Liberdade!

Mais de trinta dias fora da rede, sem historias, sem piadas e desinformações.

Acreditem ou não, mas nem sinto falta daquelas fotos da Cleide tiradas na frente do espelho; ou aquelas de peitos apertados pelos próprios braços nas fotos da Susi; na boca de pato nas imagens que Malu postava antes de dormir quando se sentia bonita, estava com tedio, sem sono ou simplesmente sem coisa melhor para fazer. Nem sinto falta daquela enxurrada de fotos que Mariana postava sobre sua filha bebê comendo a primeira papinha - com aqueles babadores que dizem:

Sou da mamãe” ou “Sou do Corinthians”... 

As mensagens de “luz” de Maria, tratando todos seus amigos da rede por anjo e suas amigas por flor também não deixaram nada...  Nem senti falta da agressividade nos posts sobre política que Gustavo escrevia como se fosse um cientista na área: o único capaz de reconhecer e apontar os erros no atual cenário. Tampouco sinto falta das fotos de carros importados que o Gui adorava postar, ou menos ainda, das mulheres peladas e tatuadas do Renato. 

Acreditem ou não, mas não tenho saudades das indiretas da Irene – aquelas minadas de supostas certezas de que ela é uma mulher correta, honesta, coerente e sadia, enquanto o “indiretado” não presta para nada, é malvado, não tem coração... A Irene também era a mulher que usava palavras difíceis em suas indiretas com a intenção de doutrinar o público (seus amigos virtuais), explicando o significado de algumas palavras entre parênteses, sempre lúdica e informativa, focada na missão de deixar os burros menos burros. Que inteligente era com todas aquelas palavras de dicionário e mesóclises que inventava... (A culpa da mesóclise mal empregada não era dela, afinal, quem de nós, para escrever bonito, não as coloca em lugares errados apenas para soar mais imponente? Se está certo ou errado é outra historia...).

Talvez sinta falta da Edileia que quebrava o maior pau quando um ateu infeliz discordava de seus posts de adoração a Deus. Por falar no filho de Deus, lembrei-me do Ronaldo, que mantinha firme sua missão de converter, evangelizar, e doutrinar seus amigos via on-line. 

Quantos posts de rezas, provérbios, mensagens de luz, discussões religiosas, xingamentos de política, indiretas de Cleide para Mileide, poesias, fotos de bebês babando, de cachorros cagando, frases de Gina, piadas de Charlie Sheen... devo ter perdido desde que exclui meu perfil no FB? Às vezes penso nisso com nostalgia... Dói-me o coração! Que maravilhoso era ver aquela gente (mais de quatro mil amigos que tinha por lá) compartilhando cada minuto de felicidade, cada momento de fome, quando comiam, ou o que comiam, quando acordavam..., em momentos que até então (antes do advento FB) eram íntimos, secretos, resguardados na privacidade.

Sim, era realmente delirante toda essa interação, mas ainda não sinto saudades da atmosfera intelectual e informativa do FB; tampouco sinto culpa de poder ler um livro no lugar de ficar com a carota enfiada na rede, lendo a opinião de Berenice sobre a falsidade de seus amigos, marcando encontros futuros (ou discorrendo sobre passados) em rede pública nacional. Oh, Berenice estará na festa de sábado promovida pelo Galpão Crioulo, “arrasando quarteirões”! Tá, bom! Ok... Mas... E EU COM ISSO?

Chamou-me a atenção que depois de anos como usuários da rede, as pessoas ainda não aprenderam para que serve a mensagem privada, ou vai ver é essa necessidade de mostrar ao mundo que suas vidas sociais fora da rede existem e são extremamente movimentadas, que não as deixam serem discretas e comportadas.

Falando em falta de discrição, o FB, percebendo essa necessidade das pessoas em mostrarem ao mundo onde estão, o que gostam e desgostam, fazem e o que comem, passou a revelar ao outro quando a mensagem recebida por ele foi visualizada, quando estamos on-line ou não, quantas horas estamos ativos, desde quando não estamos... Gentem, para tudo!! Se não bastasse o FB ter focado todas as pontes de comunicação em uma só, agora ainda podemos fazer ligações de grátizzzz! – E por isso ficamos abobalhados, alienados, bitolas da cabeça - Não é meio assustador isso? Sei lá... 

