O artigo está fundamentado na Política Nacional de Educação Permanente para os trabalhadores do Sistema Único de Saúde e na Política de Humanização em Saúde do Ministério da Saúde e visa à criação de espaços educativos que permitam a reflexão dialógica sobre os processos de trabalho dos profissionais de saúde. Nessa perspectiva, as mudanças na organização e no exercício da atenção são construídas no cotidiano do trabalho de maneira articulada entre gestão, atenção à saúde, ensino e pesquisa, buscando a superação das concepções tradicionais e o fortalecimento de uma nova visão de educação em saúde. Unitermos: Educação Permanente, processos de trabalho.

Nos últimos anos, o sistema de saúde brasileiro tem passado por intensas transformações, instituídas legalmente pela Constituição Brasileira de 1988 e pela implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990. Nesse contexto, a construção  de novas práticas de saúde tem se configurado como um desafio, dadas as dificuldades de superação de um modelo biologicista e mecanicista para outro mais amplo, voltado à integralidade, humanização e inclusão da participação dos trabalhadores em saúde e usuários.A compreensão da saúde como qualidade de vida e condição para a cidadania é central nesse processo de mudança de paradigma, que se espera seja traduzido em transformação social. A garantia de acesso a serviços de saúde resolutivos e de qualidade é parte essencial desse processo, devendo assegurar plena atenção às necessidades da população. A implementação integral dessas mudanças requer a integração entre os serviços de saúde, instituições formadoras, trabalhadores que atuam no sistema e usuários, para o estabelecimento de novos pactos de convivência e prática. Tais ações precisam investir na aproximação dos serviços de saúde aos princípios do SUS, dentre os quais o da integralidade, universalidade, eqüidade e qualidade em saúde.A educação é um dos caminhos para a efetivação dessas mudanças. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde (MS), com o objetivo de articular a educação com o mundo do trabalho de forma descentralizada, ascendente e transdisciplinar, instituiu, através da Portaria nº 198/MS, de 13/02/2004, a Política Nacional de Educação Permanente para o SUS. Essa proposta de educação investe na promoção de mudanças nos processos formativos, nas práticas pedagógicas de saúde e gerenciais, propiciando uma integração entre os diversos segmentos dos serviços de saúde (1).Um dos desafios para se construir um novo modelo assistencial, que garanta a integralidade da atenção à saúde, é superar o modelo baseado no atendimento médico individual, curativo e medicalizante, e construir um modelo centrado, que incorpore a compreensão dos aspectos sociais, familiares, biológicos e psicológicos do processo saúde-doença, oferecendo atenção individual e coletiva para a população usuária do SUS.Constata-se neste cenário, complexidade do processo de trabalho de produção e este exige dos atores envolvidos, conhecimento técnico-cientifico, visão ético-política, além da capacidade de compreender a problemática da saúde em sua macro estrutura social, atuando também, como agente de transformação."A introdução da Educação Permanente em Saúde seria estratégia fundamental para a recomposição das práticas de formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor da saúde, estabelecendo ações intersetoriais oficiais e regulares com o setor da educação, submetendo os processos de mudança na graduação, nas residências, na pós-graduação e na educação técnica à ampla permeabilidade das necessidades/direitos de saúde da população e da universalização e eqüidade das ações e dos serviços de saúde".(2). Ao pensar os problemas educativos ligados à reflexão sobre as questões do trabalho, a educação permanente circunscreve um espaço próprio que a diferencia de outras intervenções educativas, salientando como concepções distintas do trabalho em saúde se correlacionam com a forma com que se concebe a educação para este trabalho.Acompanha, assim, o processo de deslocamento progressivo do exercício liberal autônomo, individual e independente para formas de organização do trabalho assalariado em equipe, organizações e redes, formas essas que não podem deixar de trazer repercussões sobre asa maneiras como as pessoas se preparam para o trabalho e na normatização das tarefas para novas modalidades de trabalho cooperativo que conformam unidades de