21 HORAS

 

Você, com certeza, já viu títulos como o que denomina este texto. Lembro-me de alguns filmes antigos: “24 horas de le mans”, “48 horas”; tem a série “24 horas”; alguns títulos ultrapassam as horas: “9 1/2 semanas de amor”...

Aqui, as 21 horas não são retiradas da ficção (quisera fosse) mas, pelo contrário, retrata uma situação vivida por um amigo meu. Além de ser um drama que se repete diariamente, semanalmente, anualmente, governo após governo... pelos hospitais públicos deste Brasilsão “abençoado por Deus e bonito por natureza” como diz a música – mas o drama não foi bonito... justamente porque se trata de um drama, foi trágico, felizmente não fatal... pelo menos para meu amigo, embora para muita gente ele termine no cemitério, visto que...

Mas vamos ao caso.

Era feriado e meu amigo foi trabalhar no sítio... e se acidentou. Era coisa grave, pois o homem até chegou a desmaiar e mal conseguia respirar. Imediatamente foi levado para o hospital, em busca de socorro médico.

Sabendo que o atendimento no hospital particular é uma lástima, mesmo durante a semana, e por não pagar os extorsivos planos de saúde, foi levado para o hospital municipal. Pelo menos no pronto socorro o atendimento de emergência é feito quase que imediatamente, com a demora apenas da fila das emergências, que naquela manhã de feriado ainda eram poucas. Só duas pessoas estavam sendo atendidas; meu amigo foi o terceiro a entrar na pequena sala de atendimento emergencial. Eram quase 10 horas

As perguntas de sempre e a explicação: uma queda e suspeita de fratura.  Encaminhamento de médico de plantão: “a máquina de Raio X do hospital está quebrada. Vai ficar internado até amanhã quando será encaminhado a uma das cidades vizinhas para fazer o Raio X para sabermos se houve fratura ou algo mais grave.” O médico em questão não se levantou de onde estava sentado! Chamou os enfermeiros e confabulou. “O senhor tem condições de fazer uma tomografia?”. E explicou “condições financeiras”. E continuou a dar explicações: “O médico disse que é melhor fazer uma tomografia, para se ter certeza de qual é a real extensão e gravidade do acidente” Mas tinha que ser numa empresa particular.

A conversa se alongou e meu amigo foi internado, sem ir para a tal tomografia. Já no meio da tarde a acompanhante do meu amigo procurou os atendentes para saber das providencias, pois ele continuava sentindo dores e sem almoço. “Dieta zero”, explicaram; e as providências seriam encaminhadas no dia seguinte. A não ser que fizesse um Raio X, numa empresa particular. E isso se fez, com pagamento à vista. Mas o laudo só no dia seguinte.

Terminou a tarde, veio a noite e meu amigo ainda sem ser alimentado e sem medicação. Apenas pendurado numa haste tomando água ela veia, comentava ironicamente, meu amigo, referindo-se ao soro. Bem depois das vinte horas, após a troca de turno das enfermeiras, apareceu uma jovem senhora, simpática e sorridente. “Como está se se sentindo?” perguntou. “Com fome e com dores” respondeu. E explicou sua situação. A simpática atendente procurou o médico de plantão. Mas as emergências não paravam de chegar. Já era perto da meia noite quando ela apareceu, novamente para conversar com meu amigo. “O medico de plantão autorizou a suspensão do jejum.” E voltou, em seguida, com algumas bolachas e um copo de café com leite. “A cozinha está fechada. Mas consegui isto”.

Entretanto ainda não chegara a medicação. Até que, por volta das duas horas da manhã, depois de voltar do banheiro, pela sétima vez, meu amigo, acabou desmaiando antes de voltar para a cama.  Após ser reconduzido ao leito pelos acompanhantes de outros pacientes apareceram duas enfermeiras. “O que o senhor está sentindo?”. “Muita dor”, respondeu meu amigo. Só então providenciaram um analgésico.

Amanheceu e por volta das sete horas, meu amigo recebeu alta do hospital. A recomendação do médico, após uma rápida olhada nas imagens do Raio X: “muito repouso” e um atestado para não ir trabalhar. E explicou didaticamente: “O tratamento para fratura na costela, tanto aqui como nos Estados Unidos é repouso. E repouso você pode fazer em casa”.

E assim foi o tratamento para a fratura do meu amigo: vinte e uma horas de internação; cerca de cinco litros de água na veia; uma dose de analgésico; meia dúzia bolachas e um copo de leite com café e a recomendação: “faça repouso e se sentir algo diferente pode voltar”!!!

Isso e coisas piores, ocorrem todos os dias nos hospitais públicos mantidos com dinheiro de nossos impostos.

E o interessante é que estão chegando as eleições. E eles virão pedir nossos votos. Ocorre que eleição após eleição os candidatos pedem nossos votos jurando que resolverão as mazelas da saúde pública...

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, Filósofo, Teólogo, Historiador

Rolim de Moura - RO