions of people maintain consumer relationship with financial institutions, who repeatedly abuse of economic power they possess, to the detriment of the consumer.

One of the abuses referred to multiple incidence rate which is called "advance depositor", whose taxable event is the excess overdraft.

The issue is controversial and is currently under discussion in the judiciary of Rio de Janeiro, under the Public Civil Action, sponsored by the State Prosecutor, who got an injunction suspending the application of the tariff. 

Introdução. 1. A tarifa confrontada às normas consumeristas. 2. A questão atualmente no Judiciário. 3. Conclusão. 

Introdução 

No mundo contemporâneo é difícil encontrar pessoas que não possuam uma conta bancária, devido à praticidade e necessidade diante de diversos casos do cotidiano. Ante esta necessidade hodierna, os bancos aproveitam de sua imponência e cometem diversos abusos contra o consumidor.

Segundo relatório analítico do Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas (CNRF) 2010 a área assuntos financeiros respondeu por 26.319 reclamações registradas no SINDEC (Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor) no período de 1º de setembro de 2009 a 31 de agosto de 2010. Esse valor representa 21,46% do total de reclamações registradas pelos Procons que participaram do CNRF 2010[1]­.

Um assunto importante na relação de consumo bancária e que merece análise é a tarifa de denominação “Adiantamento de Depositante”, cujo valor varia de R$ 10,00 a R$ 40,00 e é cobrada pelos bancos na ocasião de estouro de limite de cheque especial.

Os bancos frente à ausência de normas regulamentando a incidência de tais tarifas a utilizam abusivamente, realizando inclusive diversas cobranças sobre o mesmo contrato de cheque especial, causando excessiva onerosidade ao consumidor.

Neste contexto as instituições financeiras estão se tornando cada vez mais grandiosas e lucrativas, deste ponto ascende a necessidade de adequação de seus produtos e serviços aos princípios e normas que regulam as relações de consumo.

1. A tarifa confrontada às normas consumeristas  

Primeiramente, imperativo se faz, ainda que genericamente, a definição de tarifa, que segundo De Plácido e Silva é “toda tabela, ou relação de preços, de direitos, de impostos, ou de taxas, que se deve pagar por alguma coisa”[2]. Assim sendo, tarifa é um valor a ser cobrado diante da ocorrência de determinado fato.

A tarifa como visto, é um valor monetário cobrado, e este valor está vinculado ao acontecimento de um fato, sendo o fato, portanto, um permissivo para cobrança.

Com fato gerador no excesso ou estouro do limite de cheque especial contratado, a tarifa bancária denominada “Adiantamento de Depositante” é uma tarifa comumente cobrada pelas Instituições Financeiras. Trata-se de uma “permissão” oferecida pelas Instituições financeiras para que os clientes excedam o limite do cheque especial, e frente a este episódio, cobram esta denominada tarifa.

A possibilidade de cobrança desta tarifa é amparada pela resolução 3518 do Banco Central do Brasil, que traz no artigo 1º: 

Art.1º   A cobrança de tarifas pela prestação de  serviços por   parte   das  instituições  financeiras  e  demais  instituições autorizadas  a  funcionar pelo Banco Central  do  Brasil  deve  estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente  ou  ter sido  o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado  pelo cliente ou pelo usuário.

 

Em verdade esta tarifa é prevista nos contratos bancários, e ascende sob o argumento de inibir que se exceda o limite de cheque especial. Assim sendo, não há dizer que esta tarifa tenha caráter remuneratório, pois a remuneração é obtida pelas Instituições Financeiras através da prática dos altíssimos juros de cheque especial.

Acontece que, nas Instituições Financeiras é corriqueiro que esta tarifa incida diversas vezes no mesmo contrato de cheque especial, proporcionando às Instituições Financeiras uma enorme renda, e em contrapartida uma onerosidade extremamente excessiva ao consumidor, prática que colide com diversos princípios norteadores do Direito do Consumidor, dos quais dois deles merecem destaque, sejam estes:

Princípio da boa-fé objetiva, segundo este princípio, constante do caput do artigo 4º do CDC, as partes da relação de consumo devem atuar com estrita boa-fé, ou seja, com sinceridade, seriedade, veracidade, lealdade e transparência, sem objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo ao outro[3].

Princípio da equidade ou princípio do equilíbrio contratual absoluto, também previsto no artigo 4º do CDC prevê que deve haver equilíbrio entre direitos e deveres dos contratantes, sempre em busca da justiça contratual, do preço justo. Por isso, são vedadas as cláusulas abusivas, bem como aquelas que proporcionam vantagem exagerada para o fornecedor ou oneram excessivamente o consumidor[4].

Com simples analise a estes princípios já seria possível considerar abusiva a forma como é cobrada as tarifas de “Adiantamento de Depositante”, pois os valores giram entre R$ 10,00 e R$ 40,00 e incidem a cada movimentação negativa excedente do limite de cheque especial, havendo assim, um quadro evidentemente desleal para o consumidor.

Partindo do posto da abusividade, é vedada a cobrança desta tarifa, pois o CDC é claro ao regular sobre o assunto: 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...]V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; [...] 

Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor institui normas imperativas que proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, que vise assegurar vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços e assim alcança a cobrança desta tarifa como abusiva e incompatível com a boa-fé e a eqüidade.[5]

Adiante na análise, como visto, o fato gerador da tarifa é o excesso do valor contratado para cheque especial e não há nenhum permissivo legal ou contratual para múltipla incidência, assim não poderia ser cobrada inúmeras vezes sobre o mesmo contrato, como geralmente é feito. 

2. A questão atualmente no Judiciário 

Ante esta celeuma, visando a proteção ao consumidor, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, propôs Ação Civil Pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, na 7ª Vara Empresarial da comarca do Rio de Janeiro, visando que o Banco do Brasil se abstenha de cobrar tais tarifas e o juiz entendeu ser abusiva a cobrança e deferiu a medida antecipatória.

Inconformado, o Banco do Brasil S/A interpôs o agravo de instrumento nº 0011753-03.2010.8.19.0000 para questionar a decisão interlocutória, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que de forma unânime proferiu o seguinte acórdão:

 

Agravo de Instrumento. Defesa do Consumidor. Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em face do Banco do Brasil para impedir a cobrança da “tarifa de adiantamento ao depositante”. Decisão interlocutória que concedeu a tutela antecipada para suspender sua cobrança. Preenchimento dos requisitos do art. 273 do CPC. Presença da verossimilhança das alegações por prova inequívoca, diante da possível abusividade da cobrança, nos termos do art. 39, V do CPC. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ante à lesão operada em diversas pessoas indistintamente. Redução da multa diária ao patamar de R$ 1.000,00. Manutenção da decisão. Provimento parcial do recurso.

 

Insatisfeito com a decisão o Banco do Brasil S/A opôs embargos declaratórios, alegando omissão no acórdão quanto ao periculum in mora inverso uma vez que a decisão imporia a necessidade de alteração do sistema de informática, o sujeitaria amilhares de ações judiciais e que a tarifa possui o papel de desestimular quese ultrapasse o saldo devedor. Conhecido o embargo declaratório, quanto ao mérito lhe foi negado provimento, conforme relatório: 

É o relatório. Passo a decidir.

Da leitura dos presentes embargos, resta claro a inocorrência das hipóteses capituladas no art. 535 do CPC, tendo em vista que a parte embargante objetiva discutir as questões já decididas.

A questão colocada a debate foi exaustivamente enfrentada, não restando qualquer omissão, uma vez que o órgão julgador, na entrega da prestação jurisdicional, não está obrigado a fazer alusão a todos os argumentos e dispositivos de lei invocados pelas partes, cumprindo-lhe, apenas, enfrentar as questões de fato e de direito realmente de interesse para julgamento (STJ, 1ª Turma, A.I. 169.073-SP, Ag. RG., Min. José Delgado, DJU 17.08.98).

Ressalte-se que a eventual necessidade de alteração do sistema de informática e a possibilidade de propositura de demandas em seu desfavor não afastam os requisitos para a concessão da tutela antecipada (art. 273 do CPC), os quais se encontram presentes no presente caso.

Do exposto, voto no sentido de conhecer dos embargos declaratórios, eis que tempestivos, e no mérito, negar-lhes provimento.

Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2010.

MÔNICA TOLLEDO DE OLIVEIRA

DESEMBARGADORA 

A questão chegou à mais alta corte em questão infraconstitucional o Superior Tribunal de Justiça, via Recurso Especial, com base no artigo 105, inciso III, alínea “a”, sob a argumento de que o acórdão não estaria amparado pelos artigos 273 do Código de Processo Civil e 84 § 3º do Código de Defesa do Consumidor, que tratam da antecipação de tutela.

Por fim decidiu o STJ em não admitir o Recurso Especial, e com isso manteve a decisão liminar proferida pelo juiz de primeiro grau.

3. Conclusão 

As normas consumeristas buscam a equidade das relações entre fornecedor e consumidor, de maneira que o consumidor não seja lesado, ou onerado excessivamente. Com base nesta lógica, conclui-se que a cobrança é evidentemente abusiva, pois gera prejuízos e transtornos para o consumidor, que já paga juros que giram em torno de 180% ao ano, para utilização do limite de cheque especial[6].

Não obstante a cobrança de valores que chegam à R$ 40,00 a título de “adiantamento de depositante”, e que incide ainda que o valor excedente seja ínfimo, atenua-se a isto, o fato de ser cobrada diversas vezes no mesmo contrato, mesmo sem respaldo de regulamentação permissiva.

Assim, por tratar-se de valores relativamente pequenos para discussão judicial, as Instituições Financeiras abusam dos consumidores, que ficam à mercê destas cobranças que exorbitam o aceitável.

Há que louvar, porém, a atuação do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, que agindo como a respeitável instituição que é, ajuizou Ação Civil Pública, visando dar um basta no abuso praticado.

Com isso espera-se que a decisão liminar seja convertida em definitiva, e que em um futuro próximo esta cobrança seja abolida definitivamente da realidade brasileira, pois é completamente abusiva e incompatível com o atual Código de Defesa do Consumidor. 



[1] BRASIL. Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas 2010: Relatório Analítico / Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC). – Brasília : DPDC, 2011. p. 76.
[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico conciso. 1ª ed. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2008.
[3] ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p 46.
[4] ALMEIDA, João Batista. Idem. p. 46.
[5] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 282/283.
[6] Taxas de juros das operações ativas. Disponível em <http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES>