UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

PÓS-GRADUAÇÃO EM FIGURINO E CARNAVAL

Fevereiro 2008

História do Carnaval

Professora Lúcia Maria Martins

ARTIGO

"CARNAVAL: O IMPORTANTE NO FAZER, É O SENTIR".

Aluno:

Severo Luzardo Filho

CARNAVAL: O IMPORTANTE NO FAZER, É O SENTIR.

Severo Luzardo Filho

Resumo

Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a qualidade estética dos carnavalescos dos grupos de acesso do carnaval do Rio de Janeiro à luz dos conceitos estéticos vigente para o grupo especial, consideradas a elite das escolas de samba da mesma cidade. A abordagem para tal exame parte de experiências como carnavalesco vividas pelo autor¹ deste artigo e análise através de vídeos, revistas, jornais e artigos obtidos no Curso de Pós-Graduação em Figurino e Carnaval da Universidade Veiga de Almeida. Para tanto, explicaremos as subdivisões dos grupos de acesso, as funções dos carnavalescos e suas atividades afins, para posteriormente analisarmos os frutos de suas criações.

Palavras-Chave:Criação; Carnaval; Estética.

¹Severo Luzardo Filho – Gaúcho, natural de Uruguaiana no RS. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Ritter dos Reis e Publicidade e Propaganda pela PUC do RS, e Pós-Graduação em Figurino e Carnaval na Universidade Veiga de Almeida no RJ. Em 2008 completou 30 anos como carnavalesco de escolas de samba no RS e RJ, conquistando 11 campeonatos. Paralelamente ao carnaval, exerce a atividade de figurinista em teatro, filmes, minisséries e novelas da TV Globo.

Introdução

O Carnaval carioca passou por imensa transformação nas ultimas décadas quando o crescimento das bases sociais das escolas deu ensejo à maior participação de indivíduos das camadas médias. Neste momento, foram inseridos neste contexto, cenógrafos e artistas de formação acadêmica.

Interesses comerciais se delinearam com rapidez e a mídia teve importante influência na reestruturação do Carnaval. Em 1962 surgiram as arquibancadas da avenida Rio Branco, e ingressos passaram a ser cobrados do público, que antes assistia gratuitamente.

A criação de órgãos oficiais para a gestão do evento como a Riotur (agência de turismo da cidade do Rio de Janeiro), a LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba em 1984), a AESCRJ (Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro, entidade representativa das conforme publicação no D.O. de 06/06/75), e a transmissão dos desfiles enfatizaram os aspectos comerciais do Carnaval das escolas, ao mesmo tempo em que asseguraram uma base econômica mais regular para as suas atividades.

O Carnaval deixou de ser a festa da desordem e passou à condição de negócio.

A fase em que vivemos hoje marca a hegemonia dos carnavalescos que, a cada ano descobrem novos materiais para confecção de fantasias, alegorias e adereços.

"A pessoa responsável pela parte visual do desfile da Escola de Samba é chamada de carnavalesco. [...] O significado verdadeiro da palavra seria cenógrafo, figurinista e uma espécie de diretor de cena. Às vezes, o carnavalesco faz também o enredo. [...] A maioria deles (carnavalescos) é autodidata. Aprendem olhando e imaginando o que fariam se fossem criadores daquela história". MAGALHÃES (1977 - p. 135).

Outras funções do carnavalesco apontadas por GUIMARÃES (1992) são: "autor de enredo, escritor, pesquisador, roteirista, cenógrafo, figurinista, aderecista, projetista, produtor de espetáculo, pesquisador de mercado, coordenador, diretor de espetáculo, contra-regra, relações públicas, artista plástico e arquiteto". (p. 234).

Os barracões² das escolas de samba funcionam agora como linhas de produção de uma moderna fábrica.

²Lugares onde são confeccionadas as alegorias, algumas fantasias de alas e composições. Serve de encontro para os profissionais ensaiarem coreografias, reuniões, testes de surpresas para desfile.

Softwares sofisticados garantem carros alegóricos com estruturas mais leves e resistentes. O computador controla os efeitos luminosos que encantam o público no Sambódromo.

Não há mais espaço para amadorismo e improviso. Eficiência e eficácia, rentabilidade e adequação, receitas e custos, controle e qualidade são os atributos do desfile que agora devem prevalecer para atender ao deslumbramento do espetáculo destas Escolas de Samba.

E é justamente o resultado apresentado na avenida, que serve de análise para uma reflexão deste artigo.

1. As Escolas de Samba e seus carnavalescos

As Escolas de Samba são a maior contribuição carioca para o carnaval brasileiro e se espalharam por praticamente todo o país. Mas as escolas do Rio permanecem como as maiores, mais bem organizadas e responsáveis por desfiles de grande beleza e alto nível profissional.

O desfile de uma escola de samba se baseia no enredo proposto e desenvolvido pelo carnavalesco ou sua equipe, e interpretado pelos componentes da agremiação através da música, dança, fantasias e carros alegóricos.

O caráter de espetáculo que as escolas foram adquirindo deu força ao seu componente visual, levando a figura do carnavalesco, isto é, do artista ou cenógrafo profissional, a crescer em importância.

"Desde os primeiros anos da década de 1930, eram os próprios sambistas que bolavam tudo dentro da Escola (de samba), criando enredos, fantasias, alegorias e fabricando os próprios instrumentos. [...] Com o calor da disputa, na ânsia de obter novas vitórias, os dirigentes das Escolas deixaram de recorrer aos seus carnavalescos indo contratar gente de fora que, inclusive, tinha mais nome, para poder influenciar no julgamento. [...] Mas, não só artistas passaram a desenhar para as escolas, suas diretorias passaram a ser constituídas por advogados, médicos, engenheiros, professores, arquitetos e muita gente de uma classe social mais elevada, que passaram a fazer uma "higiene mental" naquele meio." GUIMARÃES (1992 – p.199)

As grandes sociedades do século XIX e os próprios ranchos já recorriam a artistas reconhecidos para a armação do seu desfile.

Nas décadas de 60 e 70, aproximam-se das escolas artistas egressos da Escola Nacional de Belas Artes como Fernando Pamplona, Rosa Magalhães e Maria Augusta.

Nos anos 70 surgiu Joãosinho³ Trinta, bailarino do Teatro Municipal, que na Beija-Flor de Nilópolis desenvolveu uma concepção espetacular para os desfiles da escola de samba, verticalizando as alegorias e buscando uma ampliação geral de todos os elementos do desfile - a integração total das artes visada pelo movimento barroco em séculos anteriores.

Hoje o Carnaval deixou de ser um acontecimento regional para figurar junto às grandes festas de âmbito mundial. Ultrapassou as fronteiras e os limites geográficos do nosso país, fazendo com que o mesmo fosse apresentado e vivido em outros horizontes.

³Grafia adotada pelo carnavalesco, usando "s" em vez de "z".

2. Divisões dos grupos de acesso do carnaval do Rio de Janeiro

O desfile das escolas de samba Rio de Janeiro é organizado de forma dinâmica, privilegiando os melhores resultados com ascendências de grupos.

Há o Grupo Especial, espécie de nobreza das escolas, e os Grupos de Acesso - A, B, C, D e E, que galgam caminhos e sonhos para chegar ao Grupo Especial.

Ao longo dos anos, os nomes dos grupos, número de escolas participantes e regras de competição foram alterados.

Inicialmente, os desfiles eram realizados no domingo de carnaval, na Praça Onze. Em 1942, com as obras para construção da avenida Presidente Vargas, o desfile mudou de local. Em 1945 foi realizado no Estádio de São Januário. A partir de 1947 na avenida Presidente Vargas. A partir de 1952 são montadas arquibancadas para o público assistir aos desfiles. Em 1961 os desfiles passam a ser um evento com cobrança de ingresso do público. Em 1974, devido às obras do metrô, foi realizado na avenida Presidente Antônio Carlos. Em 1978 ocorre a mudança para a rua Marquês de Sapucaí. Em 1983, o então governador, Brizola encomendou a Oscar Niemeyer o projeto de um local definitivo para os desfiles, já que até então as arquibancadas eram montadas na época do carnaval e depois desmontadas. O local escolhido foi a própria Marquês de Sapucaí, que passou a ser usada exclusivamente para o desfile, ficando fechada para o tráfego. Foi inaugurado em 2 de março de 1984 e passou a ser conhecido popularmente como "Sambódromo", embora seu nome oficial fosse Passarela do Samba.

Com a construção do Sambódromo, o número de escolas aumentou e o número de participantes em cada escola também, tornando o desfile mais longo e cansativo para o público e dificultando sua transmissão pelas redes de televisão. Assim, em 1984 o desfile passou a ser realizado em dois dias: domingo e segunda-feira.

O desfile do Grupo Especial e dos Grupos A e B, acontecem no Sambódromo. Já os desfiles dos Grupos C, D e E têm lugar em outra parte da cidade: Av. Intendente Magalhães, no bairro do Campinho.

As escolas do Grupo Especial fazem o desfile da LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba) em dois dias de desfile (domingo e segunda-feira).

O desfile do Grupo A, no sábado anterior, o do Grupo B, na terça-feira, o do Grupo C no Domingo e o do Grupo E na segunda-feira e são organizados pela AESCRJ - Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro.

"No carnaval 2009, voltarão as subidas e descidas anteriores: no Grupo de Acesso A, subirá uma para oGrupo Especial e descerão duas para o Grupo de Acesso B, que subirão duas para o Grupo de Acesso A e descerão três para o Grupo de Acesso C, que subirão três para o Grupo de Acesso B e descerão três para o Grupo de Acesso D, que subirão três para o Grupo de Acesso C e descerão três para o Grupo de Acesso E, que subirão três para o Grupo de Acesso D e a última colocada será eliminada do Carnaval, ficando sem desfilar durante dois ou três anos, esperando por uma avaliação da AESCRJ, para saber se pode ostentar o título de escola de samba ou bloco." 4

O prestígio alcançado com uma boa classificação no desfile reforça a posição da escola para negociar e valorizar seus atributos imateriais, tais como nome, cores ou logotipo, servindo como argumento e ferramenta de venda para futuros patrocínios e obtenção de recursos para novos desfiles.

4Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

3. Principais matérias primas do espetáculo

No Carnaval, a produção das grandes empresas fornecedoras de materiais carnavalescos, traduz-se pela manufatura e suprimento necessários à fabricação dos desfiles das escolas de samba, primeiramente, àquelas que pertencem ao Grupo Especial; secundariamente, pelo fornecimento dos mesmos insumos às agremiações que produzem os desfiles nos segmentos de acesso, ou seja, as escolas de samba pertencentes aos grupos A, B, C, D, e E.

Existe neste caso, uma lógica comercial da produção em grande escala, que privilegia os carnavalescos pertencentes àquelas escolas com mais recursos financeiros.

Estampas têxteis podem ser criadas e produzidas com exclusividades, idem para os moldes de placas de acetato diferenciados, para os tingimentos de penas, para a confecção de adereços especiais, etc.

Nos grupos de acesso (foco de nossa reflexão), os carnavalescos utilizam em muitos casos, materiais reciclados de agremiações do grupo especial, economizando desta forma, tempo e dinheiro para o seu trabalho. Estas peças podem ser transformadas em novos materiais, gerando uma releitura para o trabalho proposto e dando grande suporte estético a estas escolas.

Madeiras, ferros, materiais elétricos, ferramentas, bases de carros alegóricos, esculturas, adereços, tecidos, passamanarias, aviamentos, penas e plumas, fantasias, armações de arames, entre outras coisas, são elementos que geralmente são passados de uma agremiação para outra conforme as hierarquias e relações amistosas.

O sentido de cooperação e ajuda mútua é uma premissa básica das escolas de samba dos grupos de acesso que, sem essas ações contínuas, provavelmente teriam muita dificuldade para a realização destes carnavais.

Os materiais mais comuns, comercializados no mercado em lojas atacadistas especializadas e utilizados pelos carnavalescos na confecção das fantasias e dos seus carros alegóricos são os seguintes:

Materiais para confecção de fantasias: acetato, acrílicos,agulha, algodão cru, aljofre, arame, argolas, barbatanas, boás de penas, boás de ráfia, bojos, brocados, broches, búzios, cadarço, crepe, cetim, chaton, chitão, cirê, cordão de algodão, canutilhos, capuchão, casacalhos, cigarrete, conchas, conduíte, contas, cordão de poliéster, correntes, couro, cola quente, cola fria, cristais, cubas de madeiras, dentes, dublados, debruns, elásticos, entretela, etaflon, fitas de cetim, fitas metálicas, feltro, franjas de penas, franjas de seda e metálicas,galões, glitter, gorgurão, gorgurinho, grilô, jabots, lamê, lantejoulas, linha, lurex, lycra, malha, marabu,metalassê, millenium, missangas, moedas ciganas, napa, organza, paetê, papel adesivo, papel água, pastilhas, papel holográfico, pedras, penas, pistola de cola quente, plissados, plumas, purpurina, ráfia, rendas, rendões, roletê, sianinha,strass, stresch, taroussel, tecidos laminados, tecidos glitterizados, tesouras, tergal, tnt, torçal, unhas metálicas, vidrilhos, viés, viscose, velcro.

Materiais para confecção de carros alegóricos: acetato, acrílicos, aglomerados, arames, argila, acetileno (para solda), borracha,cadarços,cantoneiras,catalisador, cobalto, cola quente, cola fria, corantes, cordões, correias,correntes,compensados, eixo de caminhões, eletrodo (para soldaelétrica), espelho, espuma, estiletes, etaflon,empastelação (grude),etileno, fibra de vidro, feltros, ferramentas, ferros diversos, gás, gesso, grampeadores,grampos, isopor, lâmpadas, lixad'água e de ferro, madeira, manta acrílica e manta de polietileno expandido5, máquinas de corte elétrico,néon, papel, parafusos, pigmentos, pistola de cola quente, placas de acetatos, placas de Eva, plásticos lisos, plástico bolha, polias, pregos, rodas, resina, sarrafos, sisal,serras retorcidas, serrote, solda de metal, talhas, talcoindustrial, telas de arame, telas de plástico, tinta, trincha, trincal, tecidos, tesouras diversas, vergalhões, etc.

"Eficiência e eficácia, rentabilidade e adequação, receitas e custos, controle e qualidade são os atributos do desfile que agora devem prevalecer para atender ao deslumbramento freqüente de turistas estrangeiros e brasileiros que vêm assistir aos desfiles, aos interesses públicos da prefeitura com a arrecadação de impostos e taxas, aos interesses privados das indústrias e dos prestadores de serviços com a lucratividade dos produtos vendidos e dos serviços prestados, e aos interesses institucionais das escolas de samba, que devem preservar e resguardar a euforia dos aficionados figurantes do desfile, a tradição do grêmio, a glória da instituição e de seus responsáveis mais autorizados". (Parte do texto acima foi extraído de Escola de Samba Unidos da S/A, de Marlucio Luna, editor de conteúdo do Programa Século XXI).

Na realidade, o desfile das escolas é uma experiência estética tanto para quem dela participa como para quem assiste a ela.

5Materiais utilizados pela indústria de construção civil para isolamento térmico e embalagens e absorvido pelos carnavalescos como materiais de adereços e ornamentações de carros alegóricos e fantasias.

Bem mais recente é essa feição de espetáculo do Carnaval brasileiro, em que o visual virou quesito e a palavra de ordem geral tem sido "brilhar muito, brilhar tudo, brilhar mais!". Nossa "ópera-balé-ambulante" – na definição que lhe deu o crítico José Ramos Tinhorão, em 1975.

Nesta onda da importância do visual, a necessidade gera a invenção. Carnavalescos de agremiações com recursos limitados tendem a fazer enormes laboratórios de testes em materiais, desde os mais comuns até os mais inusitados, para obterem resultados estéticos viáveis e satisfatórios para contar os enredos propostos.

Canudinhos de refrigerantes, flores de garrafas plásticas, embalagens de isopor recicladas, tampinhas de latas de alumínio, botões metálicos, bóias de isopor, baldes plásticos, rolos de filmes, chapas de raios-X, sacos de lixos, fuxicos6 de retalhos, flores de palha de milho, bonecos de pelúcia, preservativos, passador de macacão, talheres plásticos, copinhos de refrigerantes, espetinhos de madeira, forminhas de acetato, papel de docinhos, entre outros tantos, são materiais que encontramos na nossa vida cotidiana e que têm contribuído para o enriquecimento de novas texturas no trabalho dos carnavalescos destes grupos de acesso.