Bem, por isso Mariana me cobrava com uma faca no pescoço três segundos depois de ter me conectado: “Responde! Eu sei que você está aííí!!” (olha o que o Fb faz: Transforma cidadãos comuns em verdadeiros Sherlock Holmes no aporrinhamento rastreamento de outras pessoas!).

Desde o surgimento dos celulares inteligentes, as pessoas caminham olhando para baixo, metidas em seus aparelhos, trocando o momento real pelo virtual, uma coversa por um comentário, uma imagem real por uma foto, por mais uma postagem; esperando serem curtidas, curtindo qualquer coisa que não interessa para, em troca, receberem um like a mais em suas próprias publicações, em troca de mais um seguidor que o compartilhe, sem tempo de ler um livro, um jornal; de visitar alguém ou fazer uma ligação cordial... Cartas? Foi-se o tempo desse método tão antiquado! Deus me livre e guarde se tiver que comprar um selo!

Os mais adeptos e fãs incondicionais de redes virtuais vão me xingar, dizer que sou véia coroca, que vaze se não estiver satisfeita, que no século XXI é extremamente necessário ter um perfil no FB para sobreviver na selva (se um dia estiver perdida e precisar de resgate). Outros afirmarão que o FB é uma via para as pessoas demonstrarem suas felicidades através de fotos e fatos, e que tudo isso NÃO é desespero, solidão, carência... Não senhor!

Se alguém que nunca soube se expressar com palavras faladas, com gestos de carinho, que não conseguiu conquistar seu amor com um olhar; que nunca soube fazer amizades duradouras no decorrer da vida, que não conseguiu ser feliz antes, durante o real, por que raios conseguiria agora, no virtual? Claro, eu sei por que: qualquer coisa é só teclar na tela excluir! Exclui-se o que foi dito, o que foi respondido, a foto que não agradou... Exclui-se o próprio amigo e a família dele inteira se ele não dançar no ritmo da música que tocamos! Troca-se a foto feia do perfil dos tempos em que o cabelo era pixaim e bóra para outra; vida nova, foto nova, atualizações novas e novas informações de perfil! Ficamos novinhos em folha!

Quanto mais penso na utilidade do FB, MAIS ele me parece inútil. Ou será apenas uma estúpida e impensada impressão? 

Tem gente que se força a participar da rede por acreditar que é a melhor forma de divulgar seus trabalhos e tem gente que é forçada a participar para receber informações de seu grupo no colégio, na Universidade, da cidade onde morava... 

Eu nem sei se me oponho mais ao FB ou contra seus usuários, pois se de um lado um ganha muitooooo dinheiro, o outro perde muitoooo tempo e inspiração. Uma rede que permite imagens de decapitação, de pessoas e animais mortos, de pedofilia e pornografia (claro, essas devidamente camufladas), que divulga suas informações pessoais a terceiros transformando-as em ferramentas publicitarias, que o atola de spans, convites de joguinhos e mensagens coletivas; de provocações e mensagens de autoajuda, que forma a sua opinião e a opinião do seu filho com as opiniões mais idiotas do mundo! Uma rede que facilita a infidelidade, que põe em risco as relações, que provoca a desconfiança entre casais, que estimula o assanhamento do seu marido a ficar colado na rede vendo fotos de mulheres muito mais gostosas do que você, que proporciona a falta de controle de pais sobre seus filhos menores.

Se uma empresa farejou como ganhar dinheiro fácil e ficou milionária com o tempo que você disponibiliza nela postando sua vida (ou a vida que você gostaria que acreditassem que você tem), e você acredita que fazer parte disso continua sendo muito legal, e você ainda veste a camisa com aquela frase que anuncia indiretamente que o FB lhe faz um favor ao não lhe cobrar: “FB é de graça e sempre será”, meu amigo... Vá em frente e seja feliz! 

Nenhum dos meus quatro mil amigos que tinha na rede se disponibilizou em me emprestar dinheiro quando minha conta no banco estourou. Nenhum deles veio me visitar quando saí do hospital depois de operar o braço quebrado, nenhum deles abriu uma champanhe comigo quando comemorei algo importante, nenhum deles me emprestou um lenço quando ameacei chorar. Desses quatro mil “amigos”, nunca vi nem a sombra do ombro deles... 

Chame-os do que quiser, mas “Amigo”? Só se for da onça! Não quero nem de graça! Mas mesmo assim... Muito obrigada pela oferta e experimento, Zuckerberg! Foi bom enquanto durou!

Auf wiedersehen.