1.1 Das medidas cautelares em geral 

Diversos autores referenciam que as medidas cautelares têm sua procedência no Direito Romano como bem enfatiza Oliveira (2003, p. 1) que: 

O Direito Romano foi o berço do que hoje se entende como medidas cautelares.As medidas que existiam naquele período, embora não sendo isoladas de um método inteiramente cautelar, buscavam proteger os direitos substanciais. Dos vários institutos que no Direito Romano funcionavam de forma acautelatória, há de se destacar: o nexum, a cautio damini infecti, e a missio in possessionem.O nexum surge na Lei das XII Tábuas, e tem como escopo garantir a remuneração recíproca de dinheiro. Incidia em um dever adquirido em benefício do qual, o merecedor insolvente continuava a ser provisoriamente a serviço do merecido até eliminar seu compromisso, ou lhe oferecia recursos como garantia.Ficando esclarecido, que o nexum não se confundia com a escravidão. A cautio damini infecti (caução de dano temido) era uma medida em que o pretor determinava uma caução para garantia do requerente. Caso a caução não se efetivasse, era deliberada a detenção de bens do merecedor para a excussão dos seus deveres. Por fim, a missio in possessionem (entrada na posse) era uma medida de finalidade prudente na qual o pretor decretava a apreensão dos objetos do litígio a um dos litigantes ou a um curador. E ainda a respeito da origem histórica das cautelares, é necessário enfatizar o instituto do apud sequestrem, como aquele que deu origem ao atual sequestro. A medida consistia em se entregar colocar aos cuidados de um terceiro, o denominado sequestrer, um benefício com o fim de que este fosse conservado e depois devolvido ao vencedor demanda, evitando-se deste modo, que os recursos permanecessem em poder de um dos litigantes, facultando a este consentirem que os bens sejam inutilizáveis.

 

Compreende-se, que as citadas regras contidas no Direito Romano tinham como objetivo assegurar o futuro cumprimento de obrigações e ressarcimento de danos, utilizando para tanto as normas outorgadas pelo ius civile, as quais tinham sua aplicabilidade garantida através da atuação dos pretores.

Historicamente, essas práticas, aos poucos se aperfeiçoaram e atualmente são ferramentas de grande valia no universo jurídico, devido aos seus princípios, normas e métodos adequados aos tempos modernos. Acredita-se, que na contemporaneidade as normas atualizadas, que tem como designo as medidas cautelares na ação penal, podem ser classificadas em três categorias, conforme as observações de Leal (2000 apud FREITAS 2008, p. 86):

 

a)medidas cautelares pessoais: são relacionadas com o suspeito/acusado, dizem respeito às prisões cautelares e a liberdade provisória; b)medidas cautelares de natureza civil (ao mesmo tempo denominadas de reais): são as que têm relação com a indenização do dano, podendo citar como exemplo a busca e apreensão de bens e valores; c)medidas cautelares relativas à prova: com efeitos penais e cíveis, dizem respeito a garantia do instituto jurídico a partir dos elementos sensoriais (princípio da indiciariedade) integrativos da realidade mostrada no ambiente, mediante a formação da idéia jurídica (início da ideação) para elaboração do instrumento (princípio da formalização) de sua expressão formal, ou seja, a formalização legal da realidade pensada.

 

Como a pretensão deste trabalho não é verificar sistematicamente todas as medidas cautelares criminais, mas sim uma apreciação explicita das alterações efetivadas nas medidas cautelares pessoais descarcerizadoras em razão das medidas cautelares pessoais carcerizadoras, limitar-se-á a destacar as bases da classificação doutrinária a respeito do tema, consubstanciando nos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito.

 

1.2 Das medidas cautelares carcerizadoras

 

A prisão pode ter o caráter de pena ou de medida cautelar, será em regra cautelar quando no decorrer do inquérito policial ou processo penal, com o desígnio de tornar seguro o exercício da futura decisão penal condenatória. Para compreender melhor essa prática Beccaria (2006, p.6) afirma que:

 

A prisão constitui somente uma maneira de deter o cidadão até que ele seja considerado culpado, como tal processo é angustioso e cruel, dependendo das circunstancias, diminuir a austeridade e a demora [...]. O réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessária para impossibilitá-lo de evadir ou de ocultar as verdades do delito.

 

Nessa perspectiva, entende-se que a prisão cautelar tem como meta a garantia de que o indiciado permaneça seguro, longe das interferências do cárcere , enquanto as autoridades judiciais averiguam todo processo criminatório no qual se poderá decretar ao final se o indivíduo é culpado ou não.Todavia, além do seu caráter sancionatório, podendo ser exercida depois da persecução penal,  conforme as normas do processo judiciário. Assim, verifica-se que a prisão é uma forma de punição, após o devido processo legal e, consequentemente, após a condenação do individuo, sempre observando seus direitos e garantias.

No Brasil, durante a colonização existiam as denominadas Ordenações Afonsinas, seguindo-se as Manuelinas em 1514 e por fim as Filipinas de 1603, ordenações essas procedentes de Portugal, onde a prisão era aplicada como medida cautelar e nunca como uma pena independente, tendo por base o regulamento prisional e a intimidação a liberdade.

Com a Proclamação da Independência em 1822, foram revogadas as ordenações Filipinas. Nesse momento alguns juristas brasileiros, inspirados pela filosofia iluminista e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, começaram a agregar os princípios da igualdade de todos os homens perante a lei, bem como a personificação da pena e utilidade pública da lei penal.

Tratando da evolução legislativa do Processo Penal Brasileiro, Wunderlich (2006, p. 3), afirma que:

 

No Brasil, a prisão preventiva surgiu, legalmente, apenas em 1822, com a proclamação da Independência. A Constituição Imperial de 1824, em seu art. 179 § 8°, admitiu a custódia preventiva, nos casos declarados em lei, mediante ordem escrita do juiz. O Código de Processo Criminal do Império, de 1832, posterga ao mesmo tempo a prisão sem culpa formada para os crimes inafiançáveis, por ordem escrita da autoridade legítima, até que o Código de Processo Penal – CPP de 03 de outubro de 1941, respaldado no Código de Processo Penal italiano de 1930, veio sistematizar, com rigor dogmático, a prisão preventiva no processo penal brasileiro.

        

Sobre o Código de Processo penal em vigor, vale salientar que o mesmo foi elaborado no regime autoritarista do chamado Estado Novo de Getúlio Vargas, onde a administração da justiça não poderia em nenhum instante ser ameaçada por meros escrúpulos formalísticos, entretanto uma grande novidade criada pela Era Vargas foi a instituição da prisão preventiva obrigatória, onde se dispensava qualquer outro requisito, bastando apenas à prova indiciária  contra o acusado.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil se tornou um Estado democrático de direito e deu-se início a inúmeras mudanças no panorama jurídico-social, não sendo diferente no âmbito do processo penal, já que segundo a nova ordem constitucional a liberdade passou a ser a regra e a prisão a exceção. Tal conclusão pode ser extraída do texto constitucional quando afirma que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e ainda que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, 1988, art. 5º, inciso LIV). Assim, a prisão cautelar não se confunde com a prisão determinada com o julgamento do processo, a prisão cautelar tem caráter assecuratório estritamente instrumentalista, já a prisão penal tem finalidade retributiva e preventiva.

 

1.3 Das medidas cautelares descarcerizadoras

 

O propósito essencial da prisão consiste em prevenir e reprimir a criminalidade, por meio da aplicação de penas que promovam a ressocialização dos condenados. É o que brilhantemente prescreve Apolinário (2007, p. 2) ao dizer:

 

O objetivo da prisão consistia, inicialmente, em desenvolver um sistema baseado no confinamento solitário, na instrução religiosa e na disciplina laboral. A “arquitetura moral” da prisão teria que expressar e incorporar estas finalidades e ao mesmo tempo melhorar a ordem, a saúde e as condições funcionais atingindo o objetivo primordial da pena que é a inserção na sociedade de prisioneiros incorrigíveis em cidadãos exemplares.

 

Contudo, pesquisando as teorias dos mestres das ciências criminais verifica-se que as medidas privativas de liberdade tradicionalmente adotadas no decorre dos tempos passaram a não cumprem a sua finalidade, é o que relata Apolinário (2007, p. 4) quando enfatiza que:

 

As penas privativas de liberdade não intimidam aqueles que cometem crimes, não reabilitam os sentenciados porque suas características mais agudas impedem qualquer tratamento eficaz; ademais, são geralmente corruptoras com a convivência com outros criminosos mais perigosos inserido assim amoral do ambiente delituoso e lhe serve, inclusive, de ensinamentos de novos métodos criminosos [...] a respeito da situação das casas penitenciária os estudiosos afirmam que o condenado tem muito mais possibilidade de aprimorar a prática delitiva tendo em vista as condições desumanas da realidade carcerária do Brasil fazendo com que não se concretize a reeducação que harmonizará com a vida social, pelo ambiente de promiscuidade e contato com infratores experientes em que passa a viver.

 

Vislumbrando a falibilidade do modelo adotado é indispensável fazer referência ao pensamento de Ferrajoli (2002, p. 310), quando assegura que:

 

A história das penas é, sem dúvida, mas horrenda e infamante para a humanidade do que a própria trajetória dos delitos: por ser mais bárbaras e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas porque, o delito as vezes é uma violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, organizada por muitos contra um.

 

Diante da ineficiência da excessiva aplicação da pena de prisão nas décadas de 1980 e 1990 teóricos que defendiam um menor rigor nas punições, defensores da teoria denominada direito penal mínimo, conquistaram aliados nos movimentos políticos jurídicos para a efetivação de penas alternativas ao cárcere.