"Fazer carnaval é o maior exercício de criatividade que pode existir. Na verdade você tem que transformar lixo em ouro, materiais alternativos em trabalho artístico. Nunca se tem dinheiro para fazer aquilo que se idealiza, aquilo se quer na verdade. Tem que rebolar pra colocar as fantasias, os trajes, vestidos, com material barato, mas que pareça material nobre. Esse é o maior desafio.

Tanto a moda quanto o carnaval precisam de muito estudo, muita pesquisa, sempre. Nada cai do céu, ninguém é gênio suficiente para fazer alguma coisa sem pesquisa. Mesmo pra fazer um carnaval, pra fazer um espetáculo de época, ou alguma coisa com moda, sempre tem que ter pesquisa. Tem que existir uma fonte de inspiração, tem que ir muito a fundo para poder realizar um bom trabalho", argumentaJosé Alfredo Beirão Filho, figurinista e carnavalesco em entrevista a jornalista Marianna Aragão na publicação on line Santamoda organizada por profissionais da área da moda de SC (http://www.santamoda.com.br/entrevista.asp?codigo=195).

6Forma de artesanato brasileiro. A técnica é bem simples e existe há mais de 150 anos. Consiste em umas trouxinhas de panos, feitas com sobras de tecidos e costuradas entre si.

4. O Fazer criativo

O Carnaval hoje em dia profissionalizou-se. Não se trata mais de uma simples data e como tal, deve ter uma seqüência de acertos planejados que possibilitem uma boa apresentação da escola de samba.

Trata-se da criação, analogicamente falando, de um entretenimento. Desde o planejamento das etapas, da elaboração do tema enredo e dos figurinos, da produção da matéria-prima que será transformada em fantasias e carros alegóricos, passando pela execução de projetos criativos, por obtenção de recursos financeiros, divulgação e marketing, até o desfile da escola.

Esses projetos são diferenciados de acordo com a visão dos carnavalescos e suas escolhas de tema enredo, bem como a visão das diretorias dessas escolas, tanto em quantidade como em qualidade, mas guardam similaridade, sob a maior parte dos aspectos, na execução de tarefas e ações.

Atualmente, e de um modo geral, as escolas selecionam o tema do enredo em função da possibilidade de ser vendido para potenciais patrocinadores.

Naturalmente, os enredos livres, são mais fáceis de serem interpretados pelos carnavalescos e os preferidos para exercício da criatividade absoluta desses artistas.

Os materiais são definidos a partir das atividades de criação, ou seja, da elaboração dos projetos em que são concebidas e concretizadas as idéias referentes ao enredo que será desenvolvido, e como será desenvolvido; os desenhos representativos das fantasias e adereços; a cenografia dos carros alegóricos e suas esculturas. A coreografia das alas e passistas, e a criação do samba enredo integram, também, o conjunto de ações com conteúdo de criatividade.

A transformação desses materiais ocorre, no barracão para os carros alegóricos, nos ateliês e oficinas estipulados pelas escolas.

No barracão são executadas as tarefas de engenharia, marcenaria, esculturas e pintura de arte nos carros alegóricos com emprego, onde se fizer necessário, de inovações tecnológicas adequadas às finalidades do desfile.

"(...)O barracão é a oficina do samba. É a fábrica dos sonhos, onde algumas toneladas de ferro, tecidos, madeira, isopor e uma infinidade de adereços distintos transformam-se pouco a pouco, sob a batuta de um carnavalesco, em gigantescos carros alegóricos e centenas de fantasias. É no barracão do samba que a ilusão, a imaginação e a fantasia se transformam em realidade. Uma realidade recheada de fetiches e que apesar da dura estrutura de suas alegorias, a oficina do samba é onde se desenvolve e apresenta a maior máquina/fábrica de lazer que é o nosso doce e maravilhoso carnaval.

O primeiro olhar lançado ao seu interior revela uma oficina feia, desorganizada e barulhenta. A pessoa (o pesquisador) é, então, levado a perceber que um desfile de Carnaval não é realizado apenas com visões lúdicas, frases emocionadas e o capital do patrono se esparramando pelo barracão. Procurando desviar-se das tentadoras visões fantasiosas, reordena seu pensamento para desvendar e interpretar aquela oficina de características tão peculiares.