atenção mais horizontalizadas requereriam, também, o deslocamento dos interesses pessoais (demandas de atualização para a competência individual) para os da instituição e equipe (demandas do processo de trabalho) na organização das práticas educativas.Ao falarmos de educação permanente como um processo educacional que atende o processo de trabalho em saúde como eixo definidor e configurador de demandas educacionais, duas questões se sobressaem como elementos importantes na perspectiva de entender os limites, as possibilidades e as dificuldades deste processo: a organização do mundo do trabalho e as representações sociais sobre este trabalho.Em relação ao mundo do trabalho, Paim (1992) nos aponta o começo do caminho a ser percorrido, ao afirmar que a crescente complexificação das práticas que organizam o trabalho em saúde com a incorporação de novas tecnologias em ritmo acelerado, vem estabelecendo padrões mutáveis nesse campo, envelhecendo rapidamente os cenários estabelecidos para sua realização.Por outro lado, falamos de relações de trabalho enquanto relações sociais, que envolvem diferentes atores, com diferentes intencionalidades. Falamos, portanto de um trabalho imerso em conflitos. Isto implica imaginar que os profissionais de saúde têm diferentes visões sobre o mundo e o trabalho e que as práticas que desenvolvem são correntes com essas visões. Transforma-las requer, portanto, a abertura de espaços para reconhecimento dessas diferenças e em que medida elas obstaculizam a concretização das mudanças desejadas. Sem essa compreensão, corremos o risco de assumir uma proposta teórico-metodológica vinculada à educação permanente, mas que, na prática, apenas renova os processos relacionados à educação continuada, que subestimam a dimensão da subjetividade e do conflito de interesses.Ao considerar o trabalho para além de sua dimensão instrumental e técnica, a EPS se vê operando no contexto dos modelos organizacionais e das formas de relação dos serviços com a sociedade. Não há, assim, neutralidade e externalidade possível às práticas educativas nos serviços de saúde. Nesse sentido, Rovere (1994) trabalha com a hipótese de que as diferentes concepções que tiveram êxito em estruturar a cultura dos serviços de saúde trazem implícitas concepções do trabalho, do trabalhador, das relações de poder, da participação, da natureza dos contratos de trabalho formais e informais, que pré- determinam os espaços permitidos, os estilos educacionais, os conteúdos e as características das demandas que especificamente podem ser feitas à Educação Permanente em Saúde. Como coloca o mesmo autor, se entendemos os processos educativos como intervenções capazes de mobilizar, circular, produzir e transferir conhecimentos, tecnologias, valores , sentimentos se compreendemos que tais intervenções se dão em instituições que operam sobre uma rede de relações de poder formal e informal estruturadas numa dada cultura organizacional; se consideramos a EPS como intervenção que desloca saberes, que acumula ou desacumula conhecimentos em um ou outro grupo da organização e, portanto, mobiliza poder, podemos situá-la como atividade técnica e política, em sua dimensão estratégica. Conclui: se concebemos a Educação Permanente em Saúde como ferramenta, deve estar inserida numa proposta de transformação que uma força social concreta leva adiante, com um adequado cálculo de suas possibilidades e do campo de forças na qual essa intervenção se insere. É necessário, portanto, que haja coerência entre o projeto institucional e a proposta educativa em suas dimensões política, técnica e metodológica. A Educação Permanente em Saúde não é, assim, uma tarefa exclusiva de educadores, mas responsabilidades das instâncias de saúde.

REFERÊNCIAS:

1. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação emSaúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a Educação Permanente em Saúde –pólos de Educação Permanente em Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.

2- CECCIM ,Ricardo BurgInterface - Comunicação, Saúde, Educação

-EducaçãoPermanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário.

PAIM, J.S.; Nunes, T.C.M Contribuições para um Programa de Educação Continuada em Saúde Pública. Cadernos de Saúde Pública,Rj. Julho/Setembro,1992.

ROVERE,M.R. Gestion estratégica de la Educacion Permanente de Personal de Salud.Série Desarrollo de Recursos Humanos ,100.

Organización Panamericana de la Salud. EUA.1994