Um dos principais avanços na modificação do sistema penal ocorreu em 1990 na Assembléia Geral da ONU, que ratificou as Regras Mínimas das Nações Unidas de medidas não privativas de liberdade, na ocasião denominada como Regras de Tóquio, alicerçadas no parecer organizado pelo Instituto das Nações Unidas para a precaução do delito e o cuidado do delinquente.

Com relação às referidas Regras das Nações Unidas acerca das Medidas Privativas de liberdade, Apolinário (2007, p. 11) assevera que:

 

Esse instrumento internacional se resume em parte do Direito Constitucional e de imediato, tornando-se um parâmetro de constitucionalidade de nossas normas jurídicas e atuações públicas. Para definir o grau de execução da legislação federal, segundo essas regras, são necessárias, conhecer os princípios de ditas disposições normativas que se esboçam como o mínimo aceitável na regulação nacional de cada Estado. Inspiradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Regras de Tóquio “intima” aos Estados Membros das Nações Unidas a implementarem medidas e penas alternativas em seus próprios sistemas penais, sujeito a determinadas consequências.       

Influenciadas pelos recentes posicionamentos defendidos pelas nações unidas, vários países constataram que era imperativo amoldar-se aos novos regimes, assim buscaram substituir, ou mesmo induzir, o emprego da prisão cautelar, como medida a ser adotada antes do trânsito em julgado, com a finalidade nítida de assegurar a percussão criminal. 

No Brasil somente na fase de transição da ditadura para a democracia política, aproximadamente no final dos anos 80 é que houve uma intensa reflexão sobre o modelo legislativo adotado para as prisões, já que diante da tendência mundial, sentia-se a necessidade de adequar as penas a realidade social, sendo a reforma penal brasileira de 1984 o marco do surgimento das penas alternativas.

 Quem segue um pensamento direcionado a tal argumentação é Apolinário      ( 2007, p. 14) ao enfatizar que:  

O sistema de medidas punitivas ao fato ilícito foi o principal objeto da Reforma, que modificou o Código Penal de 1940, precisamente em sua parte geral. A extensão dessa Reforma, que sustenta a prisão tendo como referência o sistema penal, foi o fim  do sistema binário e a implantação do sistema vicariante: punição ou medida de segurança. Além disso, foram inseridas penas limitativas de direitos como substitutivos da pena de prisão, com duração idêntica a da sanção substitutiva e decomposta em prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, seguindo de orientação de tudo aquilo de batido antes: consequência prejudicial dos estabelecimentos prisionais que teriam que alcançar novos mecanismos que se alternativos com à prisão, restrita aos casos de reconhecida necessidade. 

 A participação do Brasil no 9º Congresso da ONU, em 1995, foi um importante passo para a edição das Leis 9.099/1995 e 9.714/1998, pois foi neste período que a comissão que representava a nação se prontificou a estudar a possibilidade de ampliar as sanções alternativas no ordenamento jurídico. Assim, relata Apolinário (2007, p. 14) que: 

A Lei 9.099/95, que produziu o que muitos consideram uma revolução no sistema de justiça criminal, popularizou as respostas penais alternativas para o cárcere que até então, não representava lucratividade suficiente e credibilidade pelos operadores do sistema de justiça criminal. A partir da Lei 9.714/98, as sanções limitativas de direito passaram a ter caráter de penas independente e substitutiva das sanções privativas de liberdade, pelo mesmo período destas últimas, e não validas para a maledicência penal nos acontecimento de retorno a pena de prisão por seu descumprimento injustificado. 

Em que pese à evolução no campo das medidas alternativas ao cárcere introduzida pela lei nº. 9.099/1995 a criminalidade, típica de países em desenvolvimento como o Brasil aumentava paulatinamente, o que fez surgir na sociedade à sensação de impunidade, sendo a nova legislação apontada como principal culpada pelo desencadeamento desta situação.

O crescimento da criminalidade, principalmente no âmbito das relações domésticas e a falibilidade do sistema implementado pelos juizados especiais, onde penas alternativas como pagamento de cesta básica eram aplicadas a crimes como lesão corporal, fez desacelerar a mínima intervenção penal adotada pelo Estado, fazendo surgir a Lei 11.340/2006denominada “Lei Maria da Penha”.

Tal lei, apesar de estabelecer diversas medidas protetivas de urgência destinadas ao agressor, em seu art. 17 proibiu a aplicação de penas de cesta básica, prestação pecuniária e pagamento isolado de multa, adotando sistemática mais gravosa como forma de desestimular o aumento da violência.

Destarte, apesar das citadas mudanças o que se percebe é que o sistema processual penal brasileiro se encontra deficitário, não apenas em relação à legislação processual de outros países, a exemplo de Portugal, Espanha, mas o sistema está em déficits com a própria Constituição Federal Brasileira de 1988, já que o Judiciário não dispunha de medidas capazes de cumprir os objetivos das penas, que só serão atingidos através de uma grande evolução em diversos ramos da sociedade.