Após a primeira impressão de desorganização, uma observação mais atenta revela independência física dos diversos setores que compõem o barracão da escola. As demarcações são, porém, flexíveis. O relógio próprio do Carnaval gradualmente promove associações e até simbiose entre setores. Tal relógio parece dominar as demarcações físicas do ambiente de forma bem mais acentuada do que poderiam fazê-lo os papéis sociais representados pelas pessoas do barracão. É certo que, ao nele entrar, depara-se logo com as salas reservadas ao Presidente da Escola e à Administração do Barracão. Porém, esses espaços não se apresentam como áreas de exclusão; mas sim como espaços inclusivos, onde o trânsito é livre (...)". Parte do Artigo de Candida Rosa Ferreira Costa: Análise Institucional da Organização do Carnaval - Cultura do Brasil revelada no barracão da Mangueira, publicado no endereço eletrônico http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/barracaomangueira.htm.

Nos ateliês são executadas as atividades de adereçaria, sapataria, chapelaria, confecção das fantasias de alas, destaques de pontuação como porta-bandeira e mestre- sala, composições de carros, comissão de frente, bateria, baianas, e alas das crianças, alas da comunidade, etc.

Nestes espaços também trabalham outros especialistas indispensáveis para essa transformação: escultores, aderecistas, laminadores, moldadores, ferreiros, serralheiros, marceneiros, vidraceiros, pintores, eletricistas, iluminadores e mecânicos, todos sob o olhar vigilante dos carnavalescos e diretores de carnaval.

A comunicação é pontual e específica, estando sempre relacionada à ação. A baixa rigidez hierárquica entre chefe de setor e funcionário torna o canal de comunicação simples e eficaz, dificultando o aparecimento de ruídos e suspendendo temporariamente as distâncias sociais.

O planejamento de todo o trabalho deve ser entendido por todos da cadeia produtiva, pois assim poderão solucionar com maestria e de forma criativa.as adversidades e contratempos quesurjam no decorrer das etapas.

O "fazer criativo" nestas escolas dos grupos de acesso, depende muito da participação de suas comunidades, o que as mantém muito mais próximas da raiz e das tradições do samba.

A pesquisa de materiais, de soluções técnicas e visuais e a originalidade fazem a grande diferença.

Nestes grupos, portanto, há espaço maior para a ousadia e a experimentação e, conseqüentemente, surgem os novos nomes de nosso carnaval, que, posteriormente, ingressam nas grandes escolas.

É necessária a liberdade de criação dos carnavalescos para que eles descubram novos caminhos.

É preciso saber o que sua comunidade e, sobretudo, sua agremiação querem e anseiam. É preciso trazer esse inconsciente coletivo para a pista de desfiles.

O modernismo nas artes visuais do carnaval nos enriqueceu com diversas opções.

Quebrou estruturas, chamou atenção para a renovação e discutiu o tradicional e a mesmice das apresentações sistematicamente muito parecidas.

Rejeitou fórmulas ultrapassadas, e ao mesmo tempo inventou novas propostas e conceitos.

Num cenário cada vez mais competitivo, as escolas e seus carnavalescos precisam entender que atender aos anseios de seus componentes e do público é vital para o futuro.

5. Considerações

A partir do exposto neste trabalho, podemos considerar como muito importante a responsabilidade do carnavalesco na criação e no fazer artístico de uma escola de samba.

Dado as dificuldades destes grupos de acesso, é cada vez mais imprescindível que exista uma procura incessante de novas leituras estéticas agradáveis aos anseios das comunidades e, sobretudo, do grande público que assiste aos desfiles carnavalescos.

"O importante no fazer é o sentir", o sentir os desejos das agremiações, o sentir no toque dos materiais, o sentir na cartela de cores que pede o enredo proposto, o sentir na realização das alegorias, o sentir na reciclagem dos materiais oriundos de outras agremiações, o sentir na escolha e pesquisa de novos elementos artísticos para a beleza do espetáculo.

Naturalmente, sem perder o foco que o trabalho é voltado para uma escola de samba, e como tal, deve respeitar os valores, normas e regras estabelecidos para essas entidades, valorizando, sobretudo, o melhor da espontaneidade de seus foliões.

Lamentavelmente, vemos ao longo das apresentações destes grupos, verdadeiras catástrofes estéticas, oriundas da falta de sensibilidade no "fazer artístico" e da falta de pesquisa com finalidade artística. O despreparo de profissionais, sem formação didática, prática e nem apuro estético, transforma, muitas vezes, oportunidades em desperdícios.

É necessária uma adequada organização produtiva, planejada com antecedência, onde o "sentir" pode acusar respostas positivas para fatores imponderáveis, como a emoção, garra e a sinergia com o público.

O carnaval dos grupos de acesso é uma festa encantadora onde a magia e a emoção predominam e se repetem, mas a repetição é sempre diferente. Cada Carnaval é único, inesquecível e de possibilidades infinitas de reapresentação.

Incentivar, sensibilizar e desenvolver o instinto criador é renovar as possibilidades do cotidiano.

Essa experiência do imaginário, que se abre para o mundo, é feita profundamente também pela vivência da prática artística, em suas mais diversas formas.

O homem moderno navega facilmente entre o passado e o futuro. Ora clássico, ora moderno. Ora vanguarda, ora tradição. Ora integridade, ora cisão.

A produção carnavalesca desta década gerou diversas formas de abordagem dentro das artes visuais e ao mesmo tempo nos favoreceu com um incrível acervo de imagens.

Complexas, efêmeras, polêmicas, conceituais, mas de qualquer forma necessárias como compreensão do carnaval. Sejam elas expressas através dos meios tradicionais, ou até mesmo sujeitas às novas tecnologias ou suportes, as imagens produzidas nesta modernidade refletem a sociedade em que vivemos.

E, nesse aspecto, sentimos que a necessidade de inovação que vem dinamizando o carnaval representa transformações significativas com as quais estamos aprendendo a dialogar.

Temos que criar.

Temos que fazer.

Temos que sentir.

Temos que sentir no fazer...


Esta instalação, batizada de "Carnaval: o importante no fazer, é o sentir", foi realizada pelo carnavalesco Severo Luzardo Filho, na exposição "Parangolhar", inaugurada no dia 28 de fevereiro de 2008, no Centro Cultural Municipal José Bonifácio, na Gamboa, RJ. O Prêmio Parangolé é uma das ações que a Prefeitura do Rio realiza para valorizar a diversidade do carnaval carioca e fomentar a produção dos artistas dos grupos A e B. O projeto cria um diálogo entre o "fazer do carnaval" e a "arte contemporânea". Essa obra reflete o pensamento deste artigo, homenageia os carnavalescos engajados no fazer artístico e agradece a Lúcia M. Martins, Madson Oliveira, Felipe Ferreira e R. Conduru pelo estímulo e incentivo.

6. Bibliografia

* ARAÚJO, Hiran. Carnaval: seis milênios de história. 2ª edição. Rio de Janeiro: Griphus, 2003;

* CAVALCANTI, Maria Laura. O Impacto do Carnaval na Economia Carioca. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 1994;

* COSTA, Cândida Rosa Ferreira: Cultura do Brasil revelada no barracão da Mangueira (Análise Institucional da Organização do Carnaval). Belo Horizonte; Intercom, 2003;

* FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de Janeiro. Ediouro, 2004;

* GUIMARÃES, Helenise Monteiro. Carnavalesco: O profissional que "faz escola" no carnaval carioca. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA (Dissertação de Mestrado), 1992;

* LUNA, Marlucio: Escola de Samba Unidos da S/A. Rio de Janeiro: Século XXI, 2007;

* MAGALHÃES, Rosa. Fazendo carnaval: the making of carnival. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1977;

* SITE OFICIAL da Riotur: www.riodejaneiro-turismo.com.br/pt/

* SITE OFICIAL da LIESA: www.liesa.com.br;

* SITE OFICIAL da AESCRJ: www.aescrj.com.br;

* WIKIPÉDIA, enciclopédia livre: www.wikipedia.org

* SITE DE MÚSICAS BRASILEIRAS: www.brasileirinho.mus.br

* SITE DE MODA: www.santamoda.com